Numa época em que há grande falta de ideias e no ano em que se recorda o centenário da “Revolução de Outubro” de 1917 na Rússia, alguns teimam em olhar para trás e insistir de novo na edificação de utopias, nomeadamente a marxista-leninista. É pois necessário conhecer – ou recordar – as ideias que servem de base a essa ideologia para se compreender que se trata de um beco sem saída.

Habitualmente um dos argumentos dos marxistas-leninistas consiste em que a experiência soviética falhou porque Vladimir Lenine, primeiro e principal líder bolchevique, governou pouco tempo, apenas seis anos, e num clima de guerra civil e de isolamento internacional.

Todavia a análise da sua teoria e da sua prática mostra que a repressão e a violência eram bases que não podiam ser tocadas ou postas em causa para que o regime bolchevique continuasse a sobreviver. O estalinismo não é por isso uma aberração ideológica em relação ao marxismo-leninismo, mas a sua continuação lógica.

Vejamos, por exemplo, o que Lenine pensava da religião. Num telegrama enviado a Félix Dzerjinski, chefe da polícia secreta soviética Cheka (a antecessora do KGB), em Maio de 1919, o líder da “Revolução de Outubro” ordenava: “Em conformidade com a decisão do Comité Executivo Central da Rússia e do Conselho de Comissários do Povo, é indispensável acabar com os padres e a religião. Os padres devem ser detidos como contrarrevolucionários e sabotadores, fuzilados implacavelmente e em toda a parte. E quanto mais, melhor. Os templos devem ser fechados. Os edifícios devem ser lacrados e transformados em armazéns”.

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Poder-me-ão retorquir: mas isso são coisas do passado, fruto de uma situação extraordinária. Pois, mas o problema é que o nosso mundo vive constantemente em situações extraordinárias e este tipo de intolerância continua bem viva nos nossos dias. Qual é a diferença entre este telegrama de Lenine e os apelos dos radicais islâmicos à liquidação de todos os infiéis? Nenhuma, pois é impossível ver diferenças entre os que matam em nome da classe operária e os que matam em nome de um qualquer Deus ou de uma raça.

Daí ser importante a publicação deste e de outros artigos, cartas ou ordens de Lenine, de Estaline, de Trotsky, de Mao e por aí adiante, tal como é essencial publicarem-se obras que revelam o pensamento de Hitler, de Rosenberg (o principal teórico do nazismo) ou de Mussolini, não só para conhecer as raízes das ideologias totalitárias, como também para as comparar.

Isto é fundamental discutir agora, numa época em que são muitos os falsos profetas que nos prometem tudo ao virar da esquina, quando o populismo pretende apresentar-se como a solução de todos os problemas. Lenine era um populista, pois prometeu as fábricas aos operários, a terra aos camponeses e a paz ao país e os resultados são do conhecimento geral: os meios de produção passaram para as mãos de uma nova burocracia, a terra foi roubada aos camponeses e concentrada nas mãos da mesma burocracia através dos kolkhoses e sovkhoses e a paz foi substituída por uma guerra civil que matou milhões e justificou ondas de repressão sem fim.

Hitler também não ficou atrás nas promessas e o resultado foi também de milhões de mortos.

Presentemente não temos falta de populistas, mesmo quando não lhes chamamos assim. Desde Vladimir Putin, que há 17 anos promete a modernização do país mas nem consegue que o porta-aviões Almirante Kuznetsov deixe de assustar as aves marinhas com o fumo das suas chaminés, até ao recém-eleito Presidente dos Estados Unidos, uma “caixa de surpresas” que ameaça transformar-se numa autêntica “caixa de Pandora”.

Como se não bastasse, há toda uma fila de seguidores nos países da desorientada União Europeia, desde Marine Le Pen, que promete dar aos franceses tudo o que desejam, até à deputada Mariana Mortágua, que promete confiscar e repartir se o Bloco de Esquerda algum dia for poder, ou mesmo até Jerónimo de Sousa, com as nacionalizações a favor dos “mais desfavorecidos”.

Todos eles, sem excepção, prometem “devolver o poder ao povo”. Quando ideias como as defendem chegaram ao poder no passado foi exactamente o contrário que sucedeu.

Mas o mais perigoso nesta situação é que a classe política tradicional faz de conta que tudo está bem e estável. Quem ouve o nosso Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, fica com a sensação de que ele vive noutro país e noutro mundo. O mesmo se pode dizer do governo. Parece que o único problema são as abreviaturas: TSU, CGD e por aí adiante.

Ora se as elites financeira, económica e política não reagirem aos verdadeiros problemas dos cidadãos arriscam-se a ter um final semelhante às elites russas em 1917: um tiro na nuca ou, com alguma sorte, o emprego de motorista de táxi em Paris (ou noutra cidade que os queira acolher melhor do que foram acolhidos os refugiados sírios na Europa).

Só espero que não falhem. Os dirigentes populistas também gostam de viver, penso eu.