Vamos resumir o debate no PSD: o problema de Santana Lopes foram os erros que cometeu no passado; o de Rui Rio, os erros que parece disposto a cometer no futuro. Curiosamente, os erros de um e do outro são do mesmo género.
Descontemos a lenda das “trapalhadas” de Santana. Em 2004, para facilitar o trabalho ao presidente da república, toda a gente teve interesse em fingir-se muito chocada com os incidentes e gaffes governativas do costume. O verdadeiro problema não esteve aí, mas nos erros de decisão política. Santana cometeu dois. O primeiro foi ao princípio. Para facilitar a saída de Durão Barroso, dispensou eleições, mesmo depois de sentir as reservas que suscitava em Jorge Sampaio e em parte da elite do PSD. Devia ter calculado que, sem um mandato eleitoral, essa tenaz acabaria por o destruir. Pensou, porém, que se poderia entender com Sampaio, isto é, confiou num presidente que não confiava nele. No fim, quando o presidente o derrubou, Santana cometeu ainda outro erro: resolveu exibir sentido de Estado, foi respeitoso, resignou-se. Ajudou assim a causa dos seus inimigos, ao parecer ele próprio dar razão ao presidente. Santana julgou que a oligarquia, que o acusava de ser perigoso e instável, se comoveria se ele provasse ser abnegado e responsável. A oligarquia esmagou-o, mais à sua reputação, até hoje.
Rui Rio propõe-se partir para 2019 exactamente com a mesma ingenuidade que comprometeu Santana em 2004. Imagina que o regime lhe agradecerá muito se proporcionar a António Costa um elenco maior de possíveis parceiros parlamentares. Imagina que Costa, em 2019, ficará muito comovido por o PSD o libertar do BE e do PCP, e que se disporá logo a entender-se com ele para fazer no país um “novo 25 de Abril”, com muitas “reformas estruturais”. Imagina também os eleitores a correr para ele, depois de saberem que votar no PSD significa manter Costa no governo. Tudo isto é uma gigantesca ilusão, mesmo que tenha muita manha. Dar ao PS a garantia de que pode governar sem precisar de maioria absoluta, depois de o PS ter eliminado a “regra” do governo pelo partido mais votado em 2015, não vai servir para dar influência ao PSD. Servirá apenas para António Costa passar a governar como se tivesse maioria absoluta, pressionando cada lado do parlamento com a ameaça de se aliar ao outro lado. Pior: para se mostrar digno de emparceirar com o PS, o PSD terá de diluir-se como alternativa, fazer algo parecido com o que fizeram o BE e o PCP, que se calaram sobre a UE e o euro e até sobre a dívida pública. Como se constatou nas autárquicas, isso não beneficiou o BE e o PCP. E também não beneficiará o PSD, ao desligá-lo dos que preferem uma alternativa não socialista para Portugal. Rio ficará apenas com um resto de caciques dispostos a trocar tudo pelo acesso ao número de telefone do secretário de Estado socialista. O PS, como sempre sonhou desde 1976, tornar-se-á o centro do sistema, com dois partidos pequenos à sua direita e dois partidos pequenos à sua esquerda. Ou seja, Rui Rio, com este seu projecto, ameaça condenar o PSD a não ser mais do que um pequeno lóbi parlamentar num regime socialista — regime temperado apenas pelo presidente da república.
O PSD tem de decidir qual é mais arriscado: se apostar nos que cometeram erros em 2004, ou se confiar nos que parecem preparar-se para cometer erros do mesmo tipo em 2019. Mais fundamentalmente, o PSD terá de escolher entre ser uma alternativa de governo ao PS, ou um mero apêndice da governação socialista. Talvez que essa ainda não seja a escolha de sábado, mas a escolha de sábado pode impedir essa outra escolha mais fundamental no futuro.