O que se passou na liderança do PSD? Gente que não é de esquerda e que deseja um Estado mais pequeno, uma sociedade civil mais forte e um crescimento económico assente na competitividade externa foi sucedida por gente que não é de esquerda e que deseja um Estado mais pequeno, uma sociedade civil mais forte e um crescimento económico assente na competitividade externa. Ou se quiserem, como sugeriu Santana Lopes, gente que a esquerda acusou de “neo-liberal” foi substituída por gente que a esquerda acusará de “neo-liberal”. Por este lado, não se passou nada, como até os mais distraídos constatarão em breve.
Que mudou, então? Isto: o PSD parece ir deixar de ser um partido de oposição.
A estratégia anterior pode ser representada pelos discursos de Passos Coelho e de Luís Montenegro no congresso. Para Passos e Montenegro, o país continua a ser governado pelos antigos colegas de Sócrates (“eles são os mesmos”), agora comprometidos com partidos que em Estrasburgo, como notou Paulo Rangel, votam com Le Pen. Portugal não converge com a Europa, e o governo nada faz para se preparar para outra conjuntura. O papel do PSD seria mobilizar o país na oposição ao governo.
A nova via está nos discursos de Rui Rio e, depois da mais espectacular conversão desde a estrada de Damasco, de Santana Lopes. Para eles, tudo está a correr muito bem, ou o país pensa que sim, o que vem a dar no mesmo. Os “tempos mudaram”, como insistiu Santana, e não vale a pena estranhar o PCP e o BE. A prioridade é, portanto, o acordo com o PS, em concorrência com o PCP e o BE. Seria a única maneira de o PSD readquirir relevância.
Dirão alguns que a via de Rio e Santana é já a internalização da derrota de 2019. Mas para sermos justos, é preciso reconhecer que nenhum caminho é fácil. Mobilizar o país contra o governo exige protagonistas e um activismo que o PSD não mostrou nas últimas autárquicas. Negociar acordos com o PS, por outro lado, requer contrapartidas. Como muitos já explicaram, o PS está confortável com o PCP e o BE, que lhe deixam passar incêndios e cativações sem “contestação social”. Que pode oferecer um PSD a quem faltam o jornalismo do BE e os sindicatos do PCP?
Como base de “acordos”, Rio fez uma lista de banalidades de regime, daquelas que os oligarcas recitam automaticamente, e que ninguém leva a sério. Só há, de facto, dois acordos plausíveis. Um é a feudalização do Estado, agora chamada “descentralização”, isto é, a partilha do país de modo a que todas as facções tenham uma posta para roer sem terem de conquistar São Bento. Um seguro de vida, sobretudo para este PSD.
Mas a matéria mais promissora é outra: é aquilo a que Santana, num lapso magistral, definiu como o “combate à justiça”. A justiça é o maior terror dos oligarcas. Contra a bancarrota, sentem-se garantidos pelo BCE. Contra Frentes Nacionais e Podemos, julgam-se protegidos pela pouca imigração e pelo enquadramento do PCP e do BE. Mas contra a justiça, depois das acusações a Sócrates e a Salgado, quem pode estar seguro? O “combate à justiça”, a começar pelo afastamento da Procuradora Geral da República é, neste momento, o grande consenso do regime. O que quer dizer que é para esse “acordo” que a estratégia de Rio, aliás já com dois investigados na sua comissão política, arrastará fatalmente o PSD.
O fim da autonomia do Ministério Público é a principal questão política em Portugal. Nesse ponto, o PSD de Rui Rio não promete ser um partido de oposição. A insistir no caminho, bem poderá clamar, em 2019, que é uma alternativa. Ninguém o verá como tal. Depois de Passos Coelho, o PSD tem um novo líder. A oposição, não.