Os militantes do PSD com as quotas em dia vão amanhã escolher o presidente do partido. De facto, podem decidir mais do que isso. No PSD, não estão em causa filosofias: como se viu, os candidatos pensam mais ou menos o mesmo sobre o melhor modelo de sociedade. Ninguém é, para usar as etiquetas da praxe, mais “liberal” ou mais “social-democrata”. Se o que estivesse em causa fosse isso, estas eleições só interessariam ao PSD. Mas o que está em causa não são doutrinas, nem só pessoas: estão em causa estratégias, e é nesse sentido que a votação dos militantes do PSD é relevante para o regime e para o país.

Aquilo que divide o PSD é fundamentalmente a atitude perante o PS. Não há aqui novidade histórica: o PSD esteve sempre desunido a esse respeito. Em 1979, houve mesmo uma cisão por essa causa. Agora, o problema pode ser resumido assim: a missão política do PSD é ajudar o PS a governar sem o apoio do Partido Comunista e da extrema-esquerda — ou é formar uma maioria para substituir o PS no governo? Esta questão pressupõe outra: o PS ainda é, como dizia Mário Soares em 1975, a “fronteira da liberdade”, ou seja, a primeira linha das forças que em Portugal defendem uma democracia de tipo ocidental, ancorada na NATO e na UE, contra a influência do Partido Comunista e da extrema-esquerda — ou, pelo contrário, o PS, independentemente da sua fidelidade à UE e à NATO, é o meio através do qual o Partido Comunista e a extrema-esquerda mantêm a sua influência no Estado e na governação em Portugal?

Em 2015, o PS respondeu a esta pergunta da mesma maneira que o PSOE acaba de responder em Espanha: neste momento, o PS, por simples expediente ou não, vê-se como um partido de esquerda que, no combate à “direita”, está ao lado dos comunistas e da extrema-esquerda. Que pode o PSD conseguir, com a sua disponibilidade para ajudar o PS? Provavelmente, aumentar a margem de manobra que o PS tem para negociar com a extrema-esquerda e os comunistas, e portanto tornar ainda mais interessantes para os socialistas os entendimentos e acordos à sua esquerda.

Para quem acha que a influência do PCP e da extrema-esquerda na governação é um problema, conviria talvez perceber que a única maneira de diminuir essa influência é afastar o PS do governo. Mas há quem no PSD continue a não perceber. E temos de admitir que por boas razões. Porque o que está em causa no PSD – ou no CDS, onde a ânsia de “dialogar” com os socialistas não parece ser menos aguda — não é apenas a relação com o PS: é também a relação com o país. Uma estratégia de confronto com o PS exigiria mais do que entendimentos entre partidos. PSD e CDS teriam de ser capazes de mobilizar a opinião nacional contra as famílias socialistas que, através de crises, escândalos e uma estagnação cinzenta, dominam o Estado há vinte e cinco anos. Não, não é fácil. Mas a alternativa – esperar pela próxima crise – poderá não bastar para romper a ascendência socialista, como se viu em 2002 e em 2011.

É neste ponto que o que acontece no PSD (ou no CDS) importa ao país. Há anos que a indiferença e o descontentamento com a governação socialista desaguam na abstenção, que agora compreende a maioria dos eleitores. Com os seus partidos sem militantes e as suas eleições sem eleitores, o regime, embora democrático, começa a parecer-se com os regimes que o antecederam: uma oligarquia entrincheirada no Estado com os seus dependentes, e cada vez mais determinada em controlar e sufocar o país (o socratismo não foi uma anomalia). A questão é saber se o PSD e o CDS são meios de mudança, ou simplesmente, com os seus “diálogos”, uma parte subalterna do domínio socialista do Estado.

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