Na segunda-feira recebi um telefonema de um jornalista a pedir para comentar o facto de a Comissão Europeia, mais propriamente Pierre Moscovici, ter mudado de discurso relativamente às medidas adicionais que Portugal terá (eventualmente?) de aplicar para reduzir o défice. Dizia-me o jornalista que as medidas eram para ser aplicadas “quando necessárias” e não “se necessárias”.
Confessei-me surpreendido. A memória dizia-me que sempre tinham dito “quando” e não “se”. A memória não me tinha traído. Lendo o comunicado original, de 11 de Fevereiro, encontramos precisamente essa afirmação: “we welcomed the commitments of the Portuguese authorities to prepare upfront, as of now, additional measures to be implemented when needed to ensure that the 2016 budget will be compliant with the SGP.” Ao contrário do que se possa pensar, não houve problemas de tradução. Pelo menos aqui, no Observador, a notícia foi exacta: “O Eurogrupo recebe com agrado o compromisso das autoridades portuguesas para prepararem medidas adicionais a serem implementadas quando necessárias, para assegurar que o orçamento de 2016 esteja em concordância com o pacto de estabilidade e crescimento europeu”.
É verdade que o governo português fomentou a confusão, dizendo que as medidas eram para aplicar apenas se fossem necessárias e que tinham esperanças de que não o fossem. Mas também é verdade que só não percebeu a mensagem quem não quis. Que tenhamos adoptado o discurso do governo apenas mostra empenho em substituir a realidade pelos nossos desejos.
Estas exigências da Comissão Europeia são apenas mais um sintoma da disfuncionalidade actual da União Europeia. O Orçamento do Estado a que deram luz verde tem previsões de receitas e de despesas que cumprem o pacto de estabilidade. Se têm a certeza de que este orçamento exige medidas adicionais, a única coisa que tinham a fazer era recusá-lo.
De qualquer forma, convém referir que algumas medidas extraordinárias já foram adoptadas. A primeira medida foi facilitada pelo buraco das contas provocado pelo Banif. A partir do momento em que passou a ser impossível atingir o défice de 3% em 2015, deixou de haver necessidade de mascarar as contas de 2015. Pelo contrário. Cada décima que se consiga adicionar ao défice de 2015 é uma décima que se retira ao de 2016. Não é por acaso que hoje nos dizem que o défice orçamental de 2015, depois de descontado o buraco criado pelo Banif, é de 3,3%, quando há bem pouco tempo o défice previsto era, no máximo, de 3%. Estas três décimas adicionadas a 2015 são três décimas subtraídas ao saldo de 2016.
Tudo indica que a Comissão exige ainda mais esforços. A ser esse o caso, Mário Centeno já indicou que o plano preferido é o de voltar a aumentar os impostos indirectos. Tendo em conta que o IVA é o imposto indirecto por excelência, seria bom que se recuasse na promessa de descer o IVA da restauração, um subsídio totalmente injustificado a um sector de actividade.
Se assim for, a diferença entre o orçamento final, já depois de várias vezes rectificado, e o que seria um orçamento PàF é mínima. No essencial, reduziram impostos directos e cortes salariais e de pensões à custa de um aumento de impostos sobre o consumo. Sob o ponto de vista macroeconómico, uma das vantagens dos impostos sobre o consumo é que penalizam as importações, enquanto os impostos directos penalizam a produção interna. Entre os impostos sobre o consumo, destaca-se o aumento do imposto sobre produtos petrolíferos, que pesa bastante nas nossas importações. Exceptuando a não descida do IRC, este orçamento podia perfeitamente ter sido proposto pela PàF.
No fim, e confirmando-se que este é o plano B, as principais críticas que se podem fazer não são ao orçamento em si, mas à forma como se lá chegou, com diversos e constantes avisos das instâncias europeias, que mantêm Portugal no foco das notícias internacionais, contribuindo para manter os mercados e agências de rating desnecessariamente nervosos. Tudo somado, confesso que não consigo deixar de admirar a capacidade política de Costa que conseguiu que PCP e BE votassem a favor de um orçamento destes. E isso também contribui para a nossa credibilidade internacional.