É pena que as eleições legislativas não sejam em 2020. Se fossem, então, com toda a certeza, o Orçamento de Estado para 2019 iria prever um défice zero. Seria um marco histórico na democracia portuguesa. Ainda assim, se o défice se ficar pelos 0,2%, o resultado não deixa de ser notável. Mesmo oplano macroeconómico do PS, apresentado antes das eleições, previa que em 2019 o défice fosse de 1,4%. E, vale a pena lembrar, a taxa de crescimento do PIB projectada nesse plano era bastante superior à que na verdade se verificou. Ou seja, apesar de o PIB ter crescido menos e apesar de o PS ter ficado amarrado à sua esquerda (e isso também não estava previsto no tal plano), o défice foi bastante inferior ao previsto. Não há como negar, este resultado é notável e totalmente inesperado. Quando este governo entrou em funções, ninguém previu que acabaria o seu mandato com um défice tão baixo.

A ideia de que para se ser de esquerda é necessário defender o descontrolo das contas públicas fica mais uma vez desmentida. E isso é bom para a qualidade da nossa democracia. É bom que seja claro que finanças sãs não são uma característica nem de esquerda nem de direita. Se olharmos para as autarquias, não vemos que câmaras comunistas tenham défices maiores do que câmaras de outros partidos. Por exemplo, uma das principais tarefas de Bernardino Soares à frente da câmara de Loures foi, precisamente, a de reduzir o seu endividamento.

O mesmo é obviamente verdade se olharmos para administração central, como é perfeitamente claro no gráfico que a seguir mostro. Com a excepção dos anos loucos de Sócrates, não há base nenhuma para se afirmar que os governos do PSD (seja em coligação ou não) controlam melhor as contas públicas do que os do PS.

Figura 1: as colunas a laranja representam os anos em que o primeiro-ministro foi do PSD (ou pelo menos durante grande parte do ano); a rosa, os anos em que foi do PS; e a cinzento aqueles anos em que foi dividido

Podemos, claro, discutir a composição desses défices — se se aposta mais no investimento ou na redistribuição, se se usa mais um tipo de impostos ou se se usam outros, se se beneficia mais os funcionários públicos (assunto em que os governos de Cavaco foram campeões) ou não, etc. —, mas isso é política ou ideologia. É bom que partidos diferentes actuem de forma diferente para que haja uma efectiva possibilidade de escolha.

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Para perceber a importância de conseguir este défice (de quase) zero, vale a pena lembrar que em 2015 muitos consideravam verdadeiramente impossível cumprir o nosso compromisso com a Europa de ter em 2035 uma dívida pública que não exceda os 60% do PIB. Muitos argumentavam, erradamente, que isso implicaria ter orçamentos carregados de austeridade até 2035. Na verdade, ter um défice permanente de 0% é tão contracionista (ou expansionista) como ter um défice permanente de 3%. Por uma razão simples, não são os défices que são expansionistas ou contracionistas, são, isso sim, as variações do défice. Ou seja, uma vez atingido o equilíbrio orçamental, do ponto de vista macroeconómico, o mais difícil está feito. Daí para a frente, o crescimento económico irá dando as folgas necessárias para se ir expandindo as despesas. E, claro, será normal e desejável que partidos diferentes tenham propostas diferentes, com uns a propor descidas de impostos e outros a propor aumentos de despesa (para não falar de diferentes composições da despesa). Desde que mantenham o saldo orçamental equilibrado, a verdade é que o rácio da dívida pública descerá por si.

Figura 2: Evolução da dívida pública, pressupondo contas equilibradas, inflação de 2% e um crescimento real de 2%.

No gráfico acima, projecto a evolução da dívida pública entre 2019 (partindo de 118%) e 2035. Considero três pressupostos: contas públicas equilibradas (ou seja, não só presumo que não há défices, como ainda presumo que não atiram coisas para a dívida pública sem passar pelo défice), taxa de inflação de 2% e uma taxa de crescimento real do PIB de 2% (um valor verdadeiramente medíocre). O resultado está à vista. Se isto se verificasse, em 2035 a dívida pública será de 62% do PIB. Ou seja, sem brutais esforços adicionais, é possível cumprirmos os nossos principais compromissos externos relativamente a este assunto.

Aos nossos governantes, quer actuais quer futuros, quero pedir que se lembrem do que os portugueses sofreram para chegar a este ponto. Façam o favor de não estragar tudo nos próximos anos.