A decisão de Pedro Passos Coelho de não se recandidatar à liderança do PSD não apanhou ninguém de surpresa. A dimensão da derrota, sobretudo em Lisboa e no Porto, não deixava margem de manobra a quem ambicionava regressar ao Palácio de São Bento. Algo que o próprio reconheceu publicamente.

O tempo que falta para a data prevista para as legislativas representaria um suplício diário, mesmo que Passos Coelho saísse vencedor do Congresso de 2018. Uma vitória que, convém dizer, não estaria assegurada. A oposição interna há muito que trabalha no sentido de tomar o poder. A regra na vida do PSD, tal como acontece com qualquer partido de notáveis. Um partido que só apoia – apetece escrever «bajula» – o líder enquanto o sente inatacável. A única ocasião em que os verdadeiros barões se fingem adormecidos e algumas figuras pretensamente importantes revelam uma submissão servil.

Quando a ameaça de insucesso eleitoral se aproxima, os barões dão sinal de vida. Colocam os peões, que se julgam bispos, em campo. Os figurões encarregam-se dos preparativos da festa da sucessão. Almoçam com os candidatos presumivelmente melhor colocados. Em sigilo, de início. Às claras quando seguro. A visibilidade como garantia de um posto na nova estrutura. Os barões recompensam a fidelidade. Depois, é só aguardar pelo momento certo.

Na vida do PSD é possível encontrar exemplos desta forma de atuação. Como quando Pinto Balsemão apresentou o pedido de demissão ao Presidente Eanes porque a Troika do PSD – três barões que identificou – quis que ele fosse vice primeiro-ministro de Freitas do Amaral.

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Exemplos que narrei no livro «Os Políticos e a Crise: de Salazar a Passos Coelho» e que, obviamente, não constituem um exclusivo do PSD.

Nesse livro, o subcapítulo dedicado ao presidente cessante do PSD intitula-se «Passos Coelho: mais passos no calvário». Um calvário inicial herdado da desgovernação socrática. Culpa alheia. Um calvário posterior por conta das medidas exigidas pela Troika e exponenciadas pelo Governo liderado por Passos Coelho. Culpa própria. Nunca assumida. Mesmo quando um dos membros da Troika reconheceu o exagero. Um exagero que permitiu a liquidez de que outros se viriam a servir. Uma situação que teve reflexos diretos na hecatombe eleitoral de 1 de outubro.

Passos Coelho sai pelo seu pé. Fatigado por sete anos de liderança. Teve uma primeira legislatura muito exigente. Resistiu às derrotas nas autárquicas de 2013 e nas europeias de 2015. Venceu, contra todos os prognósticos, as legislativas de 2016. Viu-se apeado do cargo de primeiro-ministro por uma inusitada e nada previsível maioria parlamentar. Demorou a habituar-se à desconsideração política. Acredita(va) que quem ganha deve governar. Não liderou a oposição. Daí o descalabro nas autárquicas do passado domingo. Os líderes locais não conseguiram estancar a hemorragia de votos.

Um desastre de proporções partidariamente inaceitáveis. Um resultado que pode servir os interesses de quem há muito estava em campanha. Resta saber como reagirão os barões.

Quanto a Passos Coelho, prometeu não ficar “a rondar” nem a “assombrar”. Uma atitude digna, até porque conhece vários desmentidos no PSD.

O problema é que também disse que não se ia calar. E materializou logo essa afirmação. Enalteceu Paulo Rangel. Soou a designação de sucessor. Não havia necessidade.

Quando Mário Soares se aprestava para deixar Belém, a rainha Sofia de Espanha perguntou a Maria Barroso porque não sucedia ao marido no cargo. Na sua simplicidade, a eterna Primeira-Dama limitou-se a dizer: Majestade, Portugal não é uma monarquia.

Professor de Ciência Política