A 4 de Julho de 1776, há precisamente 240 anos, “os fundadores da República americana apelaram a princípios universais [o igual direito de todas as pessoas à vida, liberdade e busca da felicidade] para justificar não um objectivo político universal, mas para justificar um objectivo particular — a luta pela ‘independência nacional de um povo singular’. […] Desta forma, ao mesmo tempo que apelavam a princípios universais que se aplicavam a toda a humanidade, os fundadores da República americana viam isso como perfeitamente compatível com o propósito de estabelecer um regime dedicado a garantir as liberdades dos seus próprios cidadãos e não de toda a humanidade.”

Com esta observação aparentemente muito simples, Marc Plattner, director do Journal of Democracy, com sede em Washington, iniciou uma breve mas profunda reflexão sobre o erro de precipitadamente opor patriotismo e cosmopolitismo, ou nacionalismo e internacionalismo. Há seguramente uma tensão entre eles, argumentou Plattner, mas não uma dicotomia dogmática.

A palestra teve lugar no almoço George Washington, na passada quarta-feira, no âmbito do Estoril Political Forum (em que houve também o almoço Luigi Einaudi e os jantares Winston Churchill, Jan Karski e Konrad Adenauer). Em seguida, um pequeno colóquio promovido pela fundação norte-americana Liberty Fund foi dedicado à análise comparada da revolução americana de 1776 com a revolução inglesa de 1688 e a francesa de 1789.

Não seria possível resumir aqui a vastidão de aspectos e pontos de vista que estiveram em conversação ao longo de toda a semana no Estoril. Mas, ao assinalarmos os 240 anos da independência americana, talvez não seja deslocado recordar a prudência e moderação dos pais fundadores.

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Foram revolucionários, sem dúvida, e bastante: atreveram-se a desafiar e vencer o maior império marítimo da época. Mas não foram revolucionários ardentes. Fizeram aquilo a que Gertrude Himmelfarb chamou uma “revolução relutante”. Diferentemente da revolução francesa, a americana enraizou as suas reivindicações na tradição constitucional britânica da Magna Carta, evitando planos abstractos sem raízes no passado e na experiência acumulada ao longo das gerações. E centrou imediatamente a sua atenção na consolidação de instituições representativas estáveis, em equilíbrio e controlo mútuo, solidamente enraizadas nas populações autóctones e na protecção dos seus modos de vida.

Entre os muitos aspectos dessa prudência encontra-se a sábia combinação dos princípios abstractos e universais da revolução com o enraizamento nacional do novo regime republicano que estavam a fundar.

Marc Plattner recordou que o enraizamento nacional veio a revelar-se inseparável da experiência democrática de auto-governo. “Formas de governo não fundadas no consentimento dos cidadãos podem viver sem o sentimento nacional, mas a democracia não pode. Apesar dos perigos inerentes às formas malévolas de nacionalismo, o sentimento nacional fornece a coesão necessária para que um povo possa auto-governar-se.”

“O que é que estas breves reflexões sugerem relativamente à situação em que vivemos actualmente?” — perguntou Plattner no final da sua intervenção. A resposta merece ser ponderada por todos os que valorizam a liberdade ordeira e a democracia representativa:

“Não há dúvida de que muito do ressurgimento nacionalista a que assistimos hoje reveste aspectos muito condenáveis. Mas penso que seria um grave erro tentar contrariar estas tendências através da simples demonização do nacionalismo. Penso mesmo que uma das fontes da emergência dos aspectos condenáveis do nacionalismo reside no facto de líderes políticos e intelectuais terem tido tendência a menosprezar os sentimentos populares de patriotismo e orgulho nacional. Uma democracia não pode ser saudável se os seus cidadãos não partilharem sentimentos de patriotismo e de orgulho nacional. As legítimas preocupações com os excessos malévolos do nacionalismo não devem impedir-nos de ver esse facto.”