Já um dos fundadores da antropologia, James Frazer, era dado a crer num «pensamento mágico» próprio dos «primitivos». Lévi-Strauss escreveu mesmo um clássico intitulado O pensamento selvagem (1962). Mais recentemente, o filósofo Jacques Bouveresse viu-se porém na necessidade de recordar que, sendo certo que os «primitivos» rufavam tambores com o aparente objectivo de fazer chover, a verdade é que nunca deixaram de lançar as sementes à terra antes disso, enquanto os seus sucessores foram substituindo os rituais da chuva por canais de irrigação…
Por outras palavras, temo que a campanha de afectos posta a circular pelo novo PR não surta muito mais efeito do que o pensamento mágico atribuído aos «primitivos». A prova reside nos rituais afectivos multiplicados pelos actuais responsáveis políticos portugueses a propósito da banca portuguesa, cuja situação faz pensar no «queijo Gruyère» a que já aludi.
Sou dos que acham que não é preciso ser «esquerdista» para acreditar que o dinheiro não tem cor. Mas perante o rufar dos tambores pergunto-me se o capital não terá afinal uma cor mais bonita se for angolano, brasileiro ou chinês – e não espanhol? Será que o primeiro-ministro e o PR acreditam deveras que é pedinchando à representante dos interesses angolanos, – hoje bastante tremidos por sinal, como é frequente suceder com regimes autocráticos, – que esses dúbios interesses viriam conferir à banca nacional a solidez apregoada pelos actuais responsáveis políticos? Só com rituais da chuva? Sem barragens nem canais de irrigação?
E eu a julgar que os capitais não tinham pátria… Mas afinal parece que têm, desde que reparei num desses cartazes que o BE expõe na Praça de Espanha, espalhando durante algum tempo a ideia de que, se ninguém quer comprar o Novo Banco, por que não o governo nacionalizá-lo? Só se for para juntar à Caixa Geral de Depósitos com as suas dívidas atrasadas ao Estado, isto é, a nós contribuintes. E sempre que a insuficiência financeira dos bancos portugueses se manifesta, o soberanismo volta também à superfície, sob a qual esse patrioteirismo de fachada continua a ocultar-se desde a extrema-direita à extrema-esquerda, para pedir a nacionalização da banca ou, no mínimo, o rateio supervisionado pelo governo entre os candidatos que surjam.
A nacionalização da banca é, desde o 25 de Abril, uma das reivindicações básicas do PCP. Isso corresponde, obviamente, à apropriação dos meios financeiros do país, através do Estado, pelos partidos no poder e os seus clientes favoritos. Inversamente, uma banca genuinamente privada e, ao mesmo tempo, regulamentada pelo BCE asseguram, em princípio, que o dinheiro não tem cor nem afilhados, garantindo quanto possível estar ao serviço da produtividade económica e não da dominação política. É por isto mesmo que o PCP quer que Portugal saia da zona euro. A falência do sistema financeiro seria o caminho mais rápido para voltarmos ao escudo e a uma economia fechada, onde partidos como aqueles que apoiam o governo se sentem como peixe na água. Quanto ao actual PS, não vai tão longe como o PCP e o BE mas, sem surpresa, pretende de novo a colocar os seus favoritos nos bancos, como fez Sócrates, agravando as dificuldades da banca e obrigando o contribuinte pagar as perdas no fim.
Perante este cenário dantesco que muitos não querem ver, o BCE não só exige rácios cada vez mais rigorosos como pretende obrigar a reduzir drasticamente o empate de capital dos bancos europeus em operações duvidosas como as angolanas, conforme sucedeu com o crédito de má memória alegadamente devido pelo Estado angolano ao BES e nunca pago! Ou já todos se esqueceram disso? Como em breve será esquecida a repressão política sistemática em Angola?
Ainda no fim de semana passado o Expresso, veículo privilegiado para este tipo de informações, anunciava como iminente o negócio do BPI e, na sua decorrência, a entrada de Angola no BCP garantida pelo primeiro-ministro. Entretanto, um porta-voz do PS como o deputado Galamba espalhava boatos graves sobre o dito BPI. Seria vingança contra o «aguenta, aguenta» do banqueiro Ulrich? E neste preciso momento, nenhum órgão de comunicação social se atreve a informar sobre o que se estará a passar…
Parece confirmar-se, pois, que são vãs as danças da chuva empreendidas pelo primeiro-ministro acerca da consolidação da banca portuguesa! Pelo seu lado, o inopinado convite do PR ao presidente do Banco Central Europeu e ao governador do Banco de Portugal será porventura uma boa operação mediática, mas não deixa de ser mais um desses rituais da chuva com que se pretende fazer crescer batatas sem previamente as semear… O pensamento mágico está de volta!
Como haviam Draghi e Carlos Costa de recusar um convite tão afectuoso como o do PR? Para dizer o quê? Obviamente, não são ingénuos ao ponto de virem explicar tim-tim-por-tim-tim aos conselheiros os porquês das regras do BCE nem as fragilidades óbvias da banca portuguesa, bem como, já agora, do orçamento para 2016. Educadamente, os convidados farão aquilo que deles se espera, a saber, confirmarão com sorrisos, como quem rufa os tambores da chuva, que tudo vai pelo melhor no país dos bancos… até uma eventual falência quando os visitantes voltarem para casa e nos mandarem a conta para pagar!