Estou no Porto e acabo de sair da casa que foi recuperada em tempo record para acolher uma família de refugiados. Falo de uma casa devoluta, que estava uma ruína, mas graças à boa vontade de uma enorme comunidade educativa, está impecável, acolhedora, luminosa e … linda. Muito comovente. Comove tudo: a rapidez, a generosidade, o profissionalismo de todos, desde os fornecedores e construtores aos electricistas, passando pela Comissão de Mães que agora está a tratar dos móveis, camas, cortinas, roupas e decoração essencial, mas acima de tudo comove a humanidade com que cada um arregaçou as mangas e deitou mãos à obra para que a casa ficasse pronta sem demoras.

Esta é apenas uma das dezenas de casas que os parceiros da Plataforma PAR estão a preparar em todo o país para acolher famílias de refugiados. A casa da Rua Nova de São Crispim, no Porto, pertence ao Externato das Escravas – Congregação das Escravas do Sagrado Coração de Jesus – e quem me abriu a porta foi a Irmã Irene Guia, uma das muitas pessoas activas na PAR. Irene Guia, freira sem hábito, é a imagem viva da bondade e da alegria. Fala com entusiasmo, mostra os quartos e a sala, mais o pátio e a cozinha com braços de abraçar e põe em tudo um sentido de urgência. Sabe do que fala, porque passou 4 anos seguidos em campos de refugiados no Ruanda e na República Democrática do Congo, onde viveu com pessoas como nós, mas que ao contrário de nós deixaram de ter lugar no mundo. Pessoas inocentes que as guerras, genocídios e demais atrocidades obrigaram a fugir. No Congo, como agora nas fronteiras da Síria, Líbano e Iraque, vivem milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade extrema. Dos 4 milhões de sírios que foram obrigados a fugir, milhões deles permanecem nos inúmeros campos de refugiados junto às fronteiras por serem pessoas que não podem ir mais longe. Famílias rasgadas ao meio, filhos violados em frente dos pais, pais torturados que muitas vezes acabam por ser mortos em frente dos filhos, crianças e velhos diariamente usados como alvos de guerra, estrategicamente usados para perpetuar conflitos que não lhes dizem respeito. Pessoas, insisto, como nós e as nossas famílias.

Saí desta casa PAR com a mesma urgência que senti nas palavras e gestos da Irene Guia, que neste último mês se tem dividido em reuniões de emergência e multiplicado em contactos resgatadores para que tudo esteja pronto a tempo e horas de receber as famílias que estão a caminho e já deviam ter chegado. A União Europeia assumiu o compromisso de receber 160 mil refugiados (fora aqueles que cada país, à margem da UE se dispôs a receber), mas o tempo passa e apenas 86 destas 160 mil pessoas foram recolocadas em toda a União Europeia. Não se percebe porque é que enquanto uns anseiam desesperadamente poder chegar a um lugar seguro, outros esperam ansiosa e demoradamente poder acolhê-los. Pergunto-me porque demora tudo sempre tanto? Portugal vai receber 4.500 refugiados, mas ninguém se assuste, pois falamos de cerca de um refugiado por freguesia, se subtrairmos a esse número as 450 pessoas que já têm hoje acolhimento assegurado nas 68 instituições anfitriãs mobilizadas pela Plataforma PAR e que já a partir do próximo dia 9 passarão a ser 88! É importante sublinhar que todas as famílias recolocadas pela Plataforma PAR serão acolhidas segundo critérios profundamente humanos. A saber: viverão em alojamentos autónomos, terão asseguradas a alimentação, a educação, a saúde, a aprendizagem da língua portuguesa e o acesso ao mercado de trabalho. Não se trata de lhes garantir emprego, mas de os incluir nas redes de procura activa de trabalho (é importante esta nota, para que os mais críticos mais uma vez não se assustem e gritem contra o acolhimento aos refugiados). Confesso que toda esta realidade me deixa cheia de interrogações, porque se por um lado os cidadãos e instituições anfitriãs respondem com extraordinária prontidão, por outro as entidades oficiais revelam uma enorme lentidão. Porquê? E para quê atrasar um processo de acolhimento que só nos rehumaniza?

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