O Fórum de Políticas Públicas, realizado esta semana no ISCTE, acusou o governo de “aplicar políticas de direita”. Segundo as notícias, discutiu-se sobretudo a execução do “memorando”. É sem qualquer dúvida um ponto importante, mas não é o que me interessa aqui. O ponto relevante tem a ver com a cultura democrática de muitos dos participantes no Fórum, e o modo como avaliam a legitimidade da “direita” em Portugal.

Há uma frase notável de Pedro Adão e Silva: O memorando de entendimento permitiu ao governo “implementar políticas que de outra forma não teria sido capaz porque encontraria pontos de veto políticos, sociais e institucionais.” As políticas implementadas foram, obviamente, políticas de “direita”. Ou seja, o que Pedro Adão e Silva está a dizer é o seguinte: o sistema democrático português estava organizado, até à vinda da “troika” para impedir políticas de direita. A Constituição, “o Tribunal Constitucional, os parceiros sociais, os partidos políticos, a Presidência da República” foram desenhados para impedir as políticas de direita implementadas por este governo. Em Portugal, até 2011, podia-se a governar mais à esquerda, menos à esquerda, mas sempre à esquerda. Este raciocínio extraordinário permite várias leituras.

A primeira é óbvia. O Fórum está certo. Desde 1974 até este Governo, Portugal nunca teve um governo de direita. Qual foi o resultado? Três falências do Estado e três intervenções externas. As duas primeiras do FMI e a terceira da “troika”. Quando se governa mais ou menos à esquerda, o país necessita de ajudas financeiras externas. Quando, por fim, se governa à direita, a intervenção externa acaba. Eu que sou de direita confesso que sou mais moderado que os participantes no Fórum. Estou disposto a aceitar que os partidos de centro-direita em Portugal também tiveram algumas culpas nas políticas que levaram à falência de 2011. Mas os elementos do Fórum dizem que não. A responsabilidade foi inteiramente dos governos mais ou menos à esquerda e do sistema que impediu sempre executivos de direita como o actual. Estou disposto a concordar com o Fórum.

A segunda leitura aponta para a dificuldade que os elementos do Fórum têm em lidar com o pluralismo político. Eles não aceitam que em Portugal possa haver um governo de direita com políticas de direita. Em Portugal, só pode haver dois tipos de governos: os de esquerda e os supostamente de direita, mas com políticas de esquerda. Aliás, segundo o Fórum a esquerda tem inteira legitimidade para definir o que é aceitável por parte de um governo de direita. Freitas do Amaral aparentemente proferiu uma frase extraordinária: “esta não é a direita de 1975.” Não é de certeza, e ainda bem. Não é uma direita educada no Portugal do Estado Novo – e nas escolas de excelência do regime. Nem é uma direita que deixa a esquerda definir como se pode ser de direita.

No fundo o Fórum acha que Portugal deve ter partidos de extrema-esquerda (mais aceitáveis que os de direita), partidos de esquerda e partidos de centro-esquerda. De direita, nunca. Dito de outro modo, 15 anos depois do inicio do século XXI, Portugal seria um caso único na União Europeia. O único país onde os partidos de direita não seriam legítimos. Como o Fórum sabe muito bem, a direita que está no poder em Portugal não é diferente das direitas espanhola, francesa, alemã, holandesa, sueca, britânica, irlandesa, polaca e por aí fora. O Fórum gostaria de um país com um consenso ideológico que condicionasse todos os governos a seguir mais ou menos políticas socialistas. Está na altura de entenderem que esse mundo chegou ao fim. E só por isso – o que não é pouco – a contribuição deste governo para o pluralismo político da democracia portuguesa será histórico.

Há uma última leitura. Os participantes do Fórum ainda não perceberam que em Portugal já não basta acusar alguém, ou um partido, ou um governo por ser de “direita.” Não só a direita deixou de assustar, como a esquerda deixou de tranquilizar. A competição está mais aberta e mais difícil. Já não basta exibir a boa consciência da esquerda e acusar o “egoísmo” da direita para ganhar eleições. Será necessário conquistar a confiança dos portugueses e convencê-los que um governo de esquerda será melhor para a economia do que um governo de direita. Daqui até Outubro, os participantes do Fórum vão perceber bem o que isto significa.

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