O cidadão José Sócrates, secretário-geral do Partido Socialista entre 2004 e 2011 e primeiro-ministro de Portugal entre 2005 e 2011, encontra-se preso preventivamente e indiciado pelos crimes de corrupção activa por titular de cargo político, de corrupção activa, de corrupção passiva para acto ilícito, de corrupção passiva para acto lícito, de branqueamento de capitais, de fraude fiscal e de fraude fiscal qualificada.

Relativamente à dimensão judicial do caso, abster-me-ei de tecer mais comentários além de reafirmar o óbvio: como qualquer outro cidadão em situação equivalente, Sócrates goza do direito à presunção de inocência. Sobre o que essa presunção implica (e não implica), recomendo a leitura deste excelente texto de Rodrigo Adão da Fonseca.

Já no plano da análise política, parece-me importante recordar neste momento as acções relativamente às quais podemos afirmar, com segurança, que Sócrates é efectivamente culpado. Para o efeito, socorrer-me-ei da oportuna síntese elaborada por Carlos Guimarães Pinto:

“Sócrates é culpado de ter deixado o país à beira do colapso financeiro. Sócrates é culpado pelos défices do seu governo: pelos défices reportados e pelo que escondeu. Sócrates é culpado de durante o período de expansão internacional não ter preparado o país para uma crise. Sócrates é culpado de, com o precipício à frente, não ter tido a hombridade de chamar a troika mais cedo, desperdiçando centenas de milhões de euros ao país e depletado as suas reservas. Sócrates é culpado de ter usado a justiça para amedrontar jornalistas e feito outros sentirem-se ameaçados por ela. Sócrates é culpado de ter desperdiçado dinheiro dos outros em investimentos desnecessários e fúteis. Sócrates é culpado de ter deixado a conta das PPPs para o país pagar a partir de 2014. Sócrates é culpado de nunca ter assumido as suas culpas, contribuindo para deixar um partido de governo susceptível de cometer os mesmos erros no futuro.”

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Aconteça o que acontecer no plano judicial, a culpa de Sócrates nos domínios políticos atrás referidos em nada será alterada.

É importante relembrar também que os desenvolvimentos judiciais dos últimos tempos não fazem com que Sócrates deixe de ser um dos mais carismáticos e marcantes políticos da democracia portuguesa, particularmente no que diz respeito ao PS. Se Mário Soares foi o mais marcante e emblemático político socialista das duas primeiras décadas pós revolução de 25 de Abril de 1974, o mesmo pode ser dito sobre José Sócrates relativamente às duas décadas subsequentes. O extraordinário carisma de Sócrates, juntamente com as suas apuradas qualidades de comunicação, explicam aliás em boa parte as reacções extremadas – de amor e ódio – que suscita.

Não é de agora Sócrates e sua conduta geram discussões e polémicas intensas e não é de esperar que tal deixe de acontecer nos tempos mais próximos. Entre o vastíssimo leque de exemplos possíveis, basta recordar três das mais salientes relações tumultuosas, nas quais o próprio Sócrates assumiu uma postura abertamente agressiva: no âmbito da televisão, com Manuela Moura Guedes, no da imprensa, com José Manuel Fernandes, no da blogosfera, com António Balbino Caldeira. Não obstante os extremos atingidos nestes casos, Sócrates foi – e continua a ser – extremamente eficaz nas suas relações com a comunicação social, como evidencia o verdadeiro exército de comentadores e jornalistas que prontamente se apresentou em sua defesa após a detenção.

Foi em larga medida o peso do socratismo na comunicação social que minou desde o início – e acabou por aniquilar – a liderança de António José Seguro, um facto que António Costa não se pode dar ao luxo de ignorar e que certamente não deixará de continuar a pesar no futuro do PS, seja qual for o desfecho judicial do caso Sócrates. A muito prudente e sensata reacção inicial de Costa – pedindo aos militantes que não confundam a detenção de Sócrates com o PS – é louvável e marca um notável progresso face às reacções ao caso Casa Pia em 2003, mas será extremamente difícil a qualquer liderança do PS libertar-se do peso político, mediático e institucional de José Sócrates.

Independentemente do que se venha a passar no Congresso do PS, a figura de Sócrates pairará a todo o momento sobre o evento e sobre o futuro do próprio partido.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa