Ainda não estão suficientemente confusos? Há dois anos, a nossa oligarquia fez o favor de explicar que íamos passar a ser regidos em alternância por dois blocos, um da esquerda e outro da direita. Acabara o “arco da governação”, caíra o “muro”, terminara a “exclusão” dos comunistas e da extrema-esquerda, todos os votos iam contar: de um lado, o PS com o PCP e o BE, para estatizar; do outro, o PSD e o CDS, para liberalizar. Tudo muito simples e nítido. Até que, há um par de semanas, Rui Rio se lembrou de avisar que em 2019, perdidas as eleições, o seu PSD concorreria com o PCP e o BE na tarefa de proporcionar aos ex-ministros de Sócrates os confortos do poder.
Será assim, não será assim? A verdade é que, de repente, voltou a falar-se de consensos, ou melhor, dos velhos consensos do “arco da governação”. Apareceram socialistas cheios de expectativas sobre o novo PSD. O presidente da república deu-se ao incómodo de apontar matérias de entendimento, logo tratadas como a lista da futura reconciliação do PS com o PSD e o CDS. Na prática, deram-nos a entender que os arranjos de Costa com o PCP e o BE tinham, afinal, sido apenas incidentais, um expediente ocasional para ser esquecido em 2019. O regime assenta na integração europeia, e como tal depende necessariamente de compromissos entre PS, PSD e CDS – os partidos europeístas, os únicos que governaram juntos desde 1976. Tudo como dantes? Parecia ser assim, até Costa vir dizer que não, que está muito bem com os seus parceiros parlamentares e não precisa de outros.
Os parceiros, porém, não se mostraram tão seguros. Há dois anos que PCP e BE recusam ao governo a condecoração mítica de “governo de esquerda”, nunca mais atribuída desde Agosto de 1975. Agora, depois da garantia de Rio a Costa, ei-los a avisar para a iminência de um “Bloco Central”. Acontece, porém, que nunca houve governo entre socialistas e partidos à sua direita sem uma situação de emergência. A coligação do PS com o CDS em 1978 foi determinada pelo FMI, tal como a coligação do PS com o PSD em 1983. Que nos estão ao certo a dizer Catarina Martins e Jerónimo de Sousa? Que a actual prosperidade não vai durar, e que, logo que acabe, caso o PS queira continuar a governar, mudará de parceiros? Que afinal o realinhamento parlamentar foi mesmo só um arranjo efémero para distribuir os frutos do ajustamento de Passos Coelho e da conjuntura europeia?
Baralhados? Mas isto é o que se podia ter previsto em 2015, quando Costa, para salvar a carreira, rompeu o “arco da governação” e atropelou a “regra” do partido mais votado, que tornavam o regime previsível. Bastou Passos Coelho sair, para o resultado ficar à vista: uma confusão política, em que os partidos tendem a misturar-se num crepúsculo indistinto. O regime ameaça imitar a velha III República Francesa, onde toda a gente se aliava a toda a gente, em jogadas parlamentares incompreensível para a maioria dos cidadãos. Chegámos à hora decadente em que todos os gatos políticos serão pardos.
Para se atingir essa perfeição, falta um passo: é que o PSD, para além da abertura ao PS, tenha também abertura, por exemplo, ao BE. Bem sei que a ideia de Rio é convidar a oligarquia a tratar o PCP e o BE como tratou Passos Coelho, no sentido de o seu afastamento justificar até “alianças com o diabo”. Mas porque não, em vez disso, namorar o BE? Para o PSD e o CDS, teria a vantagem de os dispensar da necessidade de, para governar, arranjar maioria absoluta. Ao BE, daria meios para pressionar o PS (neste momento, ou apoia o PS, ou regressa ao gueto). Dir-me-ão: e a ideologia? Mas isso ainda importa? Até agora, não tem impedido BE e PCP de votarem os orçamentos da Comissão Europeia. E os aumentos dos funcionários, se houver dinheiro, também o PSD os poderá fazer, como já fez quando era “social democrata” (isto é, quando governou com dinheiro). Pense nisso, Dr. Rio. Proponha um encontro a Catarina Martins. Todos unidos, até à confusão final.