1. Na televisão, Costa, declara que vivemos agora num clima de paz social e de normalidade institucional. Ao ouvi-lo, a pergunta torna-se-me óbvia: quando esta negociata terminar como vai ser governar Portugal? Ou por outras palavras, quanto nos vão pedir pela paz?
Andamos há meses a falar de uma geringonça mas o que temos vivido nos últimos meses nada tem de desajeitado. Pelo contrário, somos protagonistas e financiadores, enquanto contribuintes, de uma tenaz estratégia de sobrevivência entre políticos profissionais – António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins – e uma eficaz funcionária política, Heloísa Apolónia. Cada um deles não sabe fazer outra coisa senão trabalhar na política. Cada um deles só pode crescer à custa dos outros. No fim todos esperam roubar votos ao PS e o PS espera reduzi-los senão a todos pelos menos ao PCP à condição de dispensável.
Sob a retórica do combate à austeridade, os partidos socialistas caíram nas mãos dos radicais – os Trabalhistas ingleses foram tomados por grupos extremistas. Já os socialistas espanhóis tiveram de chamar a polícia para enfrentar os seus aliados do Podemos e quejandos que, tendo-se coligado com eles no poder local, não lhes perdoavam que a nível nacional viabilizassem um governo dos populares. Em França, o pós-Hollande adivinha-se complicadíssimo para os socialistas (já agora, que estranho fenómeno levará a que impere em Portugal um silêncio espesso e um manto de invisibilidade total sobre as manifestações que os polícias, sim os polícias, estão a realizar noite após noite naquele país?)
Por cá, Costa tenta conquistar os radicais. Como? Aglutinando. Afinal a retórica atabalhoada de Costa não é um problema de oratória e sobretudo não é um problema. É sim um reflexo da sua forma de agir: acredita que pode aglutinar adversários tal como come sílabas. Até quando o conseguirá fazer? Até que tenha algo para dar aos adversários. António Costa é um comprador de paz e tanto o BE como o PCP têm muita paz para vender. No fim ganham todos: o primeiro-ministro garante que vivemos em paz enquanto o PCP e o BE vêem o seu poder e os seus proveitos a crescer. Todas as semanas notícias várias dão conta deste instalanço: é a Autoridade para as Condições do Trabalho que vai passar a poder cruzar os dados da administração fiscal com os da Segurança Social. É a marcação cerrada à Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) que teve o pecado original de ser dirigida por um segurista. É o metro de Lisboa que nem bilhetes consegue imprimir mas que repõe “direitos”…
Como que num reflexo automático, artistas, activistas, vanguardas, indignados profissionais, sindicalistas, corporações, bispos vermelhos e especialistas nos males do mundo (capitalista, claro) calaram-se. Vasco Lourenço e Otelo também parecem ter desistido de organizar aquele não sei quê que queriam fazer não sei onde nem se sabe bem porquê.
A fome tornou-se desequilíbrio alimentar. Não se nasce em ambulâncias, nem se fazem cordões humanos, nas escolas não acontece nada, mesmo quando acontece muita coisa, os manifestantes profissionais tiraram férias… Mas podem voltar a qualquer momento. Como voltaram os taxistas, apesar dos 17 milhões prometidos para o sector.
O negócio da paz tem feito a fortuna de Costa, que parece governar sem críticas e funciona como conta-poupança para o BE e o PCP que por cada dia de paz deixam marcas nas leis e no aparelho de Estado. Mas e depois? Como vai ser quando tudo isto acabar? O preço da paz de Costa vai chegar então nos acordos de trabalho blindados nas empresas públicas, nas leis anacrónicas, nos garantismos que ninguém poderá pagar.
Pior que ter de ouvir Costa a dizer-nos agora que vivemos num clima de paz social e de normalidade institucional, como se não soubesse quão caro isso nos está a custar, vai ser ver montar o arraial da indignação aos profissionais do costume, dizendo as coisas do costume. Afinal a única coisa que muda neste filme são os impostos que os parvos do costume têm de pagar para que não falte nada aos compradores-vendedores de paz.
2. Alegando que ia proteger os inquilinos, o governo de Costa rasgou o compromisso que definia o ano de 2017 como aquele a partir do qual o Estado pagaria aos inquilinos idosos ou deficientes os aumentos das rendas que, para os contratos anteriores a 1990, seriam descongeladas nesse ano.
Por outras palavras, a dita protecção dos inquilinos foi conseguida transferindo mais uma vez o ónus da questão para os senhorios que viram o descongelamento desses contratos ser adiado para 2022.
Esta semana chegou mais uma novidade: o PS vai apresentar uma proposta de alteração ao diploma do subsídio de renda no sentido de permitir que este, sempre que estejam em causa os contratos de rendas anteriores a 1990, passe a aplicar-se, não só a inquilinos com carências financeiras, mas também aos senhorios pobres.
Face ao imbróglio suscitado por esta proposta – por exemplo, os senhorios que não sejam considerados pobres alguma vez poderão actualizar as rendas antigas? – o melhor será, na minha opinião, o PS assumir de vez o seu o seu projecto de engenharia social através do arrendamento. Como? Contratando uma empresa de mudanças de casa que ponha cada inquilino na casa do senhorio certo.
Repare-se no seguinte: se os inquilinos pobres habitarem casas de senhorios ricos ficam isentos de aumento de renda pois, como se sabe, os senhorios ricos não podem aumentar as rendas aos inquilinos pobres. Também há a possibilidade de afectar senhorios pobres a inquilinos pobres pois, irmanados na pobreza, nem o senhorio pobre aumenta a renda nem o inquilino pobre pede obras. Por fim sobram os inquilinos ricos que obviamente só podem ter senhorios igualmente ricos mas sendo todos ricos não faz sentido que se mexa nas rendas. Como se vê, é simples, no fim ninguém pode aumentar ninguém e o Governo pode dizer que protege todos, ricos e pobres. E, acreditem, em matéria de arrendamento ainda vamos ver outras bem mais parvas.