António José Seguro acusou-o de ter estado “à janela da câmara” nos últimos três anos. António Costa não gostou. Mas só porque o adversário não se deve ter lembrado dos discursos que o autarca tem feito nos últimos três anos a partir dos Paços do Concelho, em Lisboa. Este domingo, Costa vai pela primeira vez fazer o discurso do 5 de outubro enquanto candidato oficial do PS a primeiro-ministro, mas nos últimos anos já aproveitou o palco mediático para se opor à política de Passos Coelho.

A ocasião joga a favor do (ainda) autarca candidato a primeiro-ministro: a cerimónia é feita em casa e lá só quem discursa é ele e o Presidente da República. O primeiro-ministro mais não poderá fazer que ouvir e não responder. E será mesmo a primeira vez que os dois se vão encontrar em público já com António Costa como candidato do PS às legislativas.

Das outras três vezes, Passos Coelho não terá ficado agradado com o que ouviu. Se em 2011, acabado de eleger, ainda ouvia de Costa um discurso contido, em 2012 e 2013, o autarca de Lisboa jogou ao ataque e quis fazer a oposição aguerrida que dizia faltar em António José Seguro.

A 5 de outubro de 2011, Costa começava por defender o passado a falar para o futuro. Com o ano escolar a arrancar, condenava o “corte cego na educação” do Governo de Passos Coelho por ser um “corte no essencial”. A Educação foi um dos temas centrais do discurso de José Sócrates e Costa lembrava que o investimento era o caminho a seguir porque a Educação “constitui um eixo fundamental de uma verdadeira política de igualdade de oportunidades”. Em frente a Passos Coelho, dizia: “O investimento na Educação é o exemplo de um investimento virtuoso que não deve parar porque isso representaria um retrocesso, com custos elevadíssimos para o nosso país”.

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Ma este seria até o mais contido dos discursos de António Costa enquanto presidente da Câmara de Lisboa, nas comemorações oficiais do 5 de outubro. Um ano depois, até repetiu por três vezes a expressão “coesão nacional”. Mas no sentido crítico: que o Governo devia reforçar essa “coesão nacional de que, sobretudo nos momentos de crise, tanto necessitamos”.

O enquadramento: era o último 5 de outubro enquanto feriado oficial e Costa até prometeu que a Câmara Municipal ia continuar a comemorar os feriados que iriam ser extintos a partir de 2013. Primeira declaração contra uma política de Passos Coelho. Mas nesse discurso iriam aparecer mais.

O ataque mais forte acabou por ficar perdido na polémica da bandeira nacional de pernas para o ar, mas começava logo por negar a “narrativa” do Governo: a de que a crise é sobretudo nacional e é consequência de governos anteriores, sobretudo de José Sócrates. Disse Costa que “embora com aspetos próprios a cada país, [a crise] tem natureza internacional e sobretudo europeia, com graves consequências em tos os países, muito em especial Portugal”.

“Esta crise não foi provocada por qualquer povo, deste ou daquele país, que agora mereça expiar a sua falta e ser apontado à reprovação universal”, disse. Considerando que ouvir de “alguns responsáveis políticos” que “aquele povo merece uma punição exemplar” era até “injusto e mesmo chocante”.

Estava feita para Costa a demarcação da austeridade como solução. Dizia o autarca que “a solução internacional e europeia não se pode limitar a remédios nacional, por mais radicais que sejam”. Costa queria (e quer) mais Europa – queria que Portugal fosse “mais presente e menos ausente, ativo em vez de passivo” – ao passo que admitia que defender isto não é querer “que os outros resolverão por nós a crise que nos atinge”.

E foi nesse ponto que insistiu grande parte do discurso dizendo que Portugal não se devia remeter apenas ao estatuto “de bom aluno, obediente e cumpridor” a que alguns “mediocremente e com incompreensível orgulho nos querem condenar”, nem tão pouco que o país continuasse numa “obediência acrítica e passividade conformada”.

O intensificar do tom do discurso fazia prever o que acabou por acontecer. À época, Costa já criticava a liderança de António José Seguro, o que culminou com o acordo de Coimbra quatro meses mais tarde, que selava a unidade do partido entre as duas alas. E a posição mais destacada contra o Governo mostrava ao líder socialista o que a ala costista (e também socrática) queria que o líder fizesse: defender os temas do passado, ser mais agressivo contra as políticas de Passos Coelho e levantar bandeiras do partido. “O futuro não está no regresso à economia dos baixos salários, de contrafação, da evasão fiscal, da desvalorização do escudo e da exploração do trabalho infantil”, disse na altura e repetiu mais tarde estes temas, já na campanha para as eleições primárias do PS.

Chegou 2013 e o contexto político dava a Costa conteúdo para ecoar nos Paços do Concelho: os chumbos do Tribunal Constitucional aos cortes nos subsídios dos funcionários públicos faziam mossa e os rendimentos tinham que ser repostos a dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2014.

E foi com este contexto (e depois da mais grave crise da coligação) que António Costa apareceu a falar das regras da democracia.

“Não podemos vencer este impasse secundarizando a democracia e as suas regras. Pelo contrário, devemos usar a democracia como referência e argumentos para, em sua defesa, nos unirmos e mobilizarmos”, disse. Caso contrário, rematou, “seria contraproducente e teria consequências desastrosas“.

Continuava dizendo que “infelizmente” muitas vezes ouve dizer que “a crise exige que regras fundamentais da democracia e do estado de Direito sejam ignoradas ou postergadas, em nome de objetivos imediatos ou sob pressão dos acontecimentos, numa espécie de ‘vale tudo’ político, que assim se soma ao ‘vale tudo’ financeiro e económico que nos levou à situação em que estamos”.

O nome Tribunal Constitucional nunca esteve lá. A palavra “Governo” também não. Mas o discurso indireto era de fácil leitura.

Para o futuro, ficava novamente a leitura que a estratégia nacional devia ser construída através de “cooperação e diálogo”. Já lá não estava a expressão coesão nacional, mas lembrava que para se ultrapassar a crise era preciso não abdicar dos valores e “recolher amplo apoio parlamentar e social”.

Há três anos que o discurso das comemorações do 5 de outubro, onde tem palco em direto nas televisões e espaço assegurado nos jornais, é para António Costa o espaço de oposição. Este domingo será o primeiro em que o será de facto, mas não será o único. No congresso do LIVRE, no mesmo dia, tem presença assegurada e discurso garantido.