O pessimismo é tramado. A arte de esperar que aconteça sempre o pior. Uns dominam-na mais do que outros. E agora foi Michel Platini a usá-la. O presidente da UEFA estava em Roma, num encontro que juntou ministros do Desporto da União Europeia (UE). E aproveitou a ocasião para pedir ajuda numa luta — contra a presença dos fundos de investimento no futebol. Porquê? Várias razões. Uma delas, disse o francês, está no receio de que em breve haja “pesadelo de jogos combinados”.

Tudo devido à existência da third party ownership — quando os direitos económicos do jogador são detidos por mais que uma entidade. Platini não a aprecia. Mesmo nada. Tão pouco a FIFA, que a 26 de setembro anunciou que ia tomar medidas para banir esta prática do futebol, embora só espera que isso aconteça daqui a três ou quatro anos, como avançou na altura a Folha de São Paulo (isto porque a medida terá sempre um “período de transição”).

E agora Michel Platini quer ver a UE a entrar no barco. Foi essa a mensagem que deixou, ao discursar perante os responsáveis da pasta do Desporto dos 27 países comunitárias, que se reuniram esta terça-feira na capital italiana. “Várias vezes nos últimos anos expressei a minha preocupação sobre imoralidades que acontecem à volta do futebol. E vocês sabem o quão determinado estou em acabar com elas”, começou por dizer o gaulês, de 59 anos.

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No centro da mira do líder da UEFA estão os fundos de investimento — que diz violarem os princípios dos direitos humanos que estiveram na base da fundação da UE. “Este fenómeno mostra um desrespeito flagrante pela dignidade humana, a integridade das nossas competições e até pelo financiamento das bases do desporto”, criticou o dirigente, apelidando a prática, com a qual os fundos ficam a deter percentagens de passes de jogadores, como “terrível” e “sem escrúpulos”.

“A ‘third-party ownership’, sem rodeios, é uma situação na qual um jogador é esculpido em direitor económicos, que são partilhados entre um ou mais fundos de investimento. Os jogadores perdem a liberdade contratual, já que os donos dos seus direitos abusam dos poderes que lhes são confiados e garantem negócios lucrativos à custa dos jogadores, que ficam sem livre-arbítrio” – descrição que Michel Platini apresentou dos passes partilhados com terceiros.

Em Portugal, aliás, qualquer um entre Benfica, FC Porto e Sporting detém hoje jogadores cujos direitos económicos não pertencem por inteiro ao clube. “Antes só se via isto na América do Sul. Agora está a alastrar-se por toda a Europa”, lamentou Michel Platini. Um dos exemplos é a recente divergência entre o Sporting e a Doyen Sports Investment, que alegadamente detinha um terço dos direitos económicos de Marcos Rojo, transferido no início desta época para o Manchester United.

E como seria, sugeriu às tantas Platini, aos ministros que o ouviam, se “um mesmo fundo detivesse os passes de alguns jogadores, em várias equipas, na mesma competição?”. O próprio deu a resposta: “Um pesadelo de jogos combinados podia mostrar a sua cabeça feia.” Para evitar que um cenário destes se concretiza, o presidente da UEFA sublinhou a importância da criação de “uma estrutura legal” que a regule. Caso o sucesso não apareça na luta contra a pegada dos fundos de investimento no futebol, “não será uma derrota só para a UEFA”, mas “para toda a Europa”, defendeu.

No comunicado divulgado pela UEFA, contudo, Michel Platini não especificou como ou de que formas a UE poderia auxiliar a entidade responsável por gerir o futebol europeu.