“Este Governo procura utilizar as mulheres com um certo folclore. Sinto que as escolhe quando há situações difíceis de tapar e para que seja saudado como se esta fosse uma prática inovadora”. É Manuela Tavares da UMAR, União Mulheres Alternativa Resposta, quem o diz a propósito da primeira mulher prestes a assumir a pasta da Administração Interna. Anabela Rodrigues, atual diretora da Faculdade de Direito da Universidade Coimbra e ex-diretora do Centro de Estudos Judiciários, sucede ao ministro demissionário Miguel Macedo a partir desta quarta-feira.

Surpresa ou não, o certo é que diferentes entidades policiais parecem simpatizar com a mudança de género. Tanto César Nogueira, da Associação Profissionais da Guarda, como Paulo Rodrigues, da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, dizem não ver com maus olhos o facto de ser uma mulher que, em breve, vai dirigir o destino das forças de autoridade no país. Em causa está a sensibilidade associada à condição feminina.

“Dizem que as mulheres são mais sensíveis nos problemas que afetam as pessoas. Pode ser que a ministra tenha mais sensibilidade no que à regulação dos horários de serviços dos profissionais diz respeito”, esclarece o primeiro ao Observador. “As polícias estiveram durante muito tempo associadas a uma ideia de pressão e de brutalidade. Achamos que, a partir do momento em que começou a ter mulheres, a PSP passou a ter uma imagem melhor. Há mais sensibilidade no funcionamento da PSP e na relação desta com a sociedade”, acrescenta o segundo.

O tema que há 30 ou 40 anos era considerado tabu tem, atualmente, outra conotação e parece não encontrar resistência entre a população masculina. “Hoje em dia esse paradigma, de ser uma mulher à frente de uma instituição onde a maior parte das pessoas são homens, já não faz sentido. A GNR tem muitas mulheres a comandar centenas de homens“, justifica ainda Virgílio Ministro da Associação Nacional de Agentes da Guarda. Paulo Rodrigues completa a ideia e diz mesmo que eles, homens, já estão habituados a ter uma mulher a mandar: “Dentro da polícia temos muitas comandantes à frente de esquadras e de divisões. Estamos habituados a isso”.

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Mais do que o género, esta é uma questão de habilidade política. “O importante não é o género, mas sim a capacidade de liderar e desempenhar o seu papel”, diz Paulo Rodrigues ao Observador. Também o comissário Henrique Figueiredo, do Sindicato Nacional de Oficiais da Polícia, concorda com a ideia: “Mulher ou homem, isso não vai interferir no desempenho da função. Não creio que a particularidade de ser uma mulher a assumir o cargo seja positivo ou negativo. Será exatamente igual como se tivesse sido escolhido um homem. Não deve haver diferenciação entre homem e mulher”.

As associações sindicais esperam, acima de tudo, decisões em dossiês sensíveis: lei orgânica da PSP, Estatuto Profissional da PSP e horário de trabalho de referência dos militares da GNR.

Apesar da chegada anunciada representar um marco na política portuguesa – é a primeira vez que há uma mulher na pasta da Administração Interna -, a feminista Manuela Tavares não poupa críticas e acusa o Executivo de Passos Coelho de “escamotear” questões pelas quais é responsável, tendo em conta a atual condição feminina. Refere-se, inclusive, às disparidades salariais em contexto de trabalho, entre outras situações precárias que, no geral, “empurram” as mulheres de volta para dentro de casa.

“É mais do que justo haver uma mulher a comandar as forças policiais portuguesas (…) mas o Governo podia ter mais ministras”, continua Manuela Tavares, que dá o exemplo do país vizinho e recua até à administração de José Luis Zapatero para falar em paridade política. “Esta questão de existir uma ministra na Administração Interna pode ser uma novidade em Portugal, mas não noutros países. Não vejo isso como uma surpresa muito grande. Faz parte da democracia”.

Aos 60 anos, a nova ministra da Administração Interna é a primeira mulher no cargo e está prestes a entrar num mundo de homens que, ao que tudo indica, vai recebê-la de braços abertos. Anabela Rodrigues já tinha sido pioneira como a primeira mulher a doutorar-se na Faculdade de Direito de Coimbra e a dirigi-la.