Não é uma mulher convencional, solta por outras palavras o comandante de Suse Franco minutos antes de ela entrar na sala pouco pronta a dar uma entrevista. A chefia diz que a timidez a retrai, mas a mulher que chega, alta e entroncada, esconde qualquer traço de nervosismo. Uma prova simples perante todas aquelas que passou para chegar ao Grupo de Intervenção de Ordem Pública da GNR, onde ainda só chegaram quatro mulheres.
Tem 32 anos. E foi há precisamente dez anos que Suse terminou o curso de paraquedismo e de dobrador de paraquedas em Tancos. Antes concluíra o 12º ano, na zona de Torres Vedras, com a matemática a obrigá-la a repetir o ano. Mas as contas que fazia para a vida acabaram por bater certo. Queria integrar uma força militar e ser uma verdadeira operacional.
Na tropa conheceu o atual marido e foi com ele, num total de 15 militares, que concorreu à GNR – uma das opções de quem termina este tipo de contrato. Os dois passaram as provas e, na hora de concorrer, escolheram a equipa de combate aos fogos, o agora Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro. “Não queria guardar paredes”, desabafa, dando a entender que a possibilidade de fazer segurança a instalações estava completamente posta de parte. Foram dois anos e meio em Pombal, sempre com o agora marido ao lado. “Ninguém percebe que somos um casal”, diz. Ainda hoje.
Quando lhe perguntam se já sentiu medo ou sofreu algum susto, Suse nega com a cabeça imediatamente. Depois, puxa pela memória e só se lembra daquele dia em que, num combate a um fogo, o helicóptero em que seguia quase esbarrou num cabo de média tensão. Ou do dia em que, também dentro da aeronave, começou a ver as chamas escalar até às janelas. Era afinal um batedor (ferramenta usada no combate) que trazia vestígios das brasas e que começara a arder.
Em 2010 a agora Cabo Franco queria mais. E assim que abriu concurso para o Grupo de Intervenção de Ordem Pública (GIOP) concorreu. O marido também. Sabia que eram muito poucas as mulheres que conseguiam ali entrar, não só pelas características do serviço como pela exigência dos testes físicos. Poucas são as congéneres europeias que têm mulheres nas suas forças. Há um truque simples para que falhem as provas: fazê-las arrastar uma possível vítima ao longo de vários metros.
A cabo Franco não teria dificuldade. Treinou ao lado do marido e os dois chegaram aos testes com uma preparação física que lhes permitiu entrar. Com ela, afirma, foram “se calhar mais exigentes”. “Parece que puxam mais por nós”. Suse Franco é apenas uma das quatro mulheres que presta serviço no GIOP – instalado no quartel da Estefânia. Uma mudou-se, entretanto, para a investigação criminal. Ou seja, três mulheres num universo de 370 militares.
Segundo dados do Comando Geral da GNR, só em 2008 começaram a concorrer mulheres a este serviço. E os números falam por si: em oito cursos abertos, desde 2008 até agora, participaram quatro mulheres e 197 homens. Não houve mais mulheres a concorrer. “É um ambiente de caserna, de muitos homens. Quem lá entra tem de entrar de forma triunfal. E, por vezes, os instrutores testam estas mulheres mais que os homens”, admite o capitão Silva, agora nas Relações Públicas mas com carreira no GIOP. São, aliás, este tipo de questões que várias militares colocam à cabo Franco. “Os testes são assim tão difíceis? E tratam-te bem?”.
“Nunca me senti discriminada, sempre estive de igual para igual com os meus camaradas”, diz.
Só sentiu uns olhares mais estranhos em “serviços fora”. A cada vez que se desloca em serviço a um posto territorial sabe que, assim que tira o capacete, há olhares “estranhos”. “Surpreendem-se por ser uma mulher”, conta. Também o seu comandante mais direto, o sargento-ajudante Nuno Carneiro, ficou “reticente” quando a conheceu numa missão em Timor. Nunca tinha trabalhado com uma mulher na ordem pública.
“Surpreendeu-me profissionalmente, tecnicamente e fisicamente”, diz ao Observador o sargento-ajudante Nuno Carneiro.
Se dúvidas houvesse, a possibilidade de ter uma mulher para poder revistar suspeitas (também mulheres) em operações era por si só uma mais-valia. Mas a força de Suse convenceu-o de que ela era, de facto, mais um militar com quem podia contar. Tanto que, reconhece, por vezes os militares têm “conversas de homens” entre eles e até se esquecem que está presente uma mulher.
Mas se as candidaturas femininas ao GIOP escasseiam, as razões não esbatem apenas no receio. O sargento-ajudante reconhece que o serviço de ordem pública é “exigente” e difícil para quem quer ser mãe, por exemplo.
“Passamos o verão fora a reforçar zonas balneares, a qualquer momento podemos ser chamados a reforçar um posto. Não é fácil”, admite.
Suse Franco sabe que, se um dia quiser alargar a família, terá que mudar de serviço. Uma mudança que trará diferenças ao guarda Honório, um dos cinco homens que a cabo Suse Franco chefia. “Não desfazendo dos outros, a chefe Franco é a melhor chefe que já tive”.
Também ele já percebeu a surpresa de outros militares da GNR quando a veem sair da carrinha de serviço e percebem que é uma mulher. E até há quem arrisque pedir para imortalizar o momento em fotografia. “Os turistas fazem muito isso”, diz.