Na Casa Magnólia, um novo espaço para vítimas de violência doméstica no Porto, há quartos destinados a famílias e um espaço comum, composto por uma casa de banho e cozinha. Carla Branco, presidente da Associação de Defesa dos Interesses e da Igualdade das Mulheres (ADDIM), explica que este espaço pretende ser uma nova morada de mulheres que estão numa situação de risco baixo ou médio, o que o diferencia de uma casa abrigo, onde a situação de risco é elevada: “É uma resposta para mulheres que estão numa situação de vulnerabilidade, também emocional, mas muito económica”.

A presidente da associação afirma que o objetivo é que as mulheres que vão para esta casa transitem de uma casa abrigo, com a passagem de uma situação de risco elevado para médio ou baixo.

A acompanhar a visita do Observador está também Joana Sousa, assistente social que trabalha na área da violência doméstica há 10 anos. “O que se pretende é que haja aqui a continuidade de um projeto de vida que já foi iniciado, até porque as vítimas que nós recebemos, nesta resposta em específico, já estão numa fase de autonomização”, esclarece a profissional, exemplificando que as futuras moradoras já têm trabalho ou recebem alguma prestação social para fazer face às despesas.

Aliás, lidar com as despesas faz parte do processo de automatização pretendido. As vítimas, no entanto, não têm de pagar uma renda, o que, segundo Carla Branco, as ajuda a reconstruir a sua vida. “Aqui começam a ter mais responsabilidades: a cozinhar, por exemplo, pagar as despesas”, explica a responsável desta IPSS, enquanto sublinha que a questão económica é, muitas vezes, a razão para estas mulheres não conseguirem abandonar a sua relação abusiva.

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O novo espaço foi pensado para acolher mães e crianças, para que famílias não sejam separadas. Podem lá viver 10 utentes, 12 no máximo no caso de mães com bebés. Cada quarto, com várias camas, vai acolher uma família, mas há também um quarto apenas com brinquedos para as crianças. “Queríamos ter um espaço para as crianças poderem brincar, ter um espaço só para elas”, partilha a presidente, rematando: “Aquilo que nós pretendemos é que estas mulheres cheguem aqui, que seja uma lufada de reparação emocional e tenho a certeza que ter uma casa nestas condições vai ajudar”.

A justiça nem sempre “atua no tempo das vítimas”

Joana Sousa diz verificar uma tendência crescente de denúncias, apontando várias explicações. “Isto também é por causa do trabalho que temos feito enquanto sociedade; é um crime público”, frisa a assistente social, acrescentando que as vítimas “vão sentindo uma segurança maior tanto no sistema como nas estruturas que prestam este apoio”.

Mas ainda há um longo caminho a percorrer, nomeadamente a nível de “reestruturação dos serviços” e de “afinações na Justiça”. “Quando vemos uma situação de feminicídio, [muitas vezes] a avaliação que é feita para perceber o que é que eventualmente correu menos bem na intervenção aponta precisamente para uma falha que houve na rede, na intervenção e nalguns serviços, e, às vezes, a Justiça tem aqui um papel preponderante — a Justiça nem sempre atua no tempo das vítimas”.

A presidente da associação, jurista de profissão, acrescenta que “o princípio da igualdade é muito recente no direito positivo português”: “Remonta-nos às décadas de 70 e 80. Há aqui um caminho que já foi feito a nível social, civilizacional, mas de facto ainda não o suficiente. São 50 anos de democracia, mas não podemos falar de democracia enquanto não houver cidadania plena. Enquanto se mantiverem reiteradamente violações nos direito mais elementares na vida destas mulheres, não podemos falar de uma democracia, no fundo, efetiva”.

ADDIM alerta que é urgente mudar a forma como se fala de amor e violência doméstica

Carla Branco partilha que é frequente ter mulheres que chegam ao seu atendimento e dizem que não são vítimas de violência doméstica porque o companheiro nunca lhes bateu. “As pessoas associam a violência doméstica à questão física”, afirma, reinvindicando que há várias formas de violência, nomeadamente a psicológica, e que esta agressividade vai evoluindo ao longo do tempo.

Tal como Joana Sousa, Carla Branco também considera que ainda há um longo caminho a percorrer, e que esse passa pela forma como se comunica o amor e a violência doméstica. “Ninguém mata por amor, ninguém mata por ciúme. Isso é uma forma errada de comunicar o crime de violência doméstica e é uma forma de poder até fazer que muitas mulheres não reportem aquele tipo de crime por pensarem ‘aquela mulher morreu porque denunciou a situação e o meu marido é igualmente ciumento, portanto eu não o vou fazer'”.

Esta sexta-feira, a propósito do dia da mulher, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) revelou que os casos de violência doméstica aumentaram 22,9% em três anos. A organização avança que, na maior parte dos casos, o autor das agressões é o marido das vítimas.