Recusa o papel de mau da fita, de quem chegou e impôs a sua vontade, mas admite que na batalha de ideias o Fundo gosta de fazer valer o seu ponto de vista. Na troika havia mais dois parceiros e tudo era negociado com o Governo. Em entrevista exclusiva ao Observador, o chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal desvaloriza os ataques que tem sofrido da parte do Governo e diz que gosta de pensar que tem uma relação bastante boa com o atual Executivo português.
Maria Luís Albuquerque já lhes chamou de enviesados, Paulo Portas diz que os técnicos têm saudades de quando tinham “autoridade” e que as suas opiniões “estão frequentemente erradas” e até Pires de Lima ironizou dizendo que esperava que o FMI não tivesse de usar orelhas de burro, como na escola, de tanto errar nas previsões. Confrontado com a distância que o Governo tem tentado criar do FMI, Subir Lall prefere dizer que muitas vezes as polémicas são exageradas pelos jornais, mas admite que existem divergências.
Sobre a relação com o Governo após o programa, admite que mudou, mas não que tenha ficado necessariamente mais fácil. “Passámos por uns quantos anos de mudanças quase dramáticas”.
O FMI tem sido alvo de críticas desde que acabou o programa. Como mudou a relação com as autoridades portuguesas durante e depois do programa?
Temos uma cooperação muito próxima e temos diálogos muito construtivos. Não concordamos necessariamente em tudo, a cooperação tem sido genuinamente… cordial e construtiva. Discutimos as questões, temos visões diferentes, como por exemplo no cenário macro onde tínhamos uma visão muito particular e diferente. Acho que pessoas razoáveis podem ter visões diferentes. Gosto de pensar que a nossa relação é bastante boa. Passámos por uns quantos anos de mudanças quase dramáticas.
Não sente que o trabalho do Fundo é atacado ou minimizado por certos comentários, especialmente quando são feitos por ministros deste Governo?
Não quero entrar em detalhes sobre os comentários específicos, porque muitas vezes o que foi dito e o que é noticiado são coisas diferentes, mas é normal as pessoas não concordarem connosco. Acho que temos uma relação suficientemente boa para que, mesmo que haja desentendimentos, isso não signifique que não trabalhemos em conjunto. É normal. Foi sempre assim. Parece interessante a quem vê de fora, às vezes leio sobre algumas controvérsias e acho que são muito exageradas, e que não estão nem sequer perto do que realmente aconteceu, mas entendo.
Mas quando vamos ao centro da questão, acho que há um genuíno acordo de que todas as partes querem o mesmo para Portugal. Nem sempre concordamos na forma de lá chegar, mas tentamos sempre encontrar uma base comum, mesmo durante o programa. Não chegámos com uma visão e impusemos. Há muito vai e vem, muitas vezes estávamos cá durante semanas, íamos, voltávamos, e isso é parte do processo, todos concordamos agora que o programa resultou.
Durante o programa era mais fácil fazer passar as vossas opiniões?
Bem… não concordaria necessariamente com isso (risos). Nós negociávamos, discutíamos e debatíamos de forma muito dura. O Fundo era apenas uma parte deste processo. Acho que é um mito quando dizem que podíamos simplesmente impor o que queríamos. Muitos dos debates eram tidos em público. Eu lia todos os dias nos jornais o estado das negociações. Sei que não parece assim, mas as negociações foram difíceis. Tínhamos de encontrar uma base comum, porque tínhamos de acomodar muitos interesses e encontrar um acordo para os dilemas, e em última análise, a carta de intenções é das autoridades portuguesas.
Se me perguntar se é mais fácil ou mais difícil agora? É diferente. Temos pontos de vista diferentes mas ainda tentamos persuadir. Não o torna mais fácil, ainda queremos persuadir, mas estamos sempre abertos. Todas as partes estão abertas. É interessante. Claro que as regras da relação mudaram porque não há revisões nem tranches do empréstimo pendentes.
E as contrapartes também vos estão a levar tão a sério, especialmente com eleições no horizonte?
Eu penso que sim. Os temas são os mesmos. Têm estado disponíveis para nós. Sem dúvida que a natureza da relação mudou, mas não quero que fique a impressão que durante o programa podíamos chegar aqui impor o que queríamos e sair. Foram discussões e negociações difíceis.