O painel de comentadores parecia tudo menos monocromático, mas o debate revelou-se pouco plural porque todos estavam de acordo. Vindos da esquerda, falaram Francisco Louçã, fundador do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, eurodeputada bloquista e Manuel Alegre, histórico do PS; depois havia Pacheco Pereira, ex-deputado do PSD mas afastado da linha do partido há muito tempo, e Diogo Freitas do Amaral, fundador do CDS e antigo ministro de um governo PS. O economista Eugénio Rosa, que esteve ligado à CGTP, e a escritora Hélia Correia também não fugiram ao convite e, apesar das diferentes origens políticas, todos ajudaram definir o tom do debate: a Europa “autoritária” dos tecnocratas não pode deixar a Grécia cair, sob o risco de ver o projeto europeu cair com ela.

No Fórum Lisboa, que esta quinta-feira se encheu para receber o debate “A crise europeia à luz da Grécia”, a carreira de tiro tinha vários alvos: Bruxelas, Berlim e Paris, mas também Lisboa e o Governo português. Marisa Matias foi a primeira a colocar-se em posição. “Onde está o radicalismo e extremismo?”, começou por perguntar a eurodeputada. para segundos depois responder ela própria: “Está no Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia, no Eurogrupo, e todos e todas que acham que na Europa não pode haver alternativa. Isso sim é radical, isso sim é extremista“.

“Se a União Europeia no seu funcionamento normal não comporta um governo de esquerda, já não é um projeto democrático, já não é um projeto que interessa”, insistiu.

Antes de passar a palavra a Eugénio Rosa, houve ainda tempo para mais uma alfinetada ao Governo português, a Pedro Passos Coelho e à União Europeia. Ao Governo e a Passos, porque “nem subservientes são, [já que] obedecem com gosto e estão convencidos que estão a fazer bem”; e à “Europa dos que mandam” porque estão “outra vez em campanha na Grécia para que nada mude”.

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Uma “interferência” também denunciada pelo economista Eugénio Rosa. Uma interferência que diz existir perante “a passividade do Governo português e de muitos outros governos“. Uma interferência com nomes, insistiu o economista: Christine Lagarde, quando acusa o Governo grego de “falta de maturidade”; Durão Barroso, quando diz que a Tsipras e Varoufakis “falta experiência”; Cavaco Silva, quando diz que a “Grécia é só um número” e Passos, porque diz que Atenas “não é problema porque temos uma almofada”.

Pegando nas palavras do economista, a escritora Hélia Correia quis também dar o seu testemunho e denunciou daquilo que acredita ser a existência de um poder “supranacional” que está a torcer para que as coisas “corram mal na Grécia”. “Mas eles também merecem, uns não são casados, não usam gravata, até se sentam no chão“, disse com ironia.

“Quando ouço falar aquela gente do Syriza e quando ouço aquela senhora na Grécia a dizer ‘morremos, mas morremos de pé”, apesar de ter passado tanto tempo, apesar de termos perdido tanta coisa que nos liga à Grécia [Antiga], há uma coisa que começa a ligar-nos ao passado: é a dignidade do povo”, disse Hélia Correia.

Numa plateia composta por figuras bem conhecidas do panorama político português, como as irmãs Mortágua e Pedro Filipe Soares do Bloco, mas também Rui Tavares e Ana Drago do Tempo de Avançar, as palmas e os gritos de apoio à Grécia iam-se sucedendo.

Depois da intervenção de Hélia Correia, foi a vez de Freitas do Amaral que, apesar de não ter estado presente por motivos familiares, fez questão de deixar, também ele, uma mensagem de apoio à Grécia e de se juntar àqueles que no Fórum Lisboa pediram à Europa e ao Governo português que não deixassem cair os gregos.

E foi precisamente por aí que começou Freitas do Amaral. Mesmo reconhecendo que “houve erros de parte a parte”, o antigo candidato presidencial agora afastado da vida política, apontou também ele o dedo às instituições europeias e ao Executivo português por não terem “respeitado minimamente a vontade do povo grego”. No final da mensagem, ainda deixou o alerta: “O mundo aproxima-se cada vez mais de um momento muito perigoso. Precisa de estadistas e de homens de coragem. Este não é tempo para cegueiras ideológicas“.

Apesar de ideologicamente distante, Francisco Louçã juntou-se a Freitas do Amaral no coro de críticas ao eixo Paris-Berlim e à Europa do “partido único” onde “só há lugar para partidos de correia de transmissão”. Uma Europa que, diz o ex-dirigente do Bloco, se colocou “em estado de golpe de Estado permanente” e que apresenta propostas a Atenas que não passam de um “ultimato”.

“Propõem aos gregos que tomem este antibiótico com raticida e pedem-lhes que cantem com a alegria. (…) Nunca até hoje, nunca na história da União Europeia ou da zona euro, tinha havido um ultimato como este”, criticou Louçã.

Uma Europa que agora, diz, “ficou congelada” com a decisão do Governo grego de avançar para o referendo. “Uns dizem: ‘Tsipras nunca lhes devia ter feito frente, nunca os devia ter enfrentado, no meio é que está a virtude, mais vale um pássaro na mão do que dois a voar…’ Pois foi assim que chegamos até aqui. Porque ninguém lhes fez frente“, continuou Louçã.

O ex-dirigente bloquista lamentou ainda o contraste entre o “gigantismo da ameaça” que paira sobre o projeto europeu com a “pequenez dos números” que, indicam algumas notícias, separam as propostas dos credores e de Atenas: 600 milhões de euros. “Afinal a diferença são 600 milhões de euros. É um quinto do BPN, um quinto do Novo Banco, vinte ‘Gaitáns'”, ironizou, referindo-se, neste último caso, a uma possível transferência do atual jogador de futebol do Benfica.

No final, Louçã acrescentou: “Não sabemos se David ou Golias vence no domingo, nem sabemos que consequências virão depois. Mas não esqueceremos aqueles que disseram: ‘Nós atrevemo-nos'”.

Já no púlpito, Manuel Alegre seguiu o caminho trilhado por Louçã e começou por dizer que a luta de David (dos gregos) é, na verdade, uma “batalha de todos os cidadãos que não querem ser subjugados pela ditadura da finança” e contra aqueles que “estão a querer mostrar que só existe o caminho que eles escolheram e que os povos já não têm liberdade para escolher”.

Para o histórico socialista, “Bruxelas e Berlim nunca quiseram” chegar a acordo com o governo da Grécia e “sempre quiseram e querem derrubar o governo legitimamente eleito” do país.

“O problema já não é só austeridade. O problema que está em causa na Grécia é a própria liberdade, não só a grega mas também a nossa e a de todos os povos europeus”, acrescentou o antigo candidato à Presidência da República.

Bruxelas e Berlim, insistiu Alegre, “querem que os gregos ajoelhem para que fique claro que nesta Europa não pode haver alternativa“. Mas, continuou, “aconteça o que acontecer, a Grécia já nos deu uma lição de dignidade e, por isso, não será vencida”.

Num discurso muito aplaudido pelos presentes, Alegre não esqueceu Cavaco Silva, o “conhecido especialista em aritmética e finanças” que há três dias afirmou que “se a Grécia sair, ficam 18” países no Euro. Para o ex-candidato presidencial, depois da eventual saída da Grécia, o que acontecerá a seguir é quase um dado adquirido: Portugal, Espanha e Itália vão sair pela mesma porta. Em jeito de ironia, Alegre ajudou Cavaco a fazer as contas: “Se 19 menos um são 18 e se 18 menos um são 17, 17 menos um são 16”. Se o ciclo não se inverter, a Zona Euro vai ficar reduzida a 16 países até perecer, alertou Alegre.

Antes de terminar a intervenção, Manuel Alegre acusou, ainda, Passos e Cavaco Silva de estarem a substituir a “razão de Estado por seguidismo perante os que mandam na Europa”. Mais: o socialista disse mesmo que o primeiro-ministro quer “ganhar as eleições [legislativas] apostando no medo do cenário grego“. “Não é esta a atitude que se espera de quem representa Portugal”, acrescentou o poeta.

Uma mensagem deixada também por Pacheco Pereira, o último dos oradores. Embora menos duro que Alegre, o ex-dirigente do PSD criticou os “nossos patriotas de bandeirinha na lapela” que, ao contrário dos gregos, não se empenham para resolver um problema que é também português. Para o historiador, os gregos preferem “dignidade e patriotismo” a “andar de cabeça baixa, a abanar a alma aos poderosos”.

“Não sei se isto é de direita ou esquerda. Sei que isto é certamente ser um bom grego. E esse é o exemplo que queremos para nós. Os gregos “podem falhar, mas resistiram” contra os “tecnocratas pedantes que detestam a democracia”, concluiu Pacheco Pereira.