Os orgasmos femininos durante o sono não se ficam pelas cenas de filmes — eles existem na vida real, simplesmente não se fala disso, ao contrário do que acontece com os dos homens. Talvez por tabu, talvez por desconhecimento, como em vários outros temas que envolvem a sexualidade.

Apesar de não haver distinção entre os géneros, quando vieram ao mundo dos sonhos, os orgasmos não vieram para todos. Segundo a sexóloga Joana Almeida, nem todas as mulheres conseguem atingir o clímax enquanto dormem: “É difícil perceber porque algumas conseguem e outras não.” Compará-las com os homens é que está fora de questão: “Os corpos são diferentes e se muito se sente de forma semelhante, algumas predisposições e possibilidades são próprias da anatomia e fisiologia de cada um.”

Madeleine Castellanos, psiquiatra e terapeuta sexual, disse à Fusion que “a maioria das pessoas quando acorda lembra-se de ter tido um sonho erótico”, acrescentando que “existe um orgasmo físico”. A diferença, no caso das mulheres, é que os efeitos não são tão visíveis e reconhecíveis como as ejaculações noturnas dos homens — os chamados “sonhos molhados”. Joana Almeida acrescenta que as mulheres “não molham camas, mas nem por isso [os orgasmos], para quem os sente e sonha, são menos reais ou prazerosos”, reiterando que “uma sensação mental não é menos real do que uma ejaculação fisiológica”.

Qual a importância do cérebro nestes orgasmos?

Os orgasmos tendem a acontecer na fase do sono REM (Rapid Eye Movement — movimento rápido dos olhos), que é a altura em que os sonhos mais vívidos ocorrem, sendo que a atividade cerebral durante este período é similar àquela que se passa nas horas em que a pessoa está acordada.

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Em 1983, investigadores estudaram as mudanças que ocorreram numa mulher quando esta teve um orgasmo durante o sono e descobriram que o seu batimento cardíaco passou de 50 para 100 batidas por minuto, a sua respiração acelerou e houve um grande aumento do fluxo sanguíneo no clítoris.

Ao Observador, Joana Almeida explica que “no sono, e principalmente no sonho, o nosso cérebro está ativíssimo”, acrescentando que “o nosso principal órgão sexual é definitivamente o cérebro e a mente, a dormir ou acordados.” Daí a sexóloga defender que não nos devemos espantar “com a atividade mental de procura e obtenção de prazer que se passa dentro da nossa cabeça e com o nosso corpo”.

Barry Komisaruk, professor na Universidade de Rutgers, dedicou a sua carreira a investigar “orgasmos não genitais”, chegando mesmo a estudar mulheres que dizem que basta pensarem para atingirem um orgasmo. O seu estudo a mapear as atividades cerebrais durante estes orgasmos ajuda a explicar como é possível chegar ao orgasmo enquanto as pessoas estão inconscientes, isto é, a dormir.

Quando uma pessoa tem um orgasmo, é como se o cérebro se acendesse. “Todos os sistemas principais do cérebro ficam ativos durante um orgasmo”, declarou Komisaruk à Fusion, comparando este momento a “uma tempestade no cérebro”, já que em nenhuma outra altura o órgão neurológico fica ativo todo de uma só vez como durante o clímax sexual.

Mas o que despoleta esta tempestade neurológica quando uma pessoa está a dormir profundamente? Madeleine Castellanos diz que “durante o sono REM as pessoas têm um crescente fluxo sanguíneo no tecido erétil — no caso das mulheres em toda a zona do clítoris”, “o cérebro reconhece um maior fluxo sanguíneo nesses tecidos e isso pode levar à excitação”.

A investigação de Komisaruk e dos seus colegas descortina como é que da excitação se atinge o clímax. Os investigadores juntaram 10 mulheres que diziam ser capazes de atingir o orgasmo só com o pensamento de forma a chegarem às diferenças que ocorrem no cérebro quando há estimulação genital e quando não há.

A essas mulheres foi pedido que tivessem os dois tipos de orgasmos, e durante esse período a sua atividade cerebral foi medida. “A magnitude das respostas foi praticamente a mesma independentemente de ter havido estimulação ou de ter sido só um estímulo mental.” Ou seja, os cérebros das mulheres reagiram de forma idêntica e em ambos os casos houve um aumento da pressão arterial sistólica, aumento dos batimentos cardíacos, do diâmetro das pupilas e da tolerância à dor.

No decorrer do estudo, o professor percebeu que durante o orgasmo mental a atividade no córtex pré-frontal — a parte do cérebro responsável pelos comportamentos e pensamentos — aumentou, envolvendo ainda outra parte do cérebro chamada córtex sensorial, o qual contém um mapa do nosso corpo (por exemplo, quando toca numa mão, a parte do córtex sensorial que representa a mão “acende-se”. O mesmo acontece com a cara, com um pé e até com o clítoris).

Quando os investigadores pediram às mulheres para pensarem que estavam a ter um orgasmo e a tocar no clítoris, a zona correspondente no córtex sensorial foi ativada, como se as mulheres estivessem de facto a tocá-lo. A atividade no córtex pré-frontal foi até mesmo superior “quando as mulheres pensaram na estimulação sobre uma certa área do corpo do que quando a estimularam fisicamente”. E é por esta razão que, da excitação, a pessoa pode atingir um orgasmo enquanto dorme. Ou, se preferir, é este o poder da mente.

Os orgasmos femininos e os tabus

Há mulheres que têm dificuldade em atingir orgasmos na “vida real” mas facilidade em atingi-los a dormir. Para Castellanos, existe uma explicação lógica para isso: quando uma pessoa “tem um sonho erótico, o cérebro cria todo um ambiente propício à excitação e as mulheres não precisam de estar ansiosas nem preocupadas. É tudo baseado no erotismo”.

Para as mulheres, atingir um orgasmo tem tanto de mental como de físico. Se uma mulher se sente desconfortável durante uma relação sexual, é bem mais difícil conseguir chegar ao orgasmo. Nos sonhos não há desconforto.

Joana Almeida considera que a dificuldade em atingir o orgasmo na vida real depende das mulheres, do contexto social e cultural em que estão incluídas. Barreiras que certamente não existem no mundo dos sonhos. Mas “os orgasmos são todos diferentes e variados. Há orgasmos em que o prazer mental pode superar o físico, outros em que o prazer meramente fisiológico dá tanto prazer que não é preciso qualquer partilha mental.”

A sexóloga defende que “há muitas coisas que podem despoletar os sonhos eróticos”, acrescentado: “felizmente”. Questionada sobre se este tipo de sonhos acontecem mais com os homens do que com as mulheres, a especialista volta a sublinhar que “as comparações homem/mulher não são justas, pois às mulheres ainda é exigido um recato e discrição que não é exigido aos homens”.

Embora a sexualidade feminina tenha mostrado importantes alterações, para Joana Almeida os tabus sexuais ainda existem. “Homens e mulheres, a sociedade no geral, ainda não sabe comunicar sobre sexualidade da mesma forma que o faz sobre questões mais simples, como política, educação ou saúde. Não é a mesma coisa. [A sexualidade] é íntima, somos socializados para [a] esconder, para adivinhar, o que confunde e nos deixa ignorantes do outro, da pessoa de quem queremos saber mais e que mais sabe de nós.”

Se um dia acordar e se lembrar de um sonho erótico mas ficar indecisa devido à falta de provas físicas visíveis, lembre-se desta frase da sexóloga: “Os orgasmos não provam nada a ninguém, nem dão provas, mas são ótimos de provar.”