Os negociadores do Quarteto para o Diálogo tunisinos foram galardoados com o prémio Nobel da Paz esta sexta-feira. Aqui fica informação sobre quem faz parte deste “Quarteto da Paz”, qual foi o seu papel na primavera árabe e que caminho fizeram até ao Nobel.
O que é o “Quarteto para o Diálogo”?
É composto pela União Geral do Trabalho Tunisino (UGTT), a Confederação da Indústria, Comércio e Artesanato Tunisino (UTICA), a Liga pelos Direitos Humanos da Tunísia e pela Ordem dos Advogados do país. Foi criado no verão de 2013.
Como foi dito esta sexta-feira pelo Comité Nobel, esta organização permitiu o diálogo pacífico entre cidadãos, partidos e autoridades. Abriu assim caminho para uma alternativa pacífica num país mergulhado numa guerra civil na sequência da “Revolução do Jasmim”, que levou à demissão do Presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há 24 anos. “O diálogo nacional amplo que o quarteto conseguiu estabelecer para acabar com a propagação da violência na Tunísia é comparável aos congressos de paz a que Alfred Nobel se refere no seu testamento,” referiu o comité sueco.
A organização serviu como mediador e como força orientadora do desenvolvimento da democracia na Tunísia.
A “Revolução do Jasmim”, a Primavera Árabe e o papel do Quarteto
Para se perceber o papel e a importância do Quarteto do Diálogo tunisino é preciso recuar a 2010. E há que conhecer Mohamed Bouaziz. Este vendedor ambulante de frutas, de 26 anos passou anos sem conseguir uma licença de trabalho. Até que, em dezembro de 2010, as autoridades policiais do país confiscaram todo o material de Bouazizi obrigando-o a pagar uma multa. O vendedor foi insultado e agredido. Depois disto, Mohamed dirigiu-se à sede da polícia na província para fazer uma reclamação e para tentar reaver o seu material. Tudo lhe foi negado. Dias depois, sentindo-se humilhado, o tunisino de 26 anos imolou-se, incendiou o próprio corpo. A situação chocou o país e gerou uma série de manifestações em Sidi Bouzid, que rapidamente alastraram a todo o país. Começava assim a “Revolução de Jasmim”. E a Primavera Árabe.
Os protestos espalharam-se por toda a Tunísia durante o mês de janeiro de 2011. Quando chegaram à capital, Tunes, a polícia respondeu violentamente, detendo e agredindo vários ativistas e encerrando o acesso à internet. Foram as maiores manifestações, de que há registo, em 30 anos no país do Magrebe. Desemprego, más condições de vida e corrupção eram o centro do descontentamento. Até que, a 14 de janeiro, o presidente Zine El Abidine Ben Ali, no poder há 24 anos, fugiu para a Arábia Saudita.
Mas o ambiente não acalmou. O Conselho Constitucional tunisino designou o anterior presidente do Parlamento, Fouad Mebazaâ, como Presidente da República interino. Mas a decisão não acalmou as hostes. Isto porque a maioria dos ministérios continuava a ser controlado pelo partido ligado ao regime. O primeiro-ministro, Mohamed Ghannouchi, continuou a chefiar o Governo até que, a 27 de fevereiro, Ghannouchi não resistiu à pressão popular e pediu a demissão.
A instabilidade continuou mesmo assim. Foram nomeados e depostos governos. Mesmo com a liberdade de expressão e de imprensa a ser reposta, o livre acesso à internet também e os partidos proibidos anteriormente legalizados, tudo isto num espaço de poucos dias, o descontentamento mantinha-se. Porque os assassínios políticos e a instabilidade social, política e religiosa não paravam. Uma série de atentados terroristas mataram centenas de pessoas. A panela estava a transbordar. E a guerra civil prestes a começar.
É neste ponto que entra o Quarteto. O conjunto de organizações, que abrange várias áreas da sociedade, decide agir em 2013. Promove acordos entre os partidos políticos. Com uma só motivação: a implementação de uma democracia estável e duradoura. E a constituição de um Governo constitucional que garantisse o respeito pelos direitos fundamentais de toda a população independentemente do género, convicções políticas e religião.
Uma nova Constituição, parcialmente inspirada na portuguesa, foi aprovada a 26 de janeiro de 2014. Em outubro desse ano foram realizadas as primeiras eleições presidenciais verdadeiramente livres e em democracia na Tunísia.
A Tunísia de hoje e as grandes ameaças
Com estas nova Constituição e depois das primeiras eleições presidenciais, que elegeram Beji Caid Essebsi com 55.68% dos votos, a Tunísia passou a ser vista como o exemplo melhor sucedido da primavera árabe. O país teve um Governo de tecnocratas, que marcou eleições para o dia 26 de outubro de 2014. Os partidos estavam mais maduros e preparados para governar. O partido vencedor foi o do laico Nidda Tounès, formado dois anos antes, que, mesmo sem maioria absoluta (37,56% dos votos), indicou Habib Essid como primeiro-ministro do país. E a democracia tunisina parece também estar a amadurecer e a crescer:
- O turismo sofreu um autêntico trambolhão durante os anos de instabilidade que se seguiram à revolução: antes da revolução, o país recebia, em média, 7 milhões e meio de turistas por ano. Em 2011 esse número caiu para metade. Mas, no ano passado, a Tunísia recebeu mais de seis milhões de turistas. Um número ainda assim abaixo dos níveis registados anteriormente. Mas o setor começa agora a crescer. Setor este que representa 7% do PIB e do qual 20% da população depende.
- A taxa de desemprego é, no entanto, ainda alta: acima dos 15%, com o desemprego jovem acima dos 30%.
- O número de partidos políticos subiu em flecha. Até à saída de Ben Ali existiam apenas três, agora existem mais de 100 partidos políticos devidamente legalizados. O país foi também incluído na Política Europeia de Vizinhança da União Europeia, que tem como objetivo aproximar a UE dos seus vizinhos.
Apesar de tudo, a Tunísia ainda não é um paraíso democrático. E é um país de contrastes entre as metrópoles e aldeias.
O atentado, em junho passado – um ano depois do ataque a um museu no centro de Tunes que vitimou 21 pessoas, entre os quais 17 turistas – em dois resorts turísticos na cidade de Sousse, que matou 39 pessoas, na sua maioria turistas alemães e ingleses, é sinal que a instabilidade ainda pode voltar. A democracia tunisina começa a dar os primeiros passos – que são, até agora, os passos mais firmes de toda a região que viveu a primavera árabe.