Não há muita coisa que os una, a não ser o islamismo radical a que se converteram e o facto de quase todos serem jovens e desportistas. Uns têm origem africana, viviam na linha de Sintra e seguiram para Londres em busca de um novo futuro. Outros são lusodescendentes, nascidos e crescidos em França. Uns fizeram a faculdade, outros não gostavam de estudar. Há aqueles que vêm de classes mais baixas, outros das mais altas. Mas todos se cruzaram com o islão radical e as suas vidas mudaram. Hoje, integram as fileiras do Estado Islâmico para lutar em nome do Califado.

No ano passado, Rui Machete disse que a culpa é da “crise de valores que atravessamos e da falta de um ideal”. O ministro dos Negócios Estrangeiros, assim como as secretas, revelariam então que existem entre 12 a 15 pessoas com passaporte português filiados no movimento radical. São portugueses que acreditam nos ideais defendidos pelo Estado Islâmico, dispostos a dar a vida, e a morte, pela crença.

Eis os que se conhecem:

Edgar Rodrigues da Costa/ Abu Zakaria Al Andalusi, 32 anos

A mãe trabalhava na Força Aérea Portuguesa, retornada de Angola nos anos 70, assim como o pai. Edgar já nasceu em Portugal e cresceu na zona da linha de Sintra. Era bom aluno e gostava de jogar à bola com o irmão, Celso. Foram mesmo jogadores de futebol amador num clube local. Edgar era um estudante aplicado e entrou numa universidade no Porto onde concluiu o curso de Gestão e Contabilidade. Quando terminou a licenciatura, há mais ou menos onze anos, decidiu partir para Londres. Queria estudar na Universidade de East London.

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Foi na cidade inglesa, no bairro de Leydon, que Edgar se juntou ao grupo radical. Começou a frequentar a mesquita de Forest Gate e ali terá sido recrutado por elementos extremistas do Islão.

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O bairro de leyton é das zonas mais pobres de Inglaterra. A taxa de desemprego e de criminalidade ultrapassa a média do país / Fotografia de Fábio Pinto/Observador

Depressa passou de recrutado a recrutador de novos membros, utilizando o chat do Facebook para aliciar outros jovens portugueses, rapazes e raparigas que integravam grupos muçulmanos. Mais tarde, desapareceu da internet sem deixar rasto. Tinha mudado de posto dentro do grupo e, no final de 2012, viajou para a Turquia de avião, para depois percorrer o caminho até ao norte da Síria de carro e a andar. Aí alistou-se no Estado Islâmico. Ainda por lá estará.

Já em 2014, o seu nome foi o primeiro a ser referido: “Chama-se Edgar e é o líder do grupo de portugueses que combate em Alepo, na Síria, contra o regime de Bashar Al-Assad”, contou ao Expresso uma fonte próxima dos serviços de informações europeus.

Celso Rodrigues Costa / Abu Issa Al-Andaluzi, 29 anos, irmão de Edgar

Terá sido influenciado pelo irmão e partiu para Londres para se instalar no mesmo local onde Edgar vivia, Leyton. Naquele bairro, a vida é simples e a taxa de desemprego e de pobreza é mais alta que no resto do país. Assim como a de criminalidade. É lá que vive uma das maiores comunidades muçulmanas de Inglaterra.

Ao contrário de Edgar, que preferia passar despercebido e pouco se via nas redes sociais, Celso gostava de se expressar publicamente. Por causa dessa exposição, tornou-se num dos mais conhecidos guerrilheiros português ao serviço do exército de Abu Bakr al-Baghdadi quando, em abril de 2014, partilhou um vídeo no Youtube apelando a que mais muçulmanos integrassem a jihad na Grande Síria. Celso aparecia de cara tapada e de AK-47 em punho. O seu inglês denunciava a origem portuguesa e chegou a falar-se de que poderia ser o futebolista Luís Boa Morte, porque o guerrilheiro dizia que tinha sido jogador do Arsenal. É verdade que Celso tentou entrar no clube, mas não foi escolhido nos treinos de captação. Mais tarde, através de um programa de reconhecimento facial, desfez-se o mistério e os serviços secretos revelaram a sua identidade. Hoje, ainda permanecerá no campo de batalha sob as ordens de Omar Shishani, o principal comandante do Estado Islâmico.

Fábio Poças /AbduRahman Al Andalus, 23 anos

Desde miúdo que não gostava de estudar. O que lhe interessava mesmo era jogar à bola, queria tornar-se profissional e foi a esse desporto que dedicou grande parte da infância e da adolescência passada na linha de Sintra. Não o conseguiu em Portugal e partiu para Londres aos 19 anos. Ali, também no bairro de Leydon, tornou-se amigo de Edgar e de Celso e de outros portugueses que entretanto se tinham juntado aos jihadistas. Em comum, tinham a linha de Sintra, o gosto pelo futebol e as raízes em África. A única diferença? Eram todos muçulmanos à exceção de Fábio.

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O Café Cascais, propriedade de um emigrante português, no bairro de Leyton, era um local de paragem para cinco dos jihadistas lusitanos / Fotografia Fábio Pinto/Observador

Não passou muito tempo até que se convertesse. O futebol não estava a dar frutos e começou a ler e a aprender o Corão. A família encontrou-o pelo Facebook, mas Fábio já era Abdu. Chegou à Síria em 2013, recebeu um mês de treino militar e juntou-se à brigada Kataub al Muhajireen, onde estão combatentes de outros países ocidentais. Mais tarde, esse grupo integrou o Estado Islâmico. Tem três mulheres, a mais recente, Ângela (Umm), também é portuguesa, filha de emigrantes em Utrecht, na Holanda, que decidiu partir para a Síria em agosto do ano passado para se casar com Fábio. Nunca se tinham visto ao vivo, foi tudo planeado online. Agora, a vida de Ângela mudou: pode sair para ir às compras e ao mercado, armada com uma pistola de 9mm, conta numa entrevista ao De Telegraaf.

Foi Fábio que filmou um dos vídeos da tomada de Mossul, a 12 de junho do ano passado. Tal como Celso, estará no campo de combate sob o comando de Omar Shishani.

Nero Patrício Saraiva, 29 anos

Entre os jihadistas portugueses tem sido o mais vigiado pelas secretas europeias e pela Interpol, devido ao risco elevado de vir a praticar atos terroristas na Europa. É apontado como um dos braços direitos do carrasco conhecido por Jihadi John, que apareceu em vídeos a decapitar reféns. Executou, pelo menos, sete. Na quinta-feira, um dia antes dos ataques de Paris, Jihadi John (ou Mohammed Emwazi) terá morrido num ataque aéreo comandado pelos Estados Unidos, com o objetivo de matar o carrasco: “Estamos razoavelmente seguros de que matamos o alvo que queríamos, o Jihadi John (…). Não podemos confirmar oficialmente para já. Provar que o conseguimos ainda demora algum tempo”, afirmou Steve Warren, porta-voz americano da coligação internacional, numa videoconferência a partir de Bagdade.

Nero Saraiva nasceu em Benguela, filho de mãe angolana e pai português, e aos três anos veio para Portugal com a mãe e com a irmã. Cresceu em Lisboa, estudou em Aveiro, licenciou-se em Engenharia no Porto, e tornou-se especialista de petróleo em Londres. Partiu para a Síria em outubro de 2012, para Alepo, próximo da fronteira com a Turquia.

A sua família é católica praticante, Nero foi batizado e estudou num colégio de freiras. Tal como Fábio, cruzou-se com o Islão em Inglaterra quando foi viver para o bairro de Leyton. Converteu-se aos 25 anos, em 2011. Foram os irmãos Edgar e Celso que o levaram para a jihad: os estudos e áreas em que se especializou, ser ex-praticante de artes marciais e estar familiarizado com a língua árabe por ter estagiado no Dubai, foram critérios estratégicos para o levar para a zona de batalha. Ali é combatente e professor. Também é pai de quatro crianças de diferentes mulheres, e casou-se recentemente com uma australiana. Na Síria, juntou-se um grupo de mujahedines, muitos com nacionalidade sueca e inglesa, que têm conquistado território ao exército do presidente Bashar al-Assad.

No início do ano passado, o nome de Nero apareceu ligado a um atentado falhado na Tanzânia, pelo grupo Al-Shabaab, com ligações à Al-Qaeda. O português seria o elo de ligação que, estando na Síria, tratava de fornecer o armamento, dinheiro e estratégia. Em março desse ano, as notícias davam conta de Nero ter ficado ferido nas pernas com gravidade. Voltou à batalha, mas não na frente de combate.

“Tem uma posição importante, influente dentro da organização, está longe de ser um mero soldado raso que foi combater e morrer na Síria”, diriam fontes dos serviços de informação portugueses ao Expresso.

Sandro Monteiro (conhecido por Funa), 36 anos

Deste grupo do bairro de Leyton, em Londres, foi o último a alistar-se. Sandro seguiu para a Síria em janeiro do ano passado. Tal como os amigos, cresceu na Linha de Sintra, mas a família vem de Cabo Verde. Sandro já conhecia Edgar e Celso desde a infância porque frequentaram a mesma secundária. O gosto pelo futebol também os unia.

Foi em 2007 que decidiu viver em Londres, onde também conheceu Fábio e Nero. Nesses anos de emigrante, converteu-se à religião muçulmana – ao lado extremista, como os amigos. Como Nero, tinha igualmente crescido numa família católica. Em novembro de 2014 os pais e os amigos receberam a notícia: Sandro morreu em combate, em Kobane, no final de outubro desse ano.

Mikael Batista / Abou Uthman, 24 anos

Filho de portugueses, naturais de Chaves, que emigraram para Paris, Mikael partiu para a Síria, sem ter lá nenhum contacto, em 2013. Os pais são de Vila Real, em Trás-os-Montes, mas o filho já nasceu em França. Mikael tem dupla nacionalidade. Frequentou Desporto na universidade de Paris, praticava boxe, artes marciais e ginástica acrobática.

Chegou à Turquia em agosto de 2013 e, acompanhado de outro francófono (o maior contingente de ocidentais na Síria) que já lá estava há uns meses, arrancou para a Síria e instalou-se em Raqqa. Mikael recorre à sua conta do Twitter para mostrar imagens de cabeças cortadas ou puxar temas de violência, radicalismo islâmico, morte ou mutilações. Aparece frequentemente com armas e, numa das vezes, em pose de futebolista com uma cabeça cortada a fazer de bola. A sua conta foi suspensa depois de várias denúncias, mas Mikael criou outra de imediato.

Em janeiro deste ano o Estado Islâmico anunciou que Mikael Batista morreu em combate em Kobane, que faz fronteira entre a Síria e a Turquia.

Mickaël dos Santos/ Abou Uthman, 23 anos

Amigo de Mikael Batista dos convívios em Champigny-sur-Marne, arredores de Paris. Partiu para a Turquia antes do amigo, em fevereiro de 2013, onde esperou que Batista aterrasse mais tarde. Também está em Raqqa, na Síria. Em novembro de 2014, Mickaël era apontado como um dos suspeitos num vídeo difundido pelo EI que mostrava a decapitação de um grupo de soldados sírios. A sua mãe chegou a confirmar às autoridades que era o filho, mas depois negou, afirmando que tinha sido coagida a tal afirmação. No Twitter, Mickaël escreveu: “Eu claramente anuncio que não estou naquele vídeo”. Na sexta-feira passada, depois dos atentados, ligou para a mãe para saber o que se estava a passar em Paris.

Ismael Omar Mostefai, 29 anos

O seu nome veio a público, nos últimos dias, por ser um dos terroristas envolvidos na noite sangrenta da última sexta-feira, em Paris. Acompanhado de outros dois homens, Mostefai abateu dezenas de pessoas que assistiam ao concerto dos Eagles of Death Metal, no Bataclan. Foi um dos atacantes que se fizeram explodir no teatro parisiense e o primeiro a ser identificado pela polícia, a partir das impressões digitais.

Mostefai nasceu em Courcouronnes, a 21 de novembro de 1985, nos arredores de Paris. Vivia próximo de Chartres, a cerca de 35 km da capital francesa, para onde se mudou em 2009. Ali terá vivido, pelo menos, até 2012. De acordo com um vizinho, trabalhava numa padaria. A sua mãe, de nome Lúcia, é natural da Póvoa do Lanhoso, de onde emigrou há mais de 40 anos.

Já tinha sido sinalizado como um alvo de alto risco da radicalização islâmica em 2010, mas não estava “implicado numa investigação ou numa organização de terrorismo”, revelou o procurador de Paris, Francois Molins. Mostefai tinha registo criminal de oito condenações, mas sem pena de prisão. Os crimes foram cometidos entre 2004 e 2010. Agora, a polícia quer saber se Omar Ismael Mostefai esteve na Síria este ano.

O Le Monde avançou que Mostefai pode ter deixado Chartres, em 2014, para visitar a Síria, onde terá ficado durante largos meses. De acordo com o jornal francês, há filmagens do terrorista na Turquia, em outubro de 2013, antes dos serviços secretos voltarem a apanhar o seu rasto já no início do ano seguinte.

Dylan Omar/ Omar Khattab, idade não conhecida

Omar é também é lusodescendente, filho de mãe portuguesa emigrante em França. De acordo com o jornal Expresso, a sua mãe já foi à Turquia, na fronteira com a Síria, duas vezes para tentar trazer o filho para a Europa. Omar nunca apareceu.

Steve Duarte/ Abu Muhadjir Al Purtughali, 26 anos

Nasceu na Figueira da Foz e emigrou para o Luxemburgo, onde estudou no liceu em Arlon, uma cidade na fronteira com a Bélgica. Era rapper usava Pollo como nome artístico. Em 2009, converteu-se ao Islão na Argélia e passou a ser Abdoul Halim. O seu conhecimento na linguagem online e de vídeos puseram-no a trabalhar a propaganda do Estado Islâmico. Em 2014, quando partiu para a Síria adoptou o nome Abu Muhadjir Al Purtughali. Já este ano, confirmou à RTP que ainda faz parte do grupo.

“O Português” / Abu Juwairiya al-Portughali, idade desconhecida

Em março deste ano o Estado Islâmico anunciou a sua morte. Era conhecido como “O Português”, estaria entre os comandantes da organização na Síria, e o seu nome era Abu Juwairiya al-Portughali. O homem terá sido um dos 180 jihadistas libertados em setembro de 2014 em troca de cerca de 50 reféns feitos no consulado de Ancara em Mossul. A primeira vez que o seu nome foi mencionado publicamente, foi pela altura da sua morte.

José Parente / Abu Osama Al-Faransi, idade não conhecida

José Parente era outro dos lusodescendentes com raízes francesas. Os seus pais são naturais de Tondela, mas rumaram para Toulouse, no sul de França. José Parente juntou-se à jihad e morreu a 22 de maio de 2014 num ataque suicida no Iraque. Parente levava uma bomba artesanal num carro com o objetivo de a fazer explodir perto das instalações militares do exército iraquiano em Umm Al-Amad, arredores de Bagdade. Dezenas de pessoas, muitos civis, morreram ou ficaram gravemente feridas.

Sadjo Turé, 35 anos

Também originário da linha de Sintra, Sadjo Turé foi radicalizado no bairro londrino de Leyton depois de ter emigrado para o Reino Unido. Viajou para o Califado em 2014, integrando o grupo de Londres (Celso e Edgar Rodrigues da Costa, Nero Saraiva, Fábio Poças e Sandro Monteiro). Sadjo terá sido atingido pelas tropas do presidente sírio Bashar al-Assad, num ataque surpresa, avança o jornal Expresso. Morreu no hospital. É o quinto jihadista português a morrer em combate na Síria. A sua morte foi anunciada a 20 de novembro.

Na Síria, uns em Raqqa, outros em Alepo, e no Iraque. Os portugueses continuam a rendidos à crença do islamismo radical. Fábio Poças e Celso Rodrigues da Costa combatem juntos numa brigada comandada por Omar Shishani, o principal comandante do Estado Islâmico. Nero não estará na frente de combate, mas num posto superior do Estado Islâmico. Edgar continua a passar despercebido, sem qualquer exposição nas redes sociais.

Recorde-se que, em abril deste ano, o Ministério Público emitiu mandados de captura em nome de cinco jihadistas portugueses – Celso e Edgar Rodrigues da Costa, Fábio Poças, Nero Patrício Saraiva e um outro português – na sequência de inquéritos do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), relacionados com o Estado Islâmico. O Expresso avançava que os mandados foram emitidos “apenas aos cidadãos com nacionalidade portuguesa”, e não incluíam os filhos de emigrantes portugueses a viver em França, na Holanda e no Luxemburgo.

As mortes de Mikael Batista, José Parente e de Sandro Monteiro foram confirmadas pela Europol em julho deste ano.

Artigo originalmente publicado dia 18 de novembro de 2015 e atualizado a 20 de novembro de 2015, face à notícia da morte do jihadista Sadjo Turé.