Orçamento de Estado para 2016. Tratado Orçamental e medidas extraordinárias. Plano de Estabilidade. Estes são três dos pontos em que os quatro partidos de esquerda não se mostraram totalmente de acordo (o que deu origem a três acordos separados, e não a um único). Não eram consensuais quando os partidos redigiram os acordos, quando os assinaram, e desde esse dia têm dado origem a declarações dissonantes entre BE e PCP.  

  • Tratado Orçamental e medidas extraordinárias

A porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, já admitiu que existe “um compromisso com o PS para discutir outros pontos essenciais que não estão no acordo”, incluindo a possibilidade de medidas extraordinárias para que se consiga fazer a consolidação orçamental. No entanto, o Tratado Orçamental que, segundo a porta-voz bloquista, ditou que o Bloco de Esquerda não integrasse um governo de iniciativa socialista. 

Do lado do PCP, quando desafiado a esclarecer se, mesmo apoiando um governo de iniciativa PS, o PCP respeitaria o Tratado Orçamental, Jerónimo de Sousa foi sucinto: “Obviamente, nós não fazemos isso”. “Podemos fazer como o macaco sábio, não ouço, não vejo, não falo, [mas] o problema é que a questão não deixa de existir”, afirmou o líder comunista.

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Além disso, Jerónimo de Sousa diz nunca ter percebido porque é que o défice tem que ser de 3%: “Eu nunca consegui que nenhum economista me explicasse porque tem de ser 3% e não 4%”. “Aquilo que nós consideramos é que não podem ser os salários, as pensões e as reformas (…) usadas como forma de tentar reduzir o défice a mata cavalos, em conformidade com aquilo que está refletido no Tratado Orçamental”, esclareceu, sem nunca explicitar o que fará perante a necessidade de medidas extraordinárias. 

De ressalvar que o ex-líder parlamentar do PCP, Octávio Teixeira, já disse que o Tratado Orçamental “tem que ser respeitado”, afirmando que “o PCP pode manifestar-se contra o Tratado Orçamental mas tem consciência clara que enquanto o Tratado existir ele tem que ser respeitado”. 

Enquanto existir. No Parlamento Europeu, Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, e João Ferreira, eurodeputado do Partido Comunista, querem o fim do Tratado Orçamental. O grupo político da Esquerda Unitária Europeia, do qual fazem parte o BE e o PCP, durante a votação do relatório sobre o orçamento comunitário para 2016, em finais de outro passado, apresentou uma alteração que visa a rejeição do Tratado Orçamental (TO), entre outras ferramentas intergorvenamentais. O grupo político baseia a sua medida no argumento de que o TO visa “perpetuar as medidas de austeridade”. 

Tanto o PCP, como o BE defendem a reestruturação da dívida externa. Sobre este tópico, a porta-voz do BE, Catarina Martins, reiterou que “ficou acertada a criação de um grupo de trabalho para estudar a dívida externa de Portugal”, cita o DN. “Essa é que é a forma certa” de tratar a questão da dívida. Catarina Martins acrescentou ainda que “está na altura de o sistema financeiro começar a pagar a parte da dívida que gerou”. 

  • Plano de Estabilidade

Se o Bloco de Esquerda garantiu ao Observador que “nas equipas negociais ficou claro que o tipo de compromisso que estava a ser firmado quanto ao OE aplicava-se por maioria de razão a todos os instrumentos orçamentais secundários como os Orçamentos Retificativos, Grandes Opções do Plano e o Plano de Estabilidade”, o PCP não é objetivo. Questionado pelo Observador, o PCP respondeu apenas que os termos da “‘Posição conjunta do PS e do PCP sobre solução política’ são suficientes e claros quanto ao seu explícito conteúdo para não serem sujeitos a exercícios de interpretação”.

  • Assinatura de acordos

O ex-coordenador do BE, Francisco Louçã, criticou o PCP por não ter querido fazer uma assinatura a quatro do mesmo texto e por não ter querido que a cerimónia fosse pública. “Houve uma fragilidade política porque a política vive também da forma como se comunica, dos seus símbolos e dos seus protocolos. O facto de a assinatura não ter sido um ato público dos três partidos é incompreensível. Se a justificação para isso foi que o PCP não quis, acho que fez mal porque mostrava aquilo que foi, a assinatura que é um compromisso de responsabilidade e mostrava como tem que mostrar. Acho incompreensível essa atitude. É uma reserva que não se explica a si própria, portanto, está errada”, explicou em entrevista à RTP3.

Questionado pelo Observador, o PCP recusou esclarecer a sua posição sobre a assinatura conjunta e pública dos acordos.

  • Orçamento do Estado

Nos acordos de esquerda não existem garantias de entendimento sobre o Orçamento de Estado para 2016. É uma matéria aberta a discussão. Catarina Martins, numa entrevista à RTP, afirmou que “sempre que há várias forças políticas negoceia-se. Eu não conheço o Orçamento de 2019. Ninguém conhece, por isso, não o podemos assinar. Não damos cheques em branco”. Já o fundador do BE Francisco Louçã, em relação a esta matéria, considerou que “é sério dizer que os OE são muito difíceis e que têm que ser trabalhados em detalhe”. 

O acordo PS/BE fala mesmo em objetivo de “solução estável, duradoura e credível”, o que não aparece no acordo do PCP.

Em relação ao Orçamento para 2016, Jerónimo de Sousa foi categórico: “Ninguém perceberia que disséssemos que íamos votar contra ou a favor. Estamos dispostos a avaliar sem reservas mentais os conteúdos do próximo Orçamento. Mas ninguém perceberia que disséssemos [neste momento] que íamos votar contra ou a favor”. Para que o possa aprovar, diz Jerónimo de Sousa, o Orçamento terá de examinar “a inclusão de medidas urgentes que deixam tantos portugueses – trabalhadores, reformados, pensionistas – na expectativa”. 

Ainda assim, quando o Comité Central viabilizou o acordo político entre o PCP e o PS, Jerónimo de Sousa declarou que esse acordo perspetivava uma solução duradoura para “uma legislatura”. 

  • Moções de censura

Nem Os Verdes, nem o BE, colocam em cima da mesa a possibilidade moções de censura a um Governo de iniciativa socialista. Neste campo, a deputada bloquista Mariana Mortágua afirma que tal seria “redundante. Se pensarmos apresentar uma moção de censura é porque o acordo acabou”.

Ao passo que a deputada do PEV Heloísa Apolónia garante que “não seria legítimo que alguém um dia chegasse à Assembleia da República e apresentasse uma moção de censura sem uma prévia conversação”. E acrescentou que o PEV aceitaria sempre “um espírito de diálogo para uma legislatura”.

*Texto editado por Helena Pereira