O senador Delcídio do Amaral tem dado dores de cabeça a Dilma Rousseff desde que fez uma “delação premiada” à justiça brasileira, no âmbito da Operação Lava Jato, em que relaciona o nome da Presidente ao escândalo de corrupção e lavagem de dinheiro da empresa estatal Petrobras. Delcídio foi preso no dia 25 de novembro de 2015, acusado de interferir nas investigações da Operação Lava Jato, e solto no dia 19 de fevereiro deste ano.

O senador, ex-líder do PT no Senado, acusa Dilma de ter interferido pelo menos três vezes nas investigações, de modo a favorecer alguns réus do caso com alegadas ligações a membros do Governo, além de ter conhecimento das irregularidades envolvendo a compra da refinaria Pasadena, nos Estados Unidos. O depoimento de Delcídio às autoridades, divulgado pela revista IstoÉ, foi homologado pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STJ), em março, mas não chegou a tornar a Presidente um alvo das autoridades.

A aproximação de Dilma Rousseff à Operação Lava Jato ganhou mais força esta terça-feira, quando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal um pedido de abertura de inquérito para investigar a presidente. Em causa estão a nomeação do ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas para o STJ no ano passado, e a nomeação do ex-presidente Lula da Silva para ministro da Casa Civil neste ano, ambas para alegadamente bloquear a Operação Lava Jato. O pedido era sigiloso, mas ganhou as manchetes dos meios de comunicação brasileiros.

Num discurso realizado esta quarta-feira, durante a apresentação de um plano de financiamento para agricultores, em Brasília, Dilma Rousseff rejeitou as denúncias feitas por Delcídio.

As denúncias feitas pelo senador Delcídio são absolutamente levianas e, sobretudo, mentirosas, conforme já reiterei sistematicamente desde que elas apareceram. Aliás, o senador Delcídio tem a prática de mentir e isso ficou claro ao longo dessa questão relativa à sua prisão. Tenho certeza que a abertura do inquérito vai demonstrar apenas que o senador, mais uma vez, faltou com a verdade”, afirmou.

A presidente brasileira questionou a credibilidade de Delcídio do Amaral: “Tenho consciência das mentiras do senador Delcídio do Amaral e acho que a credibilidade do senador é bastante precária. Acredito que é necessário investigar de onde surgem essas afirmações do senador e comprovar.”

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É de salientar que o pedido de abertura de inquérito não torna Dilma réu da investigação. Se a Justiça autorizar a abertura do inquérito, a Polícia Federal poderá formalmente utilizar recursos para verificar se as acusações de Delcídio do Amaral são verdadeiras e se o “termo de posse” de Lula da Silva como ministro seria utilizado para fugir das autoridades.

O timing da fuga de informações

Brazilian President Dilma Rousseff delivers a speech during the launching of the Agricultural and Livestock Plan for 2016/2017, at Planalto Palace in Brasilia, on May 4, 2016. Rousseff is fighting impeachment on allegations that she illegally borrowed money to boost public spending during her 2014 re-election campaign. / AFP / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Dilma Rousseff fez um discurso esta quarta-feira durante um evento em Brasília.

Segundo descreve o site G1, ao final do evento, Dilma Rousseff dirigiu-se aos jornalistas que faziam a cobertura do evento e, sem permitir perguntas, disse que falaria sobre o pedido de abertura do inquérito, pois a imprensa brasileira “não teria divulgado uma nota dela sobre o assunto” ao noticiarem o tema.

Dilma Rousseff criticou o facto de a fuga do pedido de abertura de inquérito ter acontecido uma semana antes do Senado brasileiro julgar o seu afastamento temporário da Presidência do país, na sequência do processo de impugnação do seu mandato.

“Aqueles que vazaram [o pedido de abertura de inquérito] têm interesses escusos e inconfessáveis”, acusou a presidente.

Esses vazamentos têm uma característica. Você vaza. Depois, se caracterizar que nada há, o dano já foi feito. O que querem com isso? Querem o dano feito. Sempre fui a favor de investigações. E quero que essa seja investigada a fundo, inclusive quero saber quem é o autor ou autores do vazamento”, assegurou.

Dilma informou ainda que pedirá à Advocacia-Geral da União para abrir uma investigação para apurar como o pedido do procurador-geral da República foi divulgado pelos meios de comunicação sociais.

Os outros nomes da lista de Janot

Brazil's Attorney General Rodrigo Janot, during a session of the Federal Supreme Court (STF) in Brasilia on April 20, 2016. Brazil's Supreme Court on Wednesday postponed a decision on whether to authorize the controversial appointment of former leader Luiz Inacio Lula da Silva to the embattled government of his protegee, President Dilma Rousseff. / AFP / ANDRESSA ANHOLETE (Photo credit should read ANDRESSA ANHOLETE/AFP/Getty Images)

Rodrigo Janot é o Procurador Geral da República.

Ainda no contexto das informações prestadas por Delcídio do Amaral, Rodrigo Janot solicitou a abertura de cerca de outros 30 inquéritos ao Supremo Tribunal Federal a diversos políticos citados pelo senador. É o caso de Lula da Silva, suspeito de tentar obstruir à Operação Lava Jato diversas vezes em favor de empresas investigadas pelas autoridades.

A desconfiança foi reforçada após a divulgação das escutas telefónicas entre o ex-presidente e Dilma Rousseff, em março, pelo juiz federal Sérgio Moro. Em abril, o procurador já havia enviado ao Supremo Tribunal Federal um parecer em que dizia ver elementos de “desvio de finalidade” de Dilma Rousseff na escolha de Lula da Silva para fazer parte do seu governo.

A assessoria de imprensa do Instituto Lula divulgou, no seu site, um comunicado em que afirma que o ex-presidente “não participou nem direta nem indiretamente de qualquer dos fatos investigados na Operação Lava Jato” e que o pedido trata-se de uma “antecipação de juízo, ofensiva e inaceitável, com base unicamente na palavra de um criminoso.”

Outro político incluído na lista de pedidos de inquérito de Janot é Aécio Neves, senador e presidente do partido PSDB. Aécio é suspeito de ocultar informações às autoridades sobre um alegado esquema de compra de votos em troca de apoio parlamentar na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, entre 1995 e 1999.

Este é, no entanto, o segundo pedido de abertura de inquérito do procurador-geral da República contra Aécio Neves. Na segunda-feira, Janot pediu autorização à justiça brasileira para investigar o suposto envolvimento do senador num esquema de corrupção na hidrelétrica Furnas, em Minas Gerais, círculo eleitoral do político.

Aécio Neves disse, através da sua assessoria de imprensa, que considera “absolutamente natural e necessário que as investigações sejam feitas”, uma vez que elas irão demonstrar, “como já ocorreu outras vezes, a correção da sua conduta”, citado pela BBC.

Também são alvos de pedidos de abertura de inquérito pelo procurador-geral da República os ministros Ricardo Berzoini e Edinho Silva, o chefe de gabinete da Presidência da República, Jacques Wagner, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros, além de deputados, ex-ministros, assessores de políticos e empresários. Caberá ao ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, dar autorização para a abertura das investigações.