O debate foi duro, como, de resto, têm sido todos debates sempre que o tema é a Caixa Geral de Depósitos. Os grupos parlamentares de PSD e CDS levaram esta terça-feira ao Parlamento dois projetos de lei que propunham, em linhas gerais, a revogação das alterações introduzidas pelo Governo de António Costa ao Estatuto de Gestor Público — uma “borrada jurídica”, classificaram os partidos mais à direita. À esquerda, os socialistas falaram em “terrorismo político” e bloquistas e comunistas classificaram o comportamento de PSD e CDS de “lamentável”, garantido que não iam jogar o jogo de sociais-democratas e democratas-cristãos. Depois de uma troca de argumentos intensa, a discussão terminou com uma promessa do PSD: se o Governo não reverter as alterações que fez e continuar com uma “atitude de autismo”, o partido liderado por Pedro Passos Coelho vai avançar para o Tribunal Constitucional — uma ameaça já antes deixada por Assunção Cristas.

Na prática, PSD e CDS queriam acabar com o regime de exclusão dos administradores do banco público do estatuto do gestor público e impor limites salariais aos novos gestores. Luís Marques Guedes, deputado do PSD, foi o primeiro a tomar a palavra e trazia no bolso mais do que uma crítica às introduções legais: no fundo, as alteração ao Estatuto de Gestor Público foram apenas o início de um “triste espetáculo” e de uma “absoluta falta de ética” que caracterizou todo o processo de nomeação (e sucessivo afastamento) da equipa de António Domingues.

No CDS, foi Cecília Meireles a pedir “uma concórdia para resolver pelo menos parte da trapalhada em que o Governo transformou a CGD”. A deputada democrata-cristã acabaria mesmo por defender que “nunca nenhum governo fez tão mal à Caixa em tão pouco tempo”.

Seria o deputado socialista Paulo Trigo Pereira a defender a honra do PS, acusando a direita — sobretudo o PSD, que seria alvo preferencial dos ataques de PS, Bloco e PCP — de estar mergulhada em “contradições insanáveis”. Para o deputado socialista, aliás, PSD e CDS estão a ser movidos por dois únicos objetivos: procurar, através de sucessivos casos associados à Caixa, desestabilizar politicamente o Governo de António Costa; e “atrasar, prejudicar e inviabilizar” a recapitalização da Caixa.

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João Galamba, deputado e porta-voz do PS, não deixou cair o argumento de Trigo Pereira e pediu aos sociais-democratas para serem “sérios”. “Abandonem o terrorismo político”, desafiou o socialista.

Bloco de Esquerda e PCP, à vez, repetiriam o mesmo argumento. A deputada bloquista Mariana Mortágua fez questão de lembrar que o PSD teve, por três vezes nos últimos dois meses, “oportunidades para limitar os salários” na Caixa Geral de Depósitos e que, por três vezes, votaram contra. Prova provada de que os dois partidos estão apenas empenhados em prejudicar todo o processo de capitalização do banco público e, com isso, conseguir ganhos políticos, argumentou a bloquista.

Miguel Tiago, do PCP, levaria o argumento mais longe. A tentativa velada de PSD e CDS frustrarem a recapitalização da Caixa, defendeu o comunista, tem como objetivo último abrir espaço à privatização da Caixa — um objetivo de que o PSD “não abdica” e que o CDS “esconde”.

A acusação do comunista elevaria o tom de um debate que já estava inflamado. Cecília Meireles assumiu a defesa da bancada democrata-cristã e garantiu que “o CDS nunca defendeu a privatização da CGD”. “O CDS sempre defendeu a CGD como banco público e banco de fomento para pequenas e médias-empresas. O CDS jamais fez parte de um Governo em que estivesse inscrito no seu programa a privatização da Caixa”, afirmou a deputada.

Do debate, no entanto, salta uma conclusão óbvia: apesar de não concordarem, entre outros aspetos, com os salários “milionários” que os gestores públicos podem auferir, bloquistas e comunistas não vão ser parceiros de tango de PSD e CDS. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu durante a discussão do Orçamento do Estado, a esquerda apareceu afinada e unida em nome de um objetivo: garantir que o processo de recapitalização da Caixa não sofre (mais) nenhum percalço. Nesta questão, esse é mesmo o principal cimento da aliança de esquerda.

Os dois diplomas de PSD e CDS deverão ser votados na quarta-feira, mas o Estatuto de Gestor Público aprovado pelo Governo socialista deve manter-se inalterado. O que não significa que o assunto fique encerrado: depois de um debate em que ficou claro que o chumbo aos projetos de lei de PSD e CDS é praticamente certo, Luís Marques Guedes garantiu que, se o Executivo de António Costa não recuara e abandonar a “atitude de autista” em que mergulhou, então os sociais-democratas vão pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade das alterações introduzidas à lei. Esperam-se, por isso, novos episódios.