Jerome Powell — “Jay”, para os amigos — deve ser a escolha de Donald Trump para o que é, provavelmente, o cargo mais importante no mundo das finanças: a liderança da Reserva Federal, o banco central dos EUA. A escolha ainda não é oficial, mas a lista de possíveis candidatos estreitou-se cada vez mais nas últimas semanas e duas fontes próximas da Casa Branca disseram à CNN que Trump (ainda pode mudar de ideias mas) deverá optar pela nomeação do homem que já é um dos governadores da Reserva Federal — é, com efeito, o mais abastado do grupo, com uma fortuna avaliada em entre 21,3 milhões e 72,2 milhões de dólares (18,3 milhões e 62 milhões de euros).

A Reserva Federal — os seus governadores e, sobretudo, o seu presidente — tem nas mãos a supervisão da banca norte-americana e a política monetária do dólar, onde cada pequena decisão tem ramificações verdadeiramente globais: desde influenciar quanto um americano paga para refinanciar a sua hipoteca até quanto o Estado português paga para emitir dívida nos mercados, passando por mil e uma coisas como o preço do petróleo e de outras matérias-primas.

A Fed é, por tudo isto, o banco central mais poderoso do mundo e ao contrário do que é habitual, a confirmar-se a escolha, Powell será uma opção pouco convencional: tipicamente os líderes da “Fed” são economistas ou académicos, mas Powell tem um currículo mais ligado à banca de investimento e à área jurídica. É um republicano mas foi nomeado para o conselho de administração da Reserva Federal em 2012, pelo democrata Barack Obama.

Trump prepara-se, também, para quebrar a tradição recente: um novo presidente tende a optar pela recondução do líder da Reserva Federal nomeado pelo presidente anterior (Barack Obama, por exemplo, reconduziu Ben Bernanke em 2008, que tinha sido nomeado por George W. Bush) mas desta vez não será o caso.

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Enquanto governador da Reserva Federal, trabalhou sob a liderança da mulher que deverá, agora, substituir: Janet Yellen, duramente criticada por Donald Trump durante a campanha presidencial. O candidato que viria a tornar-se presidente dos EUA acusava Yellen de manter as taxas de juro “artificialmente baixas”, mais baixas do que aquilo que era melhor para a economia, com o objetivo de reconduzir o Partido Democrata na Casa Branca — ou seja, para aliviar o “cinto” das famílias norte-americanas e contribuir para uma vitória de Hillary Clinton.

Janet Yellen sempre garantiu que todas as decisões foram e são tomadas com total independência, de acordo com aquele que é o melhor julgamento da Fed sobre a situação económica. Após a tomada de posse de Donald Trump, baixou a agressividade do ex-magnata do imobiliário em relação à presidente da Fed cujo mandato termina em fevereiro. Tanto que, nas últimas semanas, com vários nomes a surgirem como possíveis candidatos, houve quem acreditasse que talvez Yellen fosse reconduzida. Mas esse cenário não deverá confirmar-se, segundo as fontes citadas pela CNN.

Janet Yellen foi duramente criticada por Donald Trump durante a campanha, acusada de tentar favorecer uma vitória democrata através da política monetária.

O anúncio oficial poderá ser feito esta quinta-feira, dizem fontes citadas pelo The New York Times. Esse é o dia ideal porque já será depois da reunião de política monetária da Reserva Federal, que termina na quarta-feira, e será antes de Donald Trump partir para a Ásia, na sexta-feira, para uma importante viagem diplomática que terá a duração de 12 dias.

Na Casa Branca, Powell é descrito como uma “escolha segura” para Trump. Isto porque, por um lado, tem ligações bem enraizadas ao Partido Republicano e à indústria financeira e, por outro, sempre foi um apoiante da abordagem de Janet Yellen. Aliás, Powell nunca surgiu como dissidente nas decisões de política monetária no mandato de Yellen.

Nestes anos, Powell foi sempre um alinhado com a direção da Fed, o que fez com que seja considerado, tal como Yellen, alguém que prefere uma política mais expansionista, nas circunstâncias certas, em detrimento de uma política mais cautelosa e mais avessa a estímulos monetários. Na gíria dos mercados financeiros, isso significa que Powell tende mais a ser uma “pomba” (dove) do que um “falcão” (hawk) da política monetária.

Em contraste, um nome muito falado como possível candidato — John Taylor — é um crítico feroz da política da Fed, o que poderia levar a uma reação mais cautelosa por parte dos mercados financeiros, que veriam em Taylor uma mudança de rumo com consequências imprevisíveis.

Apesar de poder ser uma “escolha segura” e uma opção por um homem “discreto”, Donald Trump não deixou, por isso, de fazer desta escolha um “show”. Num vídeo publicado na rede social Instagram, o presidente dos EUA garantiu que “todos vão ficar muito impressionados” com a escolha de Trump para a Reserva Federal. A pessoa “muito específica” que Trump tem em mente vai, “esperamos, fazer um trabalho fantástico” à frente da Fed.

A “pessoa muito específica” será, assim, Jerome H. Powell, filho de advogado que nasceu em Washington em 1953. A confirmar-se, vai celebrar o 65º aniversário no mês em que toma posse à frente da Reserva Federal, em fevereiro de 2018.

A carreira de Powell sempre esteve ligada à banca de investimento, chegando a vice-presidente da Dillon, Read & Co. antes de, em 1990, passar para a política — originalmente a área de formação em Princeton. A passagem para a política pela mão de um antigo chefe: o secretário do Tesouro era Nicholas Brady, que tinha sido presidente do conselho de administração do Dillon, Read & Co., o banco de investimento em que trabalhava Powell. Poucos anos depois, em 1992, George W. Bush nomeou-o para adjunto do secretário do Tesouro.

A carreira de Powell pareceu estar em risco alguns anos depois, quando o financeiro começou a trabalhar com a Bankers Trust, uma instituição que acabou por perder toda a “trust” (confiança) dos clientes quando perderam milhões com negócios envolvendo derivados financeiros, instrumentos complexos que acabaram por fazer com que a Bankers Trust fosse processada pelo Estado e por outras instituições, como a Procter & Gamble.

Powell acabaria por sair da Bankers Trust e decidiu voltar à base: a Dillon, Read & Co., um banco mais vocacionado para a gestão de património e menos para transações financeiras. Jay acabaria por participar em outras iniciativas além da Dillon, Read & Co. e chegou a ser sócio do influente private equity Carlyle Group. Terá sido nessa altura que acumulou a principal fatia da fortuna que hoje acumula.

Só em 2012 voltaria a abandonar o setor privado, tendo sido um dos dois nomeados por Barack Obama para a Fed numa altura em que foi necessário colocar mais pessoas ligadas ao Partido Republicano para garantir apoio dos dois lados da “barricada” para resolver problemas como o famigerado “teto da dívida” federal dos EUA.

Foi em 2013, contudo, que Powell ganhou notoriedade, com um discurso em que defendia o fim das instituições “demasiado grandes para falir”, uma das lições que algumas pessoas aprenderam com a crise financeira de 2008. Esse discurso terá sido decisivo para que Powell tenha assumido, dentro da Fed, a liderança de um comité encarregado de monitorizar, precisamente, a dimensão das instituições financeiras e o alcance das suas ramificações.