A Comissão Europeia espera que o défice do ano passado tenha ficado abaixo dos 1,4% da meta do Governo, tal como o primeiro-ministro já havia antecipado. Mas também espera que o défice deste ano venha a ser superior aos 1,4% que Bruxelas previa no início de novembro. É uma consequência das mudanças feitas ao Orçamento do Estado já no Parlamento.

No relatório da sétima missão de supervisão Pós-Programa, dado a conhecer esta sexta-feira pela Comissão Europeia, os técnicos da Comissão explicam que há várias medidas das quais não esperam os mesmos resultados que o Governo devido ao historial nos últimos dois anos da aplicação de medidas semelhantes.

É o caso das despesas com pessoal na Função Pública, que a Comissão espera que venham a custar mais cerca de 400 milhões de euros do que o esperado nas previsões do Governo, e das despesas com prestações sociais, onde Bruxelas antecipa uma derrapagem em cerca de 200 milhões de euros.

Segundo os técnicos, estas previsões mais pessimistas são explicadas pelo padrão dos gastos com estas rubricas e da eficiência de medidas semelhantes aplicadas nestas áreas em 2016 e 2017, ou seja, desde que este Governo está em funções.

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Nos dois primeiros orçamentos deste Governo, Mário Centeno inscreveu uma previsão de redução do número de funcionários públicos que acabou por não se verificar. No ano passado, de acordo com a última estimativa do próprio Governo, em vez de descer 0,8%, o número de funcionários públicos teria aumentado. A Comissão Europeia antecipa ainda menos cerca de 200 milhões de euros de receita com impostos indiretos, devido a previsões mais conservadores feitas pela Comissão.

Se estes números se confirmassem, o Orçamento teria uma derrapagem de pelo menos 800 milhões de euros este ano.

No entanto, há ainda outro fator a ter em causa, o custo dos incêndios e das medidas que foram integradas no Orçamento do Estado durante o processo de especialidade. Só com as medidas tomadas em resposta aos incêndios de outubro – a parte do custo do pacote para responder ao que aconteceu em Pedrógão Grande já estava no orçamento –, o Governo esperava mais 124 milhões de euros de gastos. Isso levou a que a estimativa do défice fosse alterada de 1% para 1,1% do PIB pelo próprio Governo, ainda que não em nenhum documento oficial.

A isto acrescem outros custos que possam ter surgido com medidas negociadas com o Bloco de Esquerda, o PCP, Os Verdes e o PAN, e até medidas que foram iniciativa do Partido Socialista. Segundo a Comissão, apesar de a missão ter acontecido já depois da aprovação final global do orçamento, o Governo disse não estar em condições de estimar o impacto destas alterações nas contas públicas.

De acordo com uma análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), estas alterações, incluindo os gastos adicionais em resposta aos incêndios deste verão, podem custar cerca de 200 milhões de euros, o que colocaria a derrapagem num valor superior a mil milhões de euros, face ao previsto.

Pagamentos em atraso na Saúde: mil milhões em outubro

A Comissão alerta para mais um aumento dos pagamentos em atraso dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde que subiram 480 milhões de euros até outubro, para mais de mil milhões de euros. A saúde é o setor que mais peso tem na dívida do Estado aos fornecedores que em outubro estava nos 1.300 milhões de euros. Bruxelas diz que estes atrasos resultam, em grande medida, de um problema de suborçamentação, ou seja, o dinheiro destinado aos hospitais não é suficiente para cobrir as despesas.

Uma das soluções tem passado pelas transferências através de aumentos de capital dos hospitais empresa. Entre 2017 e 2018 serão mais 500 milhões de euros que deverão permitir reduzir substancialmente os pagamentos atrasados. No entanto, estas repetidas injeções não atacam o problema de fundo que resulta na acumulação de dividas. Uma das novas medidas previstas para 2018 é o reforço da autonomia na gestão dos hospitais para promover a inovação e eficiência na organização.

Medidas recentes aumentam custo com pensões

Bruxelas alerta para as medidas recentes que vão aumentar a despesa com pensões, nomeadamente as reformas antecipadas para longas carreiras (com impacto pequeno) e a atualização extraordinárias de pensões mais baixas em 2017 e 2018, com um impacto mais relevante.

As transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social devem terminar este ano, mas esse “desenvolvimento positivo” está suportado na recuperação económica e no forte crescimento esperado das contribuições sociais (mais 5,6%). Por outro lado, o aumento de 5,1% na despesa com pensões irá reduzir o excedente da Segurança Social em 2018, de 1.5 mil milhões para mil milhões de euros. A Comissão regista ainda as novas receitas, como a transferência da cobrança de impostos para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que deverá começar a financiar a despesa corrente do sistema em meados da próxima década.

Banca melhorou, mas vulnerabilidades do passado estão bem presentes

A Comissão Europeia reconhece os sinais positivos na banca portuguesa, destacando a retoma económica, a estratégia para reduzir o crédito malparado e o reforço de capitais feito pelos acionistas em alguns bancos nacionais.

“Ainda assim, as vulnerabilidades acumuladas antes e durante a crise continuam bem presentes no sistema e a afetar o negócio do dia à dia”. Os bancos devem por isso aproveitar o atual contexto para atacar essas vulnerabilidades. Em particular, acrescenta Bruxelas, os créditos problemáticos por resolver que pesam nos balanço enfraquecem a rentabilidade e as almofadas de capital que continuam abaixo dos pares europeus.

A Comissão destaca ainda as grandes diferenças persistem entre os bancos, uns com lucros e outros com prejuízo.

Bruxelas regista ainda que os bancos conseguiram reduzir os custos operacionais em 2017 mais depressa do que aumentar a receita das comissões. No final de 2016, o número de agências caiu para menos de 50 por 100 mil habitantes, o que ainda é o dobro da média da União Europeia. Já o número de empregados por habitante está mais em linha com a média europeia. Apesar das reduções de custos “tangíveis” já feitas, este esforço é para prosseguir à medida que o negócio é transferido para os canais online, o que obriga também a investir fortemente em tecnologias digitais.

Governo admite que Bruxelas pede reforço no ímpeto reformista

O Ministério das Finanças sublinha que Bruxelas reconhece a melhoria nas contas do Estado e que agora já admite que o défice no ano passado ficou abaixo da previsão divulga no Outono. Destaque ainda para a maior queda da dívida pública em 19 anos, registada no ano passado. O gabinete de Mário Centeno realça a previsão da Comissão segundo a qual a dívida pública portuguesa irá baixar 9,9 pontos percentuais do PIB entre 2016 e 2019.

Apesar de registar os impactos positivos que a recuperação económica e financeira e as medidas do Governo tiveram no setor bancário, o Governo alinha com a posição de Bruxelas de que é necessário continua a atuar. O Ministério admite que Bruxelas pede um “reforço do ímpeto reformista” — referindo em particular as novas políticas ativas de emprego — mas conclui que os avanços apontados nas reformas estruturais “estão intimamente ligados à estratégia de equilíbrio seguida desde o início da legislatura”, que segundo as Finanças, combina o rigor na gestão das contas públicas com o estímulo ao crescimento.

Comissão e BCE pedem maior redução da dívida pública ao Governo