O procurador Orlando Figueira, que está a ser julgado por corrupção, diz que o processo movido contra ele serviu para atingir a sua então coordenadora no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Cândida Almeida não foi reconduzida no cargo que ocupava há mais de uma década por Joana Marques Vidal, depois de ser nomeada Procuradora-Geral da República.
A revelação foi feita já à tarde, e em resposta ao advogado João Correia, depois de o arguido garantir que a única pessoa com quem falou sobre o a promessa do contrato de trabalho para Angola foi com o amigo, o juiz Carlos Alexandre. Ainda assim, assumiu que este processo toca no “coração” da então responsável pela coordenadora do DCIAP, Cândida Almeida — que tinha que confirmar todos os despachos de arquivamento.
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O que tem de saber sobre esta sessão
As frases do dia
“Recordo-me agora que neste processo 77, o estado angolano terá dito que não tinha nada contra Álvaro Sobrinho e que teria sido o general Kopelipa a obrigar o procurador a dizer que sim” (Orlando Figueira)
“Posso ter errado. Mas a que levaram as diligências do meu colega? Ao mesmo resultado: arquivamento” (Orlando Figueira em relação ao despacho de arquivamento de um processo que envolvia Manuel Vicente)
“Sim, este meu processo toca diretamente na Cândida Almeida. Ao tocarem-me a mim, tocam nela” (Orlando Figueira)
“Mas fala em lavagem e em meias brancas, era o quê?” (procuradora Leonor Machado)
Decisões importantes
O coletivo de juízes admitiu o requerimento de Paulo Blanco em que pede que sejam analisados em julgamento três inquéritos que correram termos e foram arquivados no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. O Observador sabe que, em pelo menos um desses processos, era investigado Carlos Silva — o banqueiro que terá “contratado” Orlando Figueira, segundo o seu testemunho.
Quem foi ouvido
O procurador Orlando Figueira foi interrogado pelo Ministério Público e pelos advogados. Na próxima sessão será o arguido Paulo Blanco, advogado, a defender-se.
Quando é a próxima sessão
Segunda-feira, 29 de janeiro.
Orlando Figueira lembrou que Cândida Almeida foi afastada do cargo, em 2013, depois da nomeação de Joana Marques Vidal para Procuradora-Geral. E que antes o seu nome chegou a ser avançado para o cargo. “Sim, este meu processo toca diretamente na Cândida Almeida. Ao tocarem-me a mim, tocam nela”, disse, acrescentando que magistrada “veste a camisola do MP a 100%”. “Mesmo em despachos que acabam em perguntas”, ironizou. “É evidente que a saída de Cândida Almeida do DCIAP é uma sangria, depois fazem-se auditorias, detetam-se falhas, há umas noites de facas longas”, argumentou.
O magistrado revelou ainda que as reuniões entre a Procuradoria-Geral da República Portuguesa e Angolana eram comuns para analisar informações investigadas de um lado e de outro, E até lembrou as declarações do então ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, que pediu desculpa a Angola pelos inquéritos abertos pela justiça portuguesa. “Houve procuradores na altura chamados a fazer despachos a correr”, garantiu, apesar de na altura estar de licença sem vencimento.
Era uma “questão política entre Estados”, acabou por admitir. Daí a celeridade em despachar processos. “Era um magistrado que despachava com celeridade”, lançou o juiz. “Sim, era uma questão de sentido de Estado e de responsabilidade, tida por mim e pela Dra. Cândida Almeida”, justificou. Lembrando que quando arquivou o processo relativo a Manuel Vicente, fê-lo de acordo com a apreciação da coordenação, que foi alertada para as eleições e para a necessidade de resolver o caso rapidamente.
Ainda assim, como chamou à atenção o advogado Rui Patrício — que representa Manuel Vicente e Armindo Pires — quando um dos despachos de arquivamento foi proferido, já Manuel Vicente tinha sido nomeado ministro do Estado para a Coordenação Económica em Angola, deitando por terra a tese da acusação do Ministério Público.
Uma loira, um par de meias e o Ricky Martin. As notas secretas de Orlando Figueira
Pela primeira vez em quatro sessões de julgamento, o procurador Orlando Figueira assumiu um erro nos seus despachos “tecnicamente irrepreensíveis” e teve uma falha de memória. O confronto com a colega do Ministério Público (MP), a procuradora Leonor Machado, não está a ser fácil e o juiz presidente já teve várias vezes que interromper e chamar a atenção do arguido, julgado por corrupção, branqueamento, falsificação e violação do segredo de justiça.
Leonor Machado confrontou, esta quinta-feira, o arguido com um bloco de notas que lhe foi apreendido. Era ali, segundo explicou, que tomava “notas pessoais”. Orlando Figueira teve algumas dificuldades em reproduzir o que ele próprio escreveu a 24/11/2011 sobre um encontro no Central Park (que diz ser em Lisboa, mas que é em Linda-a-Velha). “Posso ter escrito isso aí e não ter sido nesse dia”, salvaguardou. Com persistência acabou por ler, num tom mais baixo do que o que tem usado, que nesse encontro se falou num requerimento feito pelo empresário Álvaro Sobrinho a um processo em que estava a ser investigada uma megafraude ao tesouro angolano. Escrevia sobre a sua relação com o também arguido, o advogado Paulo Blanco. “Dizem que estou feito com ele e com o estado angolano”, lê-se.
Referia ainda que, nesse requerimento, Álvaro Sobrinho dizia que o estado angolano nada queria dele, mas do Pinto Mascarenhas. Dele só a ‘loira’ e o ‘Ricky Martin'”. A procuradora pergunta-lhe a que se referem estes códigos. Quem seria a “loira” e o “Ricky Martin”? Mas, pela primeira vez, o procurador diz, desconcertado, não se lembrar. “São notas minhas que na altura eram importantes”, atira.
“Mas fala em lavagem e em meias brancas, era o quê?” e em “Angola Gate”, pergunta a procuradora. Sem conseguir uma resposta. Nas notas lê-se ainda que o “Procurador Geral de Angola foi obrigado pelo Kopelipa a assinar documentos”. A magistrada confronta-o e Orlando Figueira tem um rasgo de memória: “que eu me lembre foi no processo de Álvaro Sobrinho”, diz. “Recordo-me agora que neste processo 77, o estado angolano terá dito que não tinha nada contra Álvaro Sobrinho e que teria sido o general a obrigar o procurador a dizer que sim”, conclui. “Mas refere-se sempre a Angola Gate quando se refere a personalidades angolanas?”, insistiu a magistrada. Mais uma vez, sem resposta.
Afinal o procurador pode ter errado
Antes deste episódio, a procuradora pediu que juntos analisassem a reabertura de um dos processos que a acusação diz que arquivou — depois de ter recebido dinheiro do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente. Orlando Figueira investigava a compra de 24% do BES Angola pela Portmill e a origem desse dinheiro, mas no seu despacho de arquivamento dizia que dificilmente chegaria aos proprietários da empresa. No despacho de reabertura deste processo, já depois de Figueira ter saído da magistratura, o procurador Paulo Gonçalves viria a criticar a sua atuação, explicando que não seguiu o princípio básico da investigação dos crimes de branqueamento, o “follow the money”. Ou seja, Orlando Figueira não teria procurado os verdadeiros beneficiários deste valor.
Orlando Figueira, que até esta quarta sessão no Campus de Justiça disse sempre que os seus despachos eram “tecnicamente irrepreensíveis”, respondeu que “talvez” tivesse “errado”.”Mas a que levaram as diligências do meu colega? Ao mesmo resultado: arquivamento” justificou.
Por diversas vezes ao longo desta manhã o juiz presidente, Alfredo Costa, teve que lembrar Orlando Figueira que devia responder à sua colega “com educação”. A procuradora Leonor Machado também o lembrou que era ela que dirigia “o debate”. Um debate que já terminou. Orlando Figueira está agora a ser interrogado pelo advogado do assistente.