“Ou o PS está a lado dos trabalhadores ou está a encostar-se ao PSD e ao CDS.” É a prova dos nove aquilo que os comunistas querem fazer esta quarta-feira na Assembleia da República, com nova leva de projetos de lei sobre matérias laborais. Enquanto o Governo não avança com uma proposta (será apresentada dia 23 deste mês na concertação social) para alterar alguns pontos das leis do trabalho, o PCP pressiona no Parlamento para tentar conseguir o que quer dessa reforma. Mas no que será debatido hoje, não terá o PS no seu lado.
O fim do banco de horas individual e grupal e a regulação das convenções coletivas são os dois pontos fortes que vão a debate, aliás, Rita Rato, do PCP, considera-os mesmo “o esqueleto dos direitos dos trabalhadores, são matérias estruturais”. Mas os socialistas, até agora, só mostraram abertura para um deles. O ministro Vieira da Silva reconhece que no fim do banco de horas individual existe uma diminuição do “papel e a importância da contração coletiva”. Ainda assim, o PCP entra no debate desta quinta-feira sem ter a certeza se o PS viabilizará essa proposta que os comunistas avançam já. Uma coisa é certa, o PCP não aceita que o seu projeto sobre esta matéria não seja votado, até porque quer tirar a limpo de que lado está o PS.
E se o PS ficar do lado de lá? “Os trabalhadores ficam a perceber que não há Governo de esquerda. Que há um Governo do PS e que a luta dos trabalhadores continuará a ser determinante para que o PS reconheça os seus direitos”, responde Rita Rato. É mais um episódio do braço de ferro no trabalho, que já prometia marcar o ano político da “geringonça”. O Governo tenciona resolver a questão ainda nesta sessão legislativa, com a sua proposta a ser apresentada aos parceiros sociais a 23 de março. Só depois disso será negociada e também com os parceiros de esquerda, no Parlamento. Ambas as partes estão empenhadas em ter o assunto resolvido ainda este ano, fora do clima eleitoral.
A perspectiva do Executivo é, no entanto, bem diferente quanto à importância das matérias. Para Vieira da Silva, o ponto-chave do pacote de medidas para o trabalho é a limitação dos contratos a prazo — e essa não estará em debate esta quarta-feira. Nesta matéria, o ministro ainda não desistiu completamente da ideia de diferenciar a taxa social única (TSU) consoante a modalidade de contrato. O que está em cima da mesa há dez anos — mas nunca posto em prática — é que a TSU paga pelo empregador seja agravada em três pontos percentuais no caso de contratos a prazo e desagravada em 1 ponto, no caso dos contratos sem termo.
Mas aqui não há avanço possível à esquerda, com a resistência do Bloco de Esquerda a manter-se. O deputado José Soeiro diz que “uma empresa que cumpra a lei não tem de ser premiada por fazer o que é suposto”, opondo-se a qualquer desagravamento da TSU que, aliás, viola acordos assinados em 2015, pela altura da viabilização do Governo PS: “Não creio que o Governo queira pôr em causa o acordo que assinou connosco”.
O Governo pode procurar a direita para conseguir avançar com esta ideia? O deputado garante que, nas reuniões que o Bloco tem mantido com o Governo (especificamente com os responsáveis do Trabalho), “o sinal” que têm “não é esse”: “Estamos convictos de que haverá uma solução passível de ser subscrita por ambas as partes”. O BE aceita que se agrave a TSU dos empregadores nos contratos a prazo, mas não quer compensações. Defende, sim, “restrições aos modelos de contrato a prazo”.
Este outro parceiro do Governo também tem propostas nas mesmas matérias que o PCP agendou para o debate que pediu para esta quinta-feira. E na questão do fim do banco de horas individual também assume que “há identificação do ponto de vista político sobre o conteúdo do projeto”, embora não arrisque dizer o que fará o PS no momento da votação dos projetos dos seus parceiros. Ainda assim, alimentam bem menos expectativas quanto ao banco de horas grupal, à caducidade da contratação coletiva e na reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador. Aqui já têm a certeza que os socialistas não pretendem ceder.
O PCP queixa-se e nota que “o Governo se tem mostrado indisponível para estas questões”. Aponta mesmo que “desde 2012” os socialistas “andam a ser confrontados com o banco de horas” — que a esquerda considera ter sido criado para os empregadores não pagarem horas extra e organizarem o trabalho de acordo com o que lhes é mais conveniente — e agora volta a insistir, com o PS sentado no Governo que os comunistas têm apoiado no Parlamento. “O PS tem de decidir de que lado está”, volta a atirar Rita Rato. Mas sem consequências políticas diretamente associadas a uma nova nega socialista.