A televisão moçambicana TIM e a agência de notícias France-Presse avançaram na tarde desta quinta-feira que Afonso Dhlakama, histórico líder da Renamo, morreu. Tinha 65 anos. A causa da morte de Dhlakama não foi ainda divulgada oficialmente pelo partido a que presidia, sabendo-se apenas que Dhlakama terá morrido nas matas da serra da Gorongosa, na província de Sofala, em Moçambique, onde se havia refugiado em 2015 após o regresso do conflito armado (2014-2016) ao país.

Em Moçambique, contudo, circulam vários rumores contraditórios quanto à morte de Dhlakama: alguns apontam para um alegado envenenamento como razão da morte do ex-guerrilheiro moçambicano, outros para uma complicação relacionada com a diabetes, não tendo Dhlakama sido transportado da Gorongosa para um hospital moçambicano a tempo e, portanto, morrido ainda a bordo de um helicóptero.

Afonso Dhlakama tornou-se líder da Renamo durante o auge da guerra civil que assolou o país e provocou centenas de milhares de mortos. Recorde-se que a guerra civil começou em 1977, dois anos após o fim da Guerra de Independência de Moçambique, e apenas terminaria em 1992, aquando da assinatura, em Roma, do Acordo Geral de Paz entre a Renamo e a Frelimo de Joaquim Chissano, antigo presidente de Moçambique.

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Então, a Renamo tornar-se-ia oficialmente um partido, na oposição, nunca abandonando, contudo, um contingente armado que se envolveu, ao longo dos anos, em vários ciclos de violência com as forças governamentais da Frelimo, sobretudo após a realização de eleições.

Em abril, o presidente moçambicano Filipe Nyusi, da Frelimo, confirmou que o Governo e a Renamo se encontravam a negociar e a finalizar um acordo para o desarmamento, desmobilização e reintegração dos combatentes da Renamo nas forças armadas e de segurança do país — esta reintegração sempre foi uma exigência pública de Afonso Dhlakama. “Conseguimos encetar um diálogo com o presidente da Renamo e, através de contactos, temos estado a construir confiança mútua, que até ao momento ajudou o nosso país a parar com a violência”, explicou Filipe Nyusi.

Também em abril último, a líder parlamentar da Renamo, Ivone Soares, afirmou que Afonso Dhlakama poderia em breve abandonar a Gorongosa e regressar a Maputo para liderar a oposição na capital. “Estamos a trabalhar para que a saída do presidente Afonso Dhlakama seja para breve, com as medidas de segurança acauteladas e com o término das negociações militares, que englobam garantias de que as forças residuais da Renamo vão ser acopladas dentro do exército único do estado moçambicano”, garantia Ivone Soares.

Em março de 2017 foi assinado entre a Renamo e a Frelimo o último cessar-fogo.

Contactado pelo Observador, um politólogo que privou com Dhlakama, descreve o presidente da Renamo como “um guerrilheiro, essencialmente um guerrilheiro de sucesso”. E explica: “Ao contrário da UNITA, por exemplo, que foi apoiada pelos Estados Unidos, a Renamo foi apoiada pelos rodesianos no início mas nunca recebeu um apoio tão empenhado. Ainda assim, ele [Dhlakama] conseguiu a paz, ou melhor, obrigaria à paz. Foi alguém que conseguiu manter uma guerrilha a funcionar durante anos porque tinha qualidades de chefia, tinha uma noção muito forte do mapa de Moçambique, era hábil, mesmo não sendo um intelectual como Savimbi era, com grandes estudos”.

Afonso Dhlakama e Filipe Nyusi reaproximaram-se ultimamente. Agora, e com a morte do líder da Renamo, o que esperar dos acordos que estavam a ser negociados?

“Não sei. Há ali uma gente na Frelimo, gente mais velha, que têm Dhlakama como uma espinha encravada na garganta. A verdade é que ele e Nyusi reconstruiram uma linha de uma certa aproximação e, até, de confiança. Veremos o que acontece, veremos… O grande risco é a Frelimo rejeitar as medidas negociadas com o Dhlakama. Se isso acontecer, temo que haja um movimento daqueles que, dentro da Renamo, são mais guerrilheiros, militarizados, e isso fragmente novamente as relações — o que pode trazer problemas sérios. Se nada for rejeitado, no entanto, acredito que os sucessores do Dhlakama — seja a Ivone Soares, seja quem for — não vão certamente quebrar os entendimentos já alcançados”, explicou a o politólogo ouvido pelo Observador.

Uma vez guerrilheiro, sempre guerrilheiro

Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu no primeiro dia do ano de 1953. Com o fim da Guerra Colonial, em 1974, Dhlakama ingressou na Frelimo, abandonando o partido, em divergência, dois anos volvidos.

Então, funda em Harare, no Zimbabué, a Resistência Nacional de Moçambique, a RNM, um movimento armado apoiado pelos serviços secretos da Rodésia — tendo a RNM como principais ideólogos políticos e militares, para além de Dhlakama, o chefe dos serviços secretos rodesianos, Ken Flower, e Orlando Cristina, antigo membro da PIDE-DGS. As primeiras ações armadas da RNM registam-se na Gorongosa, precisamente onde esta quinta-feira o líder da Renamo morreu.

O primeiro líder do movimento foi André Matsangaissa, como Dhlakama um dissidente da Frelimo. Após o assassinato de Matsangaissa em 1979, Dhlakama assume a liderança, passando o movimento (ainda armado e pouco político) a denominar-se Renamo. E o conflito continuou. Só após a morte de Samora Machel, antigo presidente de Moçambique, em 1986, e com a chegada ao poder de Joaquim Chissano, o acordo de paz se assinou, em 1992.

Várias vezes Dhlakama concorreu às eleições em Moçambique. A primeira vez que concorre é no ano de 1994. Joaquim Chissano é eleito Presidente. Dhlakama não contestaria os resultados. Mas contestou em 1999, após a derrota da Renamo, que viu Chissano (Frelimo) ganhar novamente. A paz não perduraria. Houve pelo menos 40 mortos durante um protesto da Renamo na cidade de Montepuez. Dezenas de pessoas foram detidas então, 83 acabaram por morrer, sufocadas, numa cela.

Quando Armando Guebuza vence as presidenciais de 2004, Dhlakama rejeita os resultados, como rejeitaria em 2009, após a recondução de Guebuza. Mesmo sendo a Renamo o maior partido da oposição, Dhlakama regressa em 2012 à antiga base do partido que dirige, em Satunjira, na Gorongosa. A instabilidade político-militar toma o país de assalto, a Frelimo responsabiliza a Renamo por sucessivos ataques armados em Moçambique, tomando, em outubro de 2013, a base de Satunjira.

O Acordo Geral de Paz, já de si frágil, rompe-se, só chegando Afonso Dhlakama e Armando Guebuza a novo acordo um ano depois, na véspera do ato eleitoral de 2014. Filipe Nyusi, atual presidente, vence e, como até aqui, Dhlakama contesta, reclamando governar as províncias em que a Renamo triunfou. Nyusi e Frelimo rejeitam. E o presidente moçambicano apenas se reaproximaria de Afonso Dhlakama recentemente, negociando ainda, e até à morte de Dhlakama, o desarmamento do partido da oposição.

Marcelo lamenta morte de líder da Renamo

O chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou esta quinta-feira a morte do líder da Resistência Nacional Moçambicana, Afonso Dhlakama, pela qual expressou o seu pesar ao Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi.

Numa curta nota, de dois parágrafos, publicada no portal da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa “lamenta a morte de Afonso Dhlakama” e “apresenta as suas condolências à família” do presidente da Renamo, referindo que “anos atrás” os dois se encontraram em Moçambique.

“Em mensagem enviada ao Presidente Nyusi, o chefe de Estado expressou o seu pesar pelo falecimento do líder da Renamo, partido com assento na Assembleia da República de Moçambique, e interlocutor privilegiado nos caminhos do diálogo, da paz e da concórdia neste nosso país irmão”, lê-se na mesma nota.

Nyusi manifesta dor e diz que tentou transferir Dhlakama para fora do país

O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, manifestou esta quinta-feira dor com a morte de Afonso Dhlakama, revelando ter enviado um helicóptero para transferir o líder da Renamo para tratamento médico no estrangeiro. “O momento torna-se muito mau para mim, porque eu, desde ontem, estive a fazer um esforço para ver se transferia o meu irmão para fora do país”, afirmou Filipe Nyusi, falando ao telefone para o canal público TVM.

Filipe Nyusi adiantou que tomou conhecimento na quinta-feira de que o líder da Renamo estava doente há uma semana, tendo feito diligências para que fosse levado de helicóptero da Serra de Gorongosa, centro de Moçambique, para tratamento médico fora do país. “Estava há uma semana mal”, declarou Filipe Nyusi.

Repetindo que se sentia mal com a morte de Afonso Dhlakama, o Presidente moçambicano disse que o líder da Renamo pediu-lhe para que o processo de paz em curso no país terminasse com sucesso. “Da última vez que falou disse ‘não vamos falhar nada’”, declarou Filipe Nyusi. O chefe de Estado moçambicano apelou ao país para que a morte de Afonso Dhlakama não seja usada para qualquer tipo de aproveitamento.

Frelimo diz que morreu um “parceiro estratégico para a paz”

A Frelimo, partido no poder em Moçambique, considerou esta quinta-feira o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, um parceiro estratégico para a paz e estabilidade, lamentando a morte do líder do principal partido da oposição.“Para nós, colheu-nos de surpresa e com muita dor, era um parceiro estratégico para a paz e estabilidade no país”, afirmou o porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique, Caifadine Manasse, em declarações ao canal privado STV.

Caifadine Manasse assinalou o empenho de Afonso Dhlakama no alcance com o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, de um entendimento para uma proposta de revisão pontual da Constituição da República sobre o aprofundamento da descentralização do país. “Tudo indicava que ele estava a percorrer um caminho para a paz”, acrescentou Caifadine Manasse, pedindo serenidade e compromisso com a paz aos membros da Renamo. “A Renamo vai-se reorganizar, eles têm interesse em ver esta paz”, enfatizou.