Esta tarde o Parlamento tem um guião de votações de 60 páginas de iniciativas do Governo e dos partidos à procura de aprovação, mesmo no fecho da sessão legislativa. Adivinha-se uma longa tarde de trabalhos parlamentares que, na verdade, já começou — e de forma intensa — muito antes desta quarta-feira. Nas cerca de 24 horas que antecederam este momento, as comissões parlamentares fizeram maratonas de votações na especialidade e outras tantas de negociações de última hora. Houve temas de peso de que o Governo só conseguiu libertar-se muito em cima da votação, como foi o caso do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), mas houve mais matérias que exigiram um último esforço negocial e nem tudo correu de feição. O Executivo socialista foi virando à esquerda e à direita, consoante a necessidade.
O dia começou logo às oito da manhã (uma hora pouco habitual para o arranque dos trabalhos), com a reunião da comissão de Ambiente e Poder local que tinha em cima da mesa várias iniciativas legislativas para resolver e, à cabeça, as polémicas alterações ao regime jurídico do alojamento local. Pouco depois, começou a comissão de Orçamento e Finanças com uma discussão quente, a descida do ISP que o CDS tinha conseguido aprovar no fim de junho no plenário e que tentava agora aprovar em comissão. Os trabalhos chegaram a ser interrompidos, com o PS a aproveitar para negociar com a esquerda uma mudança de posição que permitisse travar a ambição da direita. Muitos deputados desta comissão nem almoçaram e alguns voaram diretamente, no fim do debate, para outras comissões. Caso de Pedro Mota Soares que se transferiu dali para a audição do ex-ministro da Economia Manuel Pinho, que já decorria na comissão de Economia.
Pelo meio destas correrias, também desfilaram alguns membros do Governo pelo Parlamento, neste último dia de trabalhos nas comissões para garantir a aprovação de alguns diplomas ainda antes nesta sessão legislativa. Foi o caso dos ministros Vieira da Silva, Azeredo Lopes e Siza Vieira. Mas o dia era mesmo de maratona de aprovações e declarações — que foram até ao jantar do grupo parlamentar do PSD, com Rui Rio, e o anúncio da abstenção no código do trabalho. Mas este assunto já só será mesmo resolvido na próxima sessão.
Esta quarta-feira fazem-se as contas finais à sessão legislativa, com o Parlamento a ir de férias depois desta votação. O Observador foi ver como resolveu o PS alguns dos temas mais sensíveis para o Governo e o que não conseguiu travar na reta final.
Problemas resolvidos à última hora
O ISP e a dissolução de uma “coligação negativa”. A descida do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos acabou na mão dos parceiros de esquerda, os mesmo que a 21 de junho tinham viabilizado o projeto do CDS que pretendia concretizar a redução com efeitos imediatos, ao lado da direita, numa “coligação negativa” (o que se chama ao momento em que a esquerda fura a parceria que tem tido com o PS, ou quando a direita se junta a PCP e Bloco contra o governo). Mas depois de uma longa discussão, esta terça-feira, a ambição do CDS caiu por terra, depois de PCP e Bloco de Esquerda terem roído a corda à última hora. O PSD ainda tentou uma proposta de alteração ao projeto do CDS, mas como a esquerda não a viabilizou, acabou também ele por se abster na votação da iniciativa democrata-cristã. Mas antes de chegarmos a este desfecho, houve nervosismo qb. no PS, que tentou adiar a votação para ganhar tempo. Durante a reunião da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças, que discutiu e votou as propostas sobre o ISP, ficou bem clara a preocupação socialista com esta medida: uma descida do imposto sobre os combustíveis nesta fase teria efeitos na receita fiscal deste ano que, por si, já está aquém do previsto no Orçamento do Estado. À direita, o argumento é que a receita total do IVA é elevada, por isso não haveria problema em reduzir esse imposto que, de resto, não tem acompanhado a descida dos preços do petróleo. A reunião da comissão parlamentar de Orçamento e Finanças foi mesmo interrompida, com o PS a tentar chegar a acordo com a esquerda para inviabilizar o projeto do CDS. Era preciso que tanto o PCP como o BE mudassem a abstenção do dia 21 de junho para o voto contra. Bastava que um se abstivesse, para que as contas já não saíssem de feição aos socialistas e ao Governo. O PS acabou por deixar de insistir no adiamento da votação — com o argumento de que estava à espera de um parecer pedido à Comissão de Assuntos Constitucionais sobre a constitucionalidade da iniciativa do CDS — quando percebeu que, afinal, a esquerda chumbaria as pretensões da direita. A “geringonça” acabou por funcionar (à força de negociações de última hora), a descida do ISP não vai acontecer de imediato, mas é certa no próximo Orçamento do Estado. O CDS vai tentar de novo já no arranque da sessão legislativa, com uma iniciativa idêntica. Se não for por aí, é garantido que os parceiros da esquerda vão tentar a redução por via do Orçamento do Estado. Todos querem levar para o ano eleitoral uma importante vitória política que pesa diretamente no bolso do contribuinte (e eleitor).
Resolvido à última hora, mas com novo capítulo marcado para setembro
Reforma laboral passa com PSD. A votação da legislação laboral que saiu do acordo de concertação social não será a final, ainda falta a discussão na especialidade, mas a aprovação esteve tremida até à última hora. Só na noite de terça-feira — mais em cima da votação era quase impossível — é que o Governo ficou a saber que teria mesmo a mão do PSD, ainda que com uma tímida abstenção, para conseguir levar avante o acordo com os parceiros sociais. E isto porque os outros parceiros, os da esquerda, se opõem ao que ficou escrito com os patrões, e o PCP prepara-se mesmo para votar contra. O Bloco de Esquerda está entre o voto contra e a abstenção. Vieira da Silva já sabia que não contaria com a esquerda para ver passar a sua reforma laboral, por isso restava-lhe conseguir a viabilização pela direita, normalmente mais sensível a um acordo firmado na concertação social. A suspeita confirmou-se, embora nos últimos dias, a Confederação Empresarial de Portugal tenha vindo mostrar desconforto sobre a forma como o Governo traduziu o acordo para propostas de lei, considerando mesmo “totais” a “violação e a desvirtuação do acordo”. Ora, esta posição fez pensar o PSD que aguardou as instruções do líder, Rui Rio, até ao início da noite de ontem. Os sociais-democratas decidiram, apesar das críticas da CIP, viabilizar a reforma laboral de Vieira da Silva. Pelo menos na primeira votação, porque o debate detalhado fica para a especialidade e só será retomado depois do verão, mesmo em cima do Orçamento do Estado.
PS aprova mudanças que desagradavam a Costa Quando nasceu, a meio do ano passado, o projeto de lei do PS com alterações ao alojamento local tinha o dom de não colher consensos no Parlamento e gerar anti-corpos no próprio Governo. O PS estava isolado. A proposta chegou a ter morte anunciada — António Costa não se revia na versão de dois deputados socialistas — mas, na reta final da legislatura, a esquerda parlamentar apresentou uma frente unida que aprovou a maioria das medidas propostas pelos socialistas. A medida mais sensível para o Governo, na proposta que os deputados Carlos Pereira e Filipe Neto Brandão apresentaram, previa a possibilidade de os condóminos poderem impedir que um proprietário do prédio transformasse a sua casa num alojamento local para turistas. “Mais de metade” dos vizinhos contra o negócio e o alojamento local ficava bloqueado. “Os grupos parlamentares têm autonomia, mas manda a prudência que quando um deputado quer levar um assunto ao Parlamento deve perguntar primeiro ao Governo o que acha sobre a matéria, o que não foi o caso”, dizia, em maio do ano passado, fonte próxima da secretária de Estado do Turismo. Um ano depois, essa mesma medida acabou aprovada na especialidade e tudo indica que vá pelo mesmo caminho na votação final global desta quarta-feira. Foram os partidos da esquerda — PCP, Bloco e PEV — a “salvar” os socialistas e a permitir que uma proposta que o próprio primeiro-ministro não aprovava siga em frente e seja aplicada. Há mais alterações de voto neste fecho de sessão legislativa.
As propostas de alteração do PS ao regime jurídico do alojamento local dão às autarquias a capacidade de definir “áreas de contenção” para a instalação de novos espaços de alojamento local. As câmaras municipais também podem, de acordo com o diploma, “impor” um número limite de espaços dedicados a essa atividade. Além do PS, votaram a favor da proposta o PCP e o Bloco de Esquerda. A direita esteve sozinha no voto contra. Para vetar a criação de alojamento turístico — uma das medidas mais sensíveis —, basta que “mais de metade da permilagem do edifício, em deliberação fundamentada” recuse essa intenção. É, no entanto, necessário que se verifique uma “prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos”. Nesses casos, os condóminos — que também ganham novos poderes para aumentar as quotas do condomínio em 30% — informam o presidente da respetiva câmara da sua decisão e os proprietários ficam impedidos de avançar com o negócio.
Finanças locais passam com o apoio do parceiro à direita O Bloco deu a mão ao PCP, que ora deu a mão ao PSD e ao PS ora recolheu a mão. O CDS, esse, disse que só mostrava a mão mais tarde. Numa maratona de votos de alteração à Lei das Finanças Locais, a geringonça funcionou com intermitências e o grande apoio dos socialistas acabou mesmo por ser o PSD. A votação desta terça-feira não foi pacífica e isso nem se ficou a dever à forma como os diferentes partidos decidiram votar as propostas. O CDS, explicou a deputada Cecília Meireles, não participou na votação por considerar que os deputados do grupo de trabalho da Lei das Finanças Locais não estavam “em condições de fazer as votações”. O Bloco saiu da sala depois de manifestar “desconforto pela forma como o processo decorreu”, mas acabou por aprovar as suas propostas e as que foram apresentadas pelos comunistas e chumbar todas as propostas do PS. A equação acabou por fazer-se numa soma de socialistas e sociais-democratas, a que se tem de subtrair o nome do deputado Paulo Trigo Pereira (PS), crítico de medidas como a alteração ao IVA ou o fundo criado para compensar as autarquias pelas novas competências. “O articulado aprovado na generalidade não está a cumprir adequadamente o Programa do Governo, não sendo por isso um instrumento útil no processo de descentralização”, notou o deputado na declaração de voto que apresentou.
O entendimento PCP/PSD que o Governo não conseguiu travar
Indemnizar proprietários pela limpeza de faixas de combustível. É um bico de obra para o Governo e isso mesmo foi admitido pelo PS durante o debate do projeto comunista na especialidade. Os socialistas tentaram desmobilizar o PCP do projeto de todas as formas, sobretudo dramatizando o custo que indemnizar os proprietários lesados poderá vir a significar: 900 milhões de euros. A estimativa do PS (e do Governo) é excessiva, segundo o PCP que, para contra-argumentar diz que as indemnizações seriam só para casos em que há perda comprovada de potencial produtivo nas propriedades onde tenham de ser criadas estas faixas de gestão de combustível — surgidas como medida de prevenção de incêndios. Os comunistas dizem que há propriedades florestais em minifúndio que vão perder rendimento com a criação das faixas e que não está prevista qualquer compensação. Sobre os potenciais custos da proposta, asseguram que o valor não chega ao que o PS prevê. “Não terá, nem de perto nem de longe, esta dimensão”, garante o deputado João Dias, do PCP. Seja como for, o projeto comunista tem o apoio do PSD, que na semana passada o aprovou na discussão na especialidade (apenas o PS votou contra). E esta pouco habitual conjugação de forças vai repetir-se esta quarta-feira na votação final do projeto, viabilizando-o contra as pretensões do Governo socialista.