A descida do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) foi chumbada na especialidade, depois de a 21 de junho ter sido aprovada na primeira votação. O PCP e o Bloco de Esquerda alteraram o sentido de voto e a ambição do CDS acabou travada. O debate na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças foi tenso, durante toda a manhã desta terça-feira, e a votação já só aconteceu ao início da tarde, com o PS (que chegou a bater-se pelo adiamento da votação), PCP e Bloco de Esquerda a votarem contra a eliminação do adicional do ISP, que foi criado em 2016.

“Uma hipocrisia política”, reclamou Pedro Mota Soares, do CDS, no final da votação, apontando o dedo sobretudo ao Bloco de Esquerda e ao PCP que, na primeira votação do projeto do CDS, no plenário, se abstiveram viabilizando um debate mais aprofundado, na especialidade, sobre o projeto. “Houve hipocrisia política de muitos deputados nesta câmara e do Governo que prometeu neutralidade fiscal e não cumpre. Hipocrisia política por parte do Bloco de Esquerda que alterou o seu sentido de voto e do PCP, não é sério que vote contra uma proposta destas e venha dizer que o CDS não está preocupado e que fale em problemas de inconstitucionalidade quando no Orçamento tinha votado contra a mesma proposta e não se colocavam esses problemas”.

Fica, assim, de parte a descida do preço dos combustíveis que o CDS previa poder ir até aos 6,5 cêntimos por litro no gasóleo, se a sua iniciativa tivesse sido aprovada. Os democratas-cristãos prometem reapresentar o mesmo projeto no início da sessão legislativa, já em setembro. O PSD também viu chumbada a sua proposta de alteração, que o deputado Leitão Amaro dizia vir contornar os “problemas do projeto do CDS” sobre um atropelamento da lei travão prevista na Constituição — que impede a apresentação de iniciativas legislativas que “envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento”.  A delicadeza desta alteração tinha sido, aliás, prevenida pelos serviços da Assembleia da República logo que o CDS avançou com a sua iniciativa legislativa. Ainda assim, CDS e PSD votaram contra o projeto que eliminava o adicional de ISP, conseguindo inicialmente a sua viabilização com a ajuda do PCP, BE e PEV, que se abstiveram no plenário.

Agora, na votação da especialidade, o resultado acabou por ser outro, com os partidos da esquerda a votarem contra. O Bloco de Esquerda coloca esperança no cumprimento pelo Governo da recomendação aprovada para “promover a redução do ISP, desde que possa ter margem suficiente para que a neutralidade fiscal possa ser garantida”, disse o deputado Heitor Sousa. E isto porque é condição que a redução seja neutra do ponto de vista fiscal, para não colidir com a tal lei-travão. Já no PCP, no debate na generalidade, quando o PCP se absteve, o deputado Bruno Dias tinha avisado que os comunistas viabilizavam o projeto do CDS na condição de verem ultrapassada no debate detalhado a questão da eventual inconstitucionalidade. A ideia do PSD não foi considerada suficiente e os comunistas acabaram por chumbar a descida do ISP. Na reunião desta terça-feira, o deputado Paulo Sá disse que “a responsabilidade de não haver redução do ISP é do CDS, que sabe desde o primeiro momento que o seu projeto de lei é inconstitucional”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Imposto sobre combustíveis desce, mas não já. E todos sabiam

Depois da votação, Pedro Mota Soares quis voltar a falar sobre o tema, perante a comunicação social, para atirar: “É bom que os portugueses percebam quem é o responsável pelo preço tão elevado da gasolina e do gasóleo”. O deputado acusou diretamente PCP e BE de “mudarem o sentido de voto e darem o dito pelo não dito”. No PSD, Leitão Amaro seguiu na mesma linha: o “PS, PCP e BE fizeram com que os portugueses continuem a pagar o combustível mais alto do que alguma vez pagaram”. O deputado social-democrata garantiu que a proposta de alteração do PSD, que foi chumbada, ia permitir que o ISP descesse “no valor do excesso de IVA cobrado em 2018, ficando a receita fiscal na mesma”. E ainda disse que PCP e BE apoiaram o PS e “mostraram que estão preocupados com manutenção desta maioria” e que foi “António Costa quem os mandou ir num certo sentido”. Quanto ao Governo, diz que “esconde números”.

Durante o debate, o deputado socialista, João Paulo Correia deu voz aquela que é a principal preocupação do Governo com esta alteração nesta altura. “Aquilo que está no Orçamento do Estado para este ano é que a receita do ISP cresça até ao final do ano 6,1%. O que está na execução orçamental do final de maio é que essa receita ainda vai nos 2,6%. Viola duplamente a norma-travão, não só propõe a redução do imposto, como a receita do imposto não está a evoluir conforme estava no Orçamento”. Além disso, o deputado socialista argumenta que o CDS “vendeu um logro” porque “uma descida do ISP não se ia repercutir numa descida do preços dos combustíveis”.

Os comunistas não são sensíveis a este argumento, já que também consideram que o Governo deve cumprir já o projeto de resolução que recomenda a descida do imposto imediatamente. Ainda assim, os comunistas consideraram que o caminho do CDS era inconstitucional e acusam Assunção Cristas de ter mantido “uma farsa”, porque já sabia que o projeto não teria viabilidade sem ser alterado. Como essa alteração não chegou, o PCP mudou o voto e chumbou as pretensões da direita. E se o Governo não cumprir a recomendação da Assembleia da República? “A partir desse momento, a matéria vai ser resolvida no Orçamento do Estado para 2019”, garante João Oliveira em declarações aos jornalistas.

Adiamento que acabou na gaveta

O impacto orçamental desta medida fez soar as campainhas de alarme no Governo, por isso o PS ainda tentou que a votação fosse adiada. Aliás, só para chegar ao entendimento sobre a votação, foram precisas várias horas e negociações de bastidores, das quais acabou por sair esta solução: a esquerda a juntar-se ao PS, inviabilizando os projetos da direita. No início da reunião, esperava-se que o PS insistisse no pedido de adiamento da votação por ainda não existir o parecer, pedido à primeira comissão, sobre a constitucionalidade da alteração legislativa. Isto, mesmo perante as ameaças do PSD e CDS que deixaram no ar a ideia de que o partido só votaria a lei das finanças locais (que acabou aprovada) esta terça-feira se o “mesmo entendimento” fosse adotado para o projeto que desce o imposto petrolífero no curto prazo.

PCP e BE juntam-se à direita e aprovam descida do imposto até 6 cêntimos por litro

No entanto, e depois de uma pausa nos trabalhos em que fez contactos com os deputados do PCP e do Bloco de Esquerda, o deputado socialista João Paulo Correia admitiu que a votação na especialidade dos projetos do PSD e CDS para baixar já o imposto petrolífero seria feita esta terça-feira, para que a medida possa ser aprovada esta quarta-feira.

Os centristas pretendiam que a descida do imposto produzisse efeitos já este ano, argumentando que a neutralidade fiscal está assegurada pelo acréscimo de cobrança do IVA sobre os combustíveis, uma receita adicional que o Governo não tem revelado. O projeto-lei prevê a eliminação do aumento do Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP), na ordem dos seis cêntimos por litro aprovado em fevereiro de 2016, repondo as taxas em vigor antes desta decisão.

Críticas no PS à pressa na lei das finanças locais

Ainda antes de se iniciar a discussão do tema na especialidade, Cecília Meireles protestou contra a forma como foi conduzida a alteração das lei das finanças locais. A deputada salientou que houve apenas uma semana de especialidade para debater as finanças locais quando, para uma alteração pontual da taxa do ISP, tenham sido necessárias várias discussões e a audição de personalidades.

Cecília Meireles sublinhou a “forma gritante como, num caso, houve uma tentativa política de acelerar o processo e noutro de atrasar o processo”. Críticas partilhadas pelo PSD. E pelo PCP: o deputado Paulo Sá também questionou o tempo reduzido de discussão da nova lei das finanças locais e defendeu que este calendário não foi o adequado à reflexão profunda que a questão merecia.

Certo é que a nova lei acabou mesmo por ser aprovada, sem adiamentos, correspondendo à vontade do Governo.

João Paulo Correia, do PS, realçou que este diploma faz parte de um processo mais lato de descentralização de competências para o poder local, e referiu que vai ao encontro da vontade dos municípios e freguesias e que vai significar mais meios financeiros para estas entidades em 2019, porque o processo legislativo ficará concluído antes do Orçamento do Estado.

Já Paulo Trigo Pereira, deputado independente do PS, mostrou “desconforto” pela forma como o Governo discutiu o tema das finanças locais durante meses, dedicando apenas uma semana à discussão da lei das finanças locais no Parlamento. Considera mesmo que houve um desrespeito. “Processos legislativos à pressa dão más leis e esta não é uma grande lei”, diz o deputado independente socialista.

Artigo alterado às 15h40 com o resultado da votação