À hora e meia de debate o primeiro-ministro evidenciou um pico de irritação no debate quinzenal. Depois de Assunção Cristas o ter questionado sobre se condenava a violência no bairro Jamaica, António Costa disparou a acusar a líder do CDS de estar a fazer uma insinuação à sua “cor da pele”. Nunca tinha sido assunto, até ao momento em que Costa o trouxe para a arena política. Aconteceu esta sexta-feira.

Mas não foi o único momento de irritação de Costa, aliás quando chegou a este ponto com Cristas, já tinha “perdido a paciência” com a centrista sobre a Caixa Geral de Depósitos. E já se tinha irritado com Fernando Negrão, PSD, sobre as farmácias e a lei de bases na saúde. Também com o Bloco encerrou o assunto CTT com alguma dureza: “Podemos não gostar das regras, mas temos de cumpri-las”, disse em relação ao contrato de concessão que o Governo vai cumprir até ao fim.

O debate foi tenso. O Observador deixa-lhe aqui o resumo do que se passou esta manhã no Parlamento.

Costa para Cristas sobre Jamaica: “Deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno”

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Racismo: Costa cola pergunta de Cristas à sua “cor da pele”

Cristas questionou Costa sobre a auditoria à Caixa Geral de Depósitos e o primeiro-ministro disse que a líder centrista era capaz de “tirar a paciência a um santo”. Mas o tom haveria de subir ainda mais e o momento marcaria o debate quinzenal. Depois de três noites de vandalismo, carros da PSP apedrejados, autocarros incendiados e a PSP em alerta máximo em relação a novos ataques, afinal, o primeiro-ministro “condena ou não esses atos de vandalismo, defende ou não a autoridade policial e o que vai fazer para que sejam episódios isolados?”, quis saber a líder do CDS.

“Está a olhar para mim, deve ser pela cor da minha pele que me pergunta se condeno ou não condeno a violência”, atirou António Costa, deixando no ar a ideia de que estava a acusar Assunção Cristas de racismo. Houve pateadas e braços no ar dos deputados centristas e o presidente da Assembleia da República teve mesmo de intervir. “Temos todos de ter calma e moderação, desde os deputados ao primeiro-ministro, e peço que esse tipo de conclusões não seja feito no debate”, disse Ferro Rodrigues. Cristas arrumou o assunto: “Não respondo ao seu comentário, fiquei com vergonha alheia.”

Jamaica: Governo está “do lado das forças de segurança”

Violência vs. vandalismo: o tema atravessou todas as bancadas parlamentares. A direita quis saber de que forma o primeiro-ministro garantia que os episódios do bairro da Jamaica eram um caso isolado, enquanto a esquerda apontou baterias à violência policial, embora também o PCP tenha criticado a postura inicial do BE, logo após os incidentes.

Costa recusou generalizações do episódio — “uma andorinha não faz a Primavera” — e ainda se colou à condenação que Carlos César fez da gestão do Bloco de Esquerda sobre o tema. Mas deixou claro onde está: “O nosso lado é o das forças de segurança, porque esse é o lado da democracia e do respeito da liberdade democrática”.

CTT: Costa vai cumprir contrato e avalia concessão em 2020

Foi a esquerda que confrontou António Costa com a situação dos CTT, que considera não estar a garantir um serviço igualitário em todo o país. A empresa foi privatizada pelo Governo PSD/CDS e tanto o PCP como o Bloco de Esquerda pediram ao primeiro-ministro a sua renacionalização. Costa empurrou essa avaliação para o próximo ano, ainda que também tenha críticas sobre o serviço.

Foi Jerónimo de Sousa quem arrancou o debate e logo por este tema. Perante o desafio comunista, Costa disse que não era possível reverter a privatização porque o contrato ainda está em vigor. Só no final se poderá avaliar. O primeiro-ministro disse mesmo que o caso é diferente da privatização da TAP, que pôde ser interrompida, ou das subconcessões da Carris e da CP. Ou seja, nada a fazer até ao próximo ano. “O momento de intervir é em 2020”, disse António Costa em resposta a Catarina Martins. Também lhe disse que pode “não gostar das regras”, mas que os contratos assumidos pelo Estado são para cumprir.

O problema não foi o relatório da CGD, mas quem falou nele

O relatório da auditora EY à Caixa Geral de Depósito, que chegou a público esta semana, foi levado ao debate quinzenal por Assunção Cristas que começou por desafiar António Costa a dizer se permite que o relatório seja enviado ao Parlamento — que foi o órgão que o pediu sem nunca o ter recebido. Não foi propriamente a questão que irritou António Costa, mas quem a fez.  “Como é que a senhora esteve no Governo durante quatro anos e não fez nada e não tem o mínimo de decoro para nos colocar a questão na Assembleia?”

Costa explicou porque se indignava tanto: “Porque a paciência tem limites” e Assunção Cristas era ministra quando o Governo, em 2012, injetou 1500 milhões de euros na Caixa sem auditoria. “Assinou a resolução do Conselho de Ministros à saída da praia, sem ler”.

PSD excluído da lei de bases e os “pêlos no coração” de Costa

Outro tema que irritou António Costa foi trazido ao debate por Fernando Negrão, do PSD, que o questionou sobre a falta de medicamentos nas farmácias, sobretudo fármacos com receita médica. As insistências foram muitas, mas António Costa ia respondendo apenas com o investimento que o seu Governo fez no SNS e o que o Governo anterior não fez. A dada altura, Costa lá disse que o problema era o de ceder às estratégias das farmacêuticas. Negrão reagiu: “O senhor tem pêlos no coração, é insensível”.

Depois, Negrão ainda foi buscar o tema da mortalidade infantil e Costa aproveitou a deixa para lhe dizer que não conta com o PSD na nova Lei de bases da Saúde, que vai ser consensualizada na especialidade nos próximos meses. O primeiro-ministro justificou a posição face ao PSD tendo em conta que o partido “votou contra o Serviço Nacional de Saúde”. Costa considerou “importante” que a Lei de bases seja aprovada “não por uma maioria qualquer, mas pela maioria que criou, defendeu e desenvolve o SNS”. Ou seja, é à esquerda que Costa quer consensualizar a Lei de bases, mas o PS aceitou e defendeu que todas as propostas descessem à especialidade para tentar consensualizar um texto comum, incluindo os projetos da direita.