Mário Centeno garante que “não há nenhum euro dos impostos dos portugueses a ser utilizado na operação” de recapitalização do Novo Banco. Em entrevista à RTP, o ministro das Finanças argumenta que “no futuro, o Fundo de Resolução vai pagar este empréstimo ao Estado, em 30 anos, com as contribuições do setor bancário“. Mas, porque os empréstimos ao Novo Banco não “interferem com o desenho do Orçamento do Estado”, não faz sentido defender que esse dinheiro poderia estar a ser aplicado noutras áreas da sociedade e da economia, defende Mário Centeno.

Em entrevista transmitida pela RTP3 ao final desta quarta-feira, Mário Centeno começou por sublinhar que “devemos todos ter a noção de que a crise financeira foi muito forte, foi sentida de forma muito severa em alguns setores, incluindo no setor financeiro”. E “Portugal está, de forma muito robusta, a resolver todos e cada um desses problemas que foram criados e apareceram nesse momento”.

Mas o Novo Banco é um dos principais problemas que continuam por resolver, por força daquilo que é “o legado do BES” e o Novo Banco. Um “legado” que, deu a entender Mário Centeno, não deveria ter passado para a nova instituição, em 2014, para que assim se fizesse “jus ao nome de banco bom”. “Não foi assim e por não ter sido assim, o processo de recuperação do Novo Banco tem sido mais lento“, atirou Mário Centeno.

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Depois de a OCDE ter feito uma revisão em forte baixa do crescimento da zona euro em 2019 — de 1,9% para 1% — Mário Centeno recusou comprometer-se, desde já, com uma revisão das estimativas de crescimento do PIB em Portugal, porque existem “indicadores mistos” sobre a direção da economia e há a possibilidade de alguns temas políticos internacionais — como o Brexit e a “guerra comercial” — serem resolvidos de forma mais positiva. Só em abril, com o programa de estabilidade e crescimento (PEC), haverá uma nova análise que pode trazer números novos.

Além de criticar a divisão de responsabilidades que foi feita na criação do Novo Banco, Mário Centeno atirou, também, ao anterior governo. O ministro das Finanças recordou que, “inicialmente, o primeiro empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução, logo em agosto de 2014, baseava-se numa expectativa de que haveria um ressarcimento com a venda da instituição — uma venda rápida e que permitiria recuperar todo o valor do empréstimo”. Essa foi, porém, uma “expectativa fundada em não sei bem o quê”, comentou Centeno.

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Feita a venda ao fundo Lone Star, já em 2017, Centeno argumentou que “hoje, esta injeção de capital, mais uma, vai ser feita, mais uma vez, em parte, recorrendo a um empréstimo do Estado”. Mas, ressalva o ministro das Finanças, “não é o Estado que está a injetar dinheiro no Novo Banco, é o Fundo de Resolução — que, no futuro, o Fundo de Resolução vai pagar este empréstimo ao Estado, em 30 anos, com as contribuições do setor bancário”.

Não faz sentido, porém, dizer que o dinheiro que será emprestado ao Fundo de Resolução poderia ser aplicado noutros locais, defendeu Mário Centeno. O dinheiro para o Novo Banco, via Fundo de Resolução, “não interfere no desenho do conjunto do Orçamento do Estado. As nossas metas orçamentais são definidas independentemente daquilo que são as obrigações conhecidas” com o Novo Banco.

“Isto não quer dizer que não entendamos que há aqui uma perda significativa para a economia portuguesa”, diz Centeno, daí que tenha considerado “indispensável” a realização de uma auditoria aos créditos ruinosos do banco.

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Centeno considera que as imparidades já registadas até ao momento estão “completamente enquadradas” no montante máximo que foi estipulado no contrato (3,89 mil milhões, num mecanismo com validade de oito anos). A velocidade com que o valor está a ser gasto não preocupa Centeno, porque os ativos tóxicos estão a ser reduzidos à mesma velocidade.

Ainda assim, o Orçamento do Estado para 2019 previa um valor bem mais baixo do que os 850 milhões (o máximo anual) — cerca de metade. Mário Centeno diz que essa expectativa era fundada na sua expectativa de que “as necessidades de capital tivessem um perfil descendente ao longo do tempo, o que não aconteceu”, em parte devido a estar-se a “aproveitar” o bom momento da economia para vender alguns ativos.

Embora defenda que todo o processo de venda dos ativos do Novo Banco seja “muito monitorizado”, o ministro das Finanças diz que “neste momento” ainda não tem, “verdadeiramente, uma expectativa muito formada” sobre se o Estado irá emprestar, este ano, os 850 milhões de euros ao Fundo de Resolução (o máximo anual que está previsto) ou se será um valor diferente deste. A expectativa é que, entre contas mais favoráveis da Segurança Social e os recebimentos relacionados com a garantia ao BPP, “manteremos o equilíbrio” nas contas públicas mesmo com um impacto maior do empréstimo que será feito para o Novo Banco.

O que o Governo tentou fazer no momento da venda foi que o valor máximo ficasse definido dentro de uma restrição — os tais 3,89 mil milhões. É muito dinheiro, uma perda muito significativa para o conjunto da economia portuguesa.

O limite das perdas está estabelecido e é intransponível“, garantiu Mário Centeno, referindo-se aos 3,89 mil milhões de euros que podem ser usados pelo Lone Star para se ressarcir das perdas sofridas nos ativos tóxicos que foram identificados na venda do banco.

Auditoria seria “semelhante” à que foi feita na CGD

Depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter lançado a confusão sobre qual era o objeto da auditoria pedida pelas Finanças, na sexta-feira, Mário Centeno voltou a deixar claro que a sua recomendação, tal como foi explicado na altura, passa por fazer uma auditoria “semelhante” à que foi feita na Caixa Geral de Depósitos. Isto é, “nós precisamos de saber qual foi a forma de originar aqueles créditos, para poder apurar responsabilidades”.

Ou seja, a auditoria, a fazer-se, não tem nada a ver com a gestão atual do Novo Banco — porque esta é “auditada, supervisionada”. O enfoque seria sobre o passado do Novo Banco, isto é, sobre a herança do BES. Mário Centeno não respondeu, porém, à pergunta sobre porquê pedir a auditoria agora e não, por exemplo, quando o perímetro de ativos foi definido na altura da venda ao Lone Star.

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Mário Centeno confirmou, também, que outra semelhança com o processo da Caixa é que alguns devedores são comuns, entre a Caixa e o BES/Novo Banco. “Foi um tempo de grande dificuldade para a supervisão bancária em Portugal”, diz Mário Centeno, acrescentando que “a banca global teve problemas de desregulação significativos que criaram incentivos perversos em todo o sistema — e Portugal não foi imune a isso”.