Primeiro, era a Grécia Antiga. Por volta de 500 a.C, em Atenas,  cinco ou 10 mil cidadãos, ricos ou pobres, reuniam-se diariamente na “Ágora” para tomarem as decisões que regiam a sociedade. Havia debate, havia voto direto e, voilà, havia leis. Foi assim que nasceu a democracia — a democracia direta — que, depois, sentindo medo do regime contrário à democracia (a demagogia), se transformou na democracia representativa. (Sim, prepare-se, vem aí uma aula de história).

“A demagogia era a perversão da democracia. A demagogia era o regime em que a vontade do povo servia como grande pretexto para que uma pessoa ou uma classe governasse em nome de interesses próprios e não do bem comum. O bem comum era apenas o pretexto”. Paulo Rangel está no palco da Universidade de Verão do PSD a andar de um lado para o outro sob o olhar atento de dezenas de alunos, na sua maioria jovens sociais-democratas, que o escutam com atenção. E prossegue. “Percebeu-se rapidamente que a democracia podia degenerar facilmente para a demagogia, e como é isso se contrariava? Com a criação da democracia representativa. Porque na democracia representativa há um mandato para as pessoas tomarem decisões em nome de todos. E porque é que isso é bom? Porque cria uma certa distância, uma mediação, uma capacidade de ponderação e de reflexão em nome dos interesses do coletivo”, por oposição às decisões tomadas por referendo, onde cada um vota em função do seu interesse pessoal e próprio.

A aula de história, dada pelo eurodeputado do PSD esta sexta-feira de manhã na Universidade de Verão que decorre até domingo em Castelo de Vide, parecia servir para mostrar como “o grande problema da Europa e do mundo ocidental” nos dias de hoje “é o conflito entre a democracia representativa e a democracia direta” — seja ela expressa em referendos ou nas redes sociais, onde nos sentimos “editores das nossas próprias notícias” –, ou, noutras palavras, o problema da Europa e do Ocidente é a ideia que cresceu na opinião pública de que há “a vontade do povo” e depois há “a vontade dos políticos”, e ambos não são compatíveis.

“A grande tragédia de hoje é a ascensão daqueles que criam nas pessoas a ilusão da democracia, a ilusão de que as pessoas podem governar diretamente, sem necessidade de representação, porque terão uma pessoa que será a sua voz e a sua projeção, podendo por isso dispensar os aparelhos políticos e os parlamentos”, explicava. Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico que ainda esta semana decidiu suspender o Parlamento por ser um obstáculo à decisão da maioria (tomada em referendo) de sair da União Europeia, ou Matteo Salvini, que agora bateu com a porta em Itália para pedir novas eleições, eram os dois exemplos óbvios. Mas havia mais.

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“Claro que não são todos iguais. Mas há um traço comum a Viktor Orbán, Boris Johnson ou Matteo Salvini: é que todos invocam a vontade do povo, só eles sabem o que o povo quer, e criam no povo a ideia de que está a ser traído pelas elites políticas”. E isto, explicou Paulo Rangel, é o “populismo” ou a demagogia já temida na Grécia Antiga. “O populismo é isto: em vez de estarmos concentrados em resolver um problema, estamos concentrados em manipular o problema”, disse, dando depois um passo atrás perante os olhares assustados dos jovens ouvintes: “Não se trata de estar aqui a ter uma narrativa assustadora, é só ter presente que, no passado, quem ignorou estes sinais arrependeu-se fortemente de os ter ignorado”.

Foi preciso pouco mais de 1h de lição de história e ciência política para Paulo Rangel chegar à verdadeira conclusão: também em Portugal os sinais existem, os ventos da Europa sopram, e a brisa do populismo corre. “Não podemos compará-los a todos da mesma forma [Costa a Boris ou Boris a Orbán], mas alguns líderes que se julgam mais espertos do que os outros veem como certas coisas estão a pegar [a tal brisa do populismo] e aproveitam para engrossar a sua base de apoio”, dizia o professor Rangel. É aqui que entra o “Boris Costa” ou a “Sereia Costa”. Também chamado de “presidente da câmara de Portugal”.

A sereia porque causa dos seus cantos — “A narrativa que o primeiro-ministro português nos vende é que Portugal é um país imune a tudo isto, à beira mar plantado, são cantos de sereia, cantos da Sereia Costa”. E Boris por causa da sua tentativa de “manipulação”. O exemplo levado a jogo por Rangel foi a crise dos combustíveis que, no seu entender, foi ampliada ao máximo pelo governo para distrair atenções de outros problemas da sociedade. “Enquanto decorria a discussão sobre a escassez ou não de combustíveis, não se falava de mais nada, e isto é populismo”, afirmou. O “tique”, comum a Boris e a Costa, disse, está lá: “E enquanto em Londres se suspende um Parlamento, em Lisboa quer-se extinguir um sindicato — não pode ser, pode agradar às massas, pode ser popular e populista, mas não é bom para o sistema democrático”, resumiu.

É aqui que entra o “presidente da câmara de Portugal”, por oposição a “primeiro-ministro”. Tal como António Costa foi presidente da câmara de Lisboa, também Boris Johnson foi presidente da câmara de Londres, mas não vamos por aí. O ponto é: “Costa olha para o país como uma autarquia, onde conhece os vizinhos, faz uma festa de vez em quando, faz um drama com isto ou aquilo de vez em quando, trata da recolha do lixo, e de resto? Que desígnio tem para Portugal?”.

“Aquilo que queremos para Portugal é um Boris Costa? Uma espécie de sociedade de controlo sem desígnio, sem visão, sem projeto para o país?”, questionou Paulo Rangel à plateia de jovens ao fim de uma hora de lição, pedindo-lhes que não “cedam ao populismo” e que “não tenham medo de um poder institucional forte”.

Porque, (e agora vem a moral da história de Rangel), “se fizermos isso teremos uma democracia madura e teremos condições de não sermos anestesiados nem adormecidos por este discurso, que é um discurso perigosamente populista“. E é um discurso não só de Boris Johnson ou Matteo Salvini, mas sim “de António Costa, do PS e do seu governo”, acusou.