O Presidente norte-americano Donald Trump pediu pessoalmente ao primeiro-ministro britânico, Scott Morrison, para que ajude o procurador-geral norte-americano a investigar as origens do inquérito Mueller, numa tentativa de descredibilizar as conclusões da investigação. O pedido foi feito num telefonema a partir da Casa Branca envolto nas mesmas condições de segurança apertadas que foram usadas no telefonema entre Trump e o Presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, que contribuiu para a abertura de um processo de impeachment ao chefe de Estado norte-americano.

A informação foi avançada esta segunda-feira pelo New York Times, que confirmou o conteúdo da chamada junto de duas fontes. O telefonema acabou por ser confirmado por um porta-voz do gabinete do primeiro-ministro australiano: “O Governo está sempre pronto para apoiar e cooperar com esforços que ajudem a fazer luz sobre matérias que estão sob investigação”, diz o comunicado citado pelo Sydney Morning Herald. “O primeiro-ministro confirmou a sua prontidão, uma vez mais, em conversa com o Presidente.”

A transcrição da conversa telefónica entre os dois líderes foi sujeita a apertadas regras de segurança, com muito poucas pessoas dentro da Casa Branca a estarem autorizadas a ter acesso ao documento. Não só esse não é o protocolo habitual neste tipo de chamadas, como este é o mesmo modus operandi que aquele que foi utilizado no telefonema com Zelensky — uma chamada que está agora sob investigação no processo de impeachment a Trump.

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Em causa está uma investigação do Departamento da Justiça, com o envolvimento pessoal do procurador-geral William Barr, às origens da investigação do procurador-especial Robert Mueller por suspeitas de conluio da campanha presidencial de Trump com os russos. A investigação não concluiu ter havido ligações diretas entre a campanha e a Rússia, mas não exonerou o Presidente de possíveis crimes de obstrução à Justiça.

Um espião “maltês ou italiano” na origem da investigação de Mueller?

Em maio, após a publicação do relatório da investigação, Trump anunciou que o procurador-geral iria investigar a origem do inquérito: “Espero que ele olhe para o Reino Unido. E espero que ele olhe para a Austrália. E espero que ele olhe para a Ucrânia. Espero que ele olhe para tudo, porque foi levado a cabo um embuste no nosso país”, declarou o Presidente norte-americano.

A relação da Austrália com a investigação de Mueller assenta na denúncia de Alexander Downer, alto-comissário australiano no Reino Unido, que alertou as autoridades australianas para uma conversa que teve com o antigo conselheiro de Trump, George Papadopoulos, em maio de 2016. “Ele disse que os russos talvez fossem divulgar informação que poderia ser prejudicial para Hillary Clinton”, esclareceu mais tarde, em público, Downer. Essa informação foi passada pelos responsáveis australianos ao FBI e essa terá sido uma das provas que espoletou a investigação Mueller.

Papadopoulos recebeu essa informação de um académico, Joseph Mifsud, que entretanto desapareceu. A tese de várias pessoas próximas de Trump, explica o New York Times, é que Mifsud será um agente das secretas de algum país ocidental que estaria a tentar montar uma cilada a Papadopoulos. Isso mesmo disse o advogado pessoal do Presidente, Rudy Giuliani, numa entrevista à Fox News am abril, dizendo que Mifsud é “um operativo maltês ou italiano”.

O Washington Post avançou, também esta segunda-feira, mais pormenores sobre a investigação do procurador-geral: de acordo com o jornal norte-americano, William Barr teve reuniões privadas com agentes das secretas de vários países, incluindo do Reino Unido e de Itália, para pedir ajuda para a investigação ao inquérito Mueller. Uma porta-voz do Departamento da Justiça, Kerri Kupec, confirmou que o procurador encarregado do caso, John Durham, “está a reunir informação de várias fontes, incluindo alguns países estrangeiros”. Confirmou que, “a pedido do procurador-geral Barr”, o Presidente “contactou outros países para pedir-lhes que apresentem o procurador-geral e o senhor Durham aos responsáveis apropriados”.

A linha da administração Trump, explica a CNN, será a de argumentar que o pedido do Presidente e a investigação de Barr e Durham são perfeitamente legítimas. Isso mesmo confirmou ao Times George J. Terwilliger III, que foi vice-procurador-geral de Barr quando este esteve no cargo da década de 1990: “Não há nada de errado em o Presidente pedir ajuda a um líder estrangeiro numa investigação norte-americana”, dizendo ainda que “colocar por trás [da investigação] o peso do Presidente” é uma forma de “conseguir mais atenção estrangeira”.

Mas nem todos os especialistas concordam. Ao mesmo jornal, Matthew Miller, que trabalhou no Departamento da Justiça da presidência de Barack Obama, criticou o envolvimento de Barr no caso: “É extremamente raro que o procurador-geral esteja tão pessoalmente envolvido numa investigação”, afirmou. “É ainda mais inapropriado quando o Presidente está a ser envolvido numa investigação que ele próprio exigiu para se vingar de pessoas que vê como inimigas.”