“Uma vez, quando ainda estava no Penha Longa, aconteceu-me uma coisa muito engraçada. Um grupo de 40 japoneses pediu um jantar especial e fizeram a ressalva de que eram vegetarianos. ‘Tudo bem, um bom desafio’, pensei. Preparei um menu totalmente vegetariano, eles começaram a comer mas a dada altura há um que me diz: ‘Isto podia era ter um sashimi!'”

Paulo Morais solta um riso tranquilo mal acaba de contar esta história. Estamos no seu Kanazawa, o exclusivo restaurante japonês em Algés que serve um dos melhores menus kaiseki — o fine fining tradicional do Japão, numa definição mais sucinta —  da cidade. “Aí aprendi que às vezes os japoneses, quando falam de vegetariano, não excluem o peixe”, completa. Por mais que esta tradição ou pormenor cultural seja verdade o menu vegetariano que começou agora a servir não tem nada que venha do mar sem ser algas. Os menus que o celebrizaram continuam, plenos das versões mais tradicionais daquilo que é o verdadeiro sushi e sashimi mas a novidade é um complemento a esta oferta, uma nova opção na carta.

Traumas com conceitos como o “sushi alentejano” — existiu mesmo um restaurante assim e em Lisboa — podem causar alguma suspeição sobre uma inovação vegetariana, mas relaxem os mais conservadores, nada disto é invenção bacoca. “Foi nos templos budistas que surgiram a maior parte das evoluções daquilo que é o kaiseki hoje em dia”, começa por explicar Paulo. Ideias como a “sazonalidade”, “a vontade de trazer a natureza para a mesa”, ou até “o privilegiar dos produtos locais” foram tudo coisas que começaram a ser desenvolvidas nesses ambientes — que hoje ainda podem ser conhecidos — e a grande curiosidade é que tudo isso era com base no vegetarianismo. “Até a utilização do tofu é exemplo disso!”, conta o sensei. 

O tártaro de vegetais com gema curada. D.R.

Ora então o que se pode encontrar aqui é exatamente o mesmo que encontra noutro qualquer menu normal do Kanazawa com a diferença de que são apenas usados legumes e vegetais. Não sendo totalmente vegan (mas pode ser, caso haja esse pedido no momento da reserva) inspira-se profundamente naquilo que está “na estação”, como o kaiseki “normal”, e até tem nigiris, mais para o fim do menu, que tem sempre cinco momentos. O desafio de fazer algo deste género é real e o próprio Paulo assume-o. A forma de evitar comida sensaborona e sem sentido? “É não cair na banalidade de simplesmente servir uma data de legumes e já está. É o pensarmos um bocadinho na coisa, pensarmos no equilíbrio total da ementa entre os hidratos de carbono, a proteína, etc…”, revela.

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Os pratos mudam imenso de acordo com a estação por isso e muito provável que não encontre todos aqueles que aqui serão mencionados. Contudo, para ter uma noção do que aqui pode descobrir saiba que tudo começou com uma beringela assada com beterraba em kimchi (condimento de origem coreana) e figo caramelizado com um caldo dashi como fundo (Paulo usa apenas algas e não o atum seco, mais conhecido como katsobushi). Daí segue-se o que o sushiman diz ser um tártaro de legumes e algas com pickles de rabanete, yuzu (tipo de citrino japonês), couve pak choi temperada com molho de sésamo, uma courgette curada, wasabi e um molho dengaku. 

A refeição começa quase sempre com uma espécie de caldo. D.R.

Pé ante pé seguem-se surpreendentes bombas de umami (o chamado “quinto sabor”, algo delicioso ou agradável que faz parte do naipe “doce, salgado, amargo e azedo”) que nascem de combinações pujantes de sabores como o miso, a cebola, as algas ou até a simples atualização da grelha. Devora-se rapidamente uma espécie de salada fria com molho à base de tofu e quinoa que leva “uma série de legumes cozidos como três tipos de cenoura e feijão verde, juntamente com uma alga chamada orelha de judas” e é terminada com uma gema de ovo curada em molho teriaki e rebentos de aipo. Na altura da visita do Observador era o tomate que reinava e por isso o momento que se seguiu teve-o como protagonista. Num prato minimal juntaram-se varias versões deste produto: desidratado com abobora; escavado com quinoa, sumo e raspa de lima; em granita; como sushi prensado e na companhia de alga kombuEstes pequenos momentos abriram caminho para a fase mais aguardada da refeição: os nigiris feitos ao momento.

Tradicionalmente todo o peixe e marisco utilizado para preparar nigiris é retirado de uma caixa especial onde ele já fica todo pronto à espera do momento de ser servido. Com os vegetais não é diferente: “Hoje aqui na nossa caixa temos abóbora, manga, cogumelos, courgette, pak choi grelhada, melancia prensada, beringela, folha de ostra, espargos, grelos e pepino”, explica o chef ao mostrar o bonito e organizado recipiente. Apresentações feitas, começa o desfile de generosas peças que quase parecem joias. Há um de abóbora assada, cogumelos, manga verde e assim sucessivamente.

E num instante termina esta nova experiência que no fundo de novo tem muito pouco, é só o recuperar de uma tradição milenar que por esta altura, curiosamente, volta a fazer muito sentido, principalmente por culpa do maior impacto que as dietas vegetarianas começam a ter. Tendência ou não, é uma bela refeição e num registo mais fora do habitual.

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Kanazawa
Rua Damião de Góis, 3, Lisboa
Das 19h às 23h (não fecha)
Menu vegetariano com cinco momentos a 60€ por pessoa
(mais 35€ com wine pairing)
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