Esta quarta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa decretou o estado de emergência no país. No dia seguinte, António Costa já apresentou algumas das medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros. E esta sexta-feira, ficaram conhecidas mais normas que vão fazer parte da resolução final. Resolução essa que, quando publicada, vai motivar novas orientações operacionais nas forças de segurança — que, de quarta-feira até agora, têm atuado nas ruas tal como tinham feito até então.
“É um estado de emergência que pode ser muita coisa. Estamos à espera da resolução do Conselho de Ministros para termos instruções claras. Podem ser cafés fechados a partir do meio-dia ou abertos só a partir do meio-dia, por exemplo, e termos de intervir aí também”, começa por explicar o porta-voz da Direção Nacional da PSP, o intendente Nuno Carocha, ao Observador. PSP e GNR estão então à espera da publicação das medidas aprovadas pelo Conselho de Ministros para emitir novas e renovadas instruções aos operacionais que vão estar nas ruas: mas uma delas, já conhecida, envolve a partilha de informações sobre as pessoas em confinamento obrigatório, ou seja, infetados ou casos sob vigilância, com as forças de segurança locais. No decreto do estado de emergência aprovado pelo Conselho de Ministros, pode ler-se que “as autoridades de saúde comunicam às forças e serviços de segurança do local de residência a aplicação das medidas de confinamento obrigatório”, ou seja, aquelas cuja presença na rua representa um crime de desobediência civil.
“Acredito que exista uma lista informativa ou uma base de dados, parece-me lógico. Não sei se será discriminada por local, por freguesia ou concelho. Não vamos bater à porta dessas pessoas, como é óbvio, até porque algumas estão doentes. Mas devemos saber onde essas pessoas vivem e onde deverão ou não estar, em caso de dúvida. Mas temos de esperar pela resolução do Conselho de Ministros”, detalhava o intendente Nuno Carocha ao Observador, antes de ser conhecido o decreto.
“Creio que vamos ter acesso a essa lista centralizada, para identificar quem está de quarentena ou infetado. Neste momento, não sei como é que tudo isso se vai operacionalizar. Não sei se todos os agentes a vão ter, em todas as situações, ou se será uma coisa para situações pontuais — em que suspeitamos e pedimos identificação –, em que teremos de comunicar com a central, que tem a lista”, explica o líder da ASPP. Tanto o intendente Nuno Carocha como Paulo Rodrigues e César Nogueira garantem que ainda não têm “indicações” sobre como será realizado este quase “rastreio” nas ruas. Ainda assim, a posse destas informações reforça tanto a PSP como a GNR com a possibilidade de pedirem a apresentação da identificação, por qualquer motivo, às pessoas que encontram na rua.
Casos suspeitos “dificilmente” são transportados nos carros de patrulha
Outra das preocupações que tem sido levantada tem sido a proteção dos próprios profissionais das forças de segurança, não só em relação a material como máscaras ou luvas, mas também na hora de interagir com pessoas potencialmente infetadas. Sobre este assunto, e confrontado com o cenário de um eventual crime de desobediência civil de uma pessoa que testou positivo para a Covid-19 ou que está sujeita a quarentena obrigatória, César Nogueira garantiu que “dificilmente” seria transportada no carro de patrulha. “Não irá, quase de certeza, no carro da patrulha. Espera-se por uma ambulância do INEM ou então acontece como naquele caso em Grijó, que foi muito falado, em que a pessoa conduz o próprio carro até ao hospital e é acompanhada por militares da GNR”, indica o presidente da APG.
O exemplo dado por César Nogueira diz respeito a um caso conhecido na semana passada. Em Grijó, Vila Nova de Gaia, um homem de 57 anos ficou várias horas retido no próprio carro depois de ser intercetado pela GNR durante uma operação de fiscalização ao trânsito. Após confessar que estava com alguns sintomas e que tinha regressado há pouco tempo de Milão, ficou dentro do próprio carro à espera de uma ambulância do INEM que acabou por não chegar — confrontados com a impossibilidade de transporte no carro de patrulha, por receio de que a pessoa em causa estivesse infetada, os profissionais da GNR acabaram por pedir-lhe que conduzisse o próprio carro até ao Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, sempre escoltado.
Numa linha algo paralela, o intendente Nuno Carocha explica que as “instruções que existem” apontam mesmo para que as pessoas sobre as quais recaem suspeitas de infeção devem aguardar por uma ambulância do INEM para serem transportadas para o hospital. “Os agentes sabem que, nestas situações, só se devem aproximar da pessoa em causa devidamente equipados, com máscara e luvas”, indica o porta-voz, reforçando, tal como já tinha feito ao Observador, que já foram distribuídos “15 mil kits de material de proteção, serão distribuídos mais 10 mil de reforço e ainda 5 mil pares de óculos cirúrgicos”. Ainda assim, Paulo Rodrigues — que ressalva que a Direção Nacional da PSP está a “fazer o que pode” — garante que está a ser “difícil ter luvas para todos”.
“A indicação que é dada é a de que se deve racionar o mais possível a utilização deste material de proteção. Só em situações excecionais, de grande suspeitas ou grandes probabilidades de uma pessoa estar infetada. Existem até alguns exageros de comandantes, que condicionam a utilização deste material. A ideia que tenho é a de que se está a racionar para quando chegarmos ao pico da pandemia, algo que ainda não aconteceu. Mas duvido, por exemplo, de que o material seja substituído rapidamente depois de ser utilizado uma vez. É uma missão espinhosa”, adianta o líder sindical, numa preocupação partilhada por César Rodrigues, que diz mesmo que este é o “principal problema” da GNR nesta altura. “Um cidadão pode estar infetado mas nós não somos profissionais de medicina. Vemos as imagens dos profissionais espanhóis, na fronteira, e estão todos equipados. A instrução aqui é a de que só se deve utilizar este material se soubermos mesmo que a pessoa está infetada”, acrescenta.
DGS não ensina a usar máscaras porque não há para todos: “Não vale a pena dizer que há, não há”
Uma presença “pedagógica” que também passa pela “consciência de cada um”
Nos últimos dois dias, e face ainda à ausência de recomendações de comportamentos a adotar durante o estado de emergência, as forças de segurança têm atuado como tinham feito até à declaração de Marcelo Rebelo de Sousa. Existe uma maior “presença policial nas ruas”, uma atenção superior a pessoas que possam apresentar sintomas, mas a atuação continua a ser maioritariamente “pedagógica”, de recomendação de isolamento voluntário e recolhimento em casa. Em alguns locais, a GNR já recorre ao altifalante do carro para pedir que as pessoas fiquem em casa e César Rodrigues admite que o mesmo método poderá ser utilizado para pedir o encerramento de cafés ou outros estabelecimentos que não podem estar abertos.
[No vídeo abaixo, é possível ver dois agentes da PSP que tentam convencer uma idosa a regressar a casa]
“O que fazemos é dizer às pessoas que devem estar em casa. Vamos aguardar as diretivas do Governo, as diretivas do Ministério da Administração Interna. Numa situação em que estão pessoas num determinado sítio, mais do que duas pessoas, sensibilizar e apelar ao recolhimento em casa. É isso que temos feito e que vamos continuar a fazer. Também no caso dos idosos, que se juntam nos jardins para jogar às cartas. Sensibilizar para que não exista necessidade de um tipo diferente de intervenção. A postura da polícia também vai depender da postura de qualquer cidadão, se aceita bem ou não as recomendações. Se sim, mantemos esta função de vigilância; se não, temos de adotar outra postura”, garante Paulo Rodrigues, da ASPP.
“Este é um estado de emergência com muitas ressalvas. É um estado de emergência, mas com algumas reticências. Vamos aconselhar as pessoas a ficar em casa mas nenhum agente vai atrás das pessoas. Tudo isto passa pelo bom senso das pessoas, cabe tudo na consciência de cada um”, acrescenta César Nogueira. A presença das forças de segurança na rua vai continuar a ser mais pedagógica do que proativa e provavelmente mais intuitiva do que instruída — ainda assim, está naturalmente reforçada com a possibilidade de, por qualquer motivo que leve a essa atitude, poderem pedir a identificação de qualquer pessoa que esteja na rua.