O Ministério da Cultura terá disponível a partir de maio uma verba de 400 mil euros para compra de livros a editoras e livrarias, como forma de compensar prejuízos causados pelas medidas de isolamento social no contexto do novo coronavírus. A informação foi adiantada ao Observador por fonte do gabinete da ministra Graça Fonseca, estando o anúncio oficial previsto para esta quinta-feira em que se assinala o Dia Mundial do Livro. Ao mesmo tempo, o Ministério da Cultura quer antecipar para maio a abertura do concurso público para bolsas de criação literária.

No caso da aquisição de livros, está previsto um máximo de cinco mil euros por editor e livreiro, o que parece significar que a medida se destina sobretudo a empresas de pequena dimensão. Se cada entidade pedir o apoio máximo, e sendo a verba total de 400 mil, apenas 80 têm direito à medida agora anunciada. Só a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) representa 191 editoras e 21 livreiros, de acordo com números internos atualizados.

Segundo fonte do Ministério da Cultura, podem candidatar-se a este apoio as editoras e livrarias que tenham existência jurídica em território português e atividade regular desde há pelo menos dois anos. A coordenação das candidaturas caberá à Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Estão abrangidas obras de poesia, ficção, teatro, banda desenhada, literatura infanto-juvenil e ensaio sobre artes e e património, desde que escritas em português e por autores portugueses. Os livros comprados serão depois distribuídos pelo Instituto Camões nos Centros Culturais Portugueses espalhados pelo mundo e junto da rede de Ensino de Português no Estrangeiro.

Descrito como um programa para “apoiar as editoras e livrarias portuguesas no sentido de atenuar os efeitos provocados pela pandemia”, é considerado pelo próprio Ministério da Cultura como “medida para o curto prazo”, pensada para “situações de maior vulnerabilidade”. O montante de 400 mil euros soma-se aos 200 mil que já estavam previstos no orçamento do Ministério para compra de livros destinados à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.

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Quanto às bolsas de criação literária, cujo concurso arranca já em maio, e não em setembro ou outubro como nos últimos dois anos, terão um acréscimo de 45 mil euros face a 2019, quando o montante foi de 135 mil euros. Isto permitirá atribuir seis bolsas anuais e 12 semestrais (mais meia dúzia do que em 2019).

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, fala perante a Comissão de Cultura e Comunicação sobre as consequências resultantes da pandemia da COVID-19 nos setores da Cultura e da Comunicação Social, na Assembleia da República em Lisboa, 15 de abril de 2020. TIAGO PETINGA/LUSA

Além da compra de livros, o ministério de Graça Fonseca quer lançar já em maio bolsas de criação literária com verba superior à do ano passado

“Pouco ou nada vai resolver”, diz APEL

As novidades surgem depois de uma reunião, na terça-feira, entre a ministra da Cultura e a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL). Em declarações à Rádio Observador, já esta quinta-feira, o presidente da APEL, João Alvim, reagiu aos apoios anunciados: “Não era nada disto que gostaríamos nem esperávamos, nem nada nestes moldes. Pouco ou nada vai resolver”, considerou, acrescentando: “Daquilo que conheço, tenho ideia que para pequenas e médias livrarias e para pequenos e médios editores, isto não vai resolver o que quer que seja”.

Uma pequena livraria tem certamente um ou dois empregados, tem uma renda para suportar e está fechada. Todos os custos estão a cair lá. É bonito dizer que paga a renda daqui por uns meses, mas com a expectativa de vendas extraordinariamente baixa para os meses que vêm e de recuperação muito lenta nos anos que se seguem, não vai ter capacidade nem para sustentar futuramente a renda nem para pagar as rendas que ficaram para trás. Ficam mais endividadas e não têm caminho para a frente”, defendeu João Alvim.

Há ainda o problema de as linhas de crédito, que endividarão livrarias que esperam ter uma quebra de receitas durante muito tempo, terem “condições de acessibilidade muito condicionadas”. Se nada de significativo for feito, o presidente da APEL não tem dúvidas que muitas pequenas e médias livrarias “não terão condição para continuar”.

Livros. “Setor está totalmente parado e sem apoios” alerta Associação Portuguesa de Editores e Livreiros

A quebra de vendas em livraria, que é “o principal canal de vendas de livros”, vai “na casa dos 83%”, disse ainda João Alvim. “Portanto a situação é extremamente angustiante, não só para os livreiros como para os editores e todos aqueles envolvidos na preparação e desenvolvimento de um livro: autores, tradutores, revisores, paginadores, as próprias gráficas. É todo um setor que parou, que está totalmente parado e sem apoios significativos”.

Se pensarmos na crise atual e no impacto que vai ter em toda a economia, forçosamente no setor do livro, a expectativa é que seja não só mais funda do que foi da outra vez como ainda vá demorar mais anos a recuperar. O online, se bem que não haja números públicos, andaria antes da crise entre os 5% e os 8% da totalidade [de receitas] da atividade. Admito que possa ter crescido qualquer coisa como 40% ou 50%, mas continua a ser um número muito pequenino, não resolverá problema das livrarias, editores e livreiros”, referiu

Antes, num comunicado na quarta-feira à tarde, a APEL tinha revelado que Graça Fonseca teria dito que o setor do livro “deve procurar as soluções para a sua situação” através das “novas medidas transversais do Governo para o estado de emergência”, ou seja, os apoios já anunciados pelo Ministério da Economia para todas as empresas, independentemente da área de atividade.

“Temos que seguir o nosso caminho por nós”, tinha lamentado no comunicado de quarta-feira o presidente da APEL. “Vão ser anos de extrema dificuldade, basta recordarmos a anterior crise, um pequeno exemplo do que nos espera”, acrescentara João Alvim. No que pode ser interpretado como uma crítica velada a Graça Fonseca, João Alvim referia ainda: “Somos corredores de fundo, não vivemos no imediatismo.”

O mesmo comunicado informava que daquela reunião saiu a garantia da ministra de que “está em estudo a reabertura para breve, de forma condicionada” do pequeno comércio de rua, o que “poderá” incluir as livrarias.

Oito propostas da APEL

A reunião de terça-feira tinha estado agendada para 17 de abril, mas não teve lugar nesse dia. Graça Fonseca optou por fazer uma conferência de imprensa com anúncio de apoios de 15 milhões de euros à comunicação social (os média são uma das áreas sob alçada do Ministério da Cultura). A APEL não gostou e nesse mesmo dia 17 enviou uma nota à imprensa considerando estar “sozinha e num monólogo”. “Apenas nos resta concluir que não só setor editorial e livreiro não é uma prioridade para o Ministério da Cultura como acima de tudo não é visto como importante ou sequer relevante para que haja uma linha de diálogo”, lia-se.

Informação divulgada pela APEL nos últimos dias indica que num primeiro encontro, a 2 de abril, com um assessor do Ministério da Cultura os editores e livreiros apresentaram oito propostas que consideram urgentes no curto e médio prazo. A saber:

  • “alargamento da Lei do Preço Fixo à semelhança de outros países como França e Espanha”;
  • “para as livrarias, subsídio a fundo perdido para as rendas durante o período de inatividade e revisão da lei do arrendamento para livrarias”;
  • “transitoriamente, redução do IVA a zero por cento no livro, por um período de um ano, que permita criar uma margem adicional a todo o sector livreiro e editorial”;
  • “linha de crédito especial para as livrarias poderem satisfazer os compromissos com os editores seus fornecedores”;
  • “flexibilidade laboral, sempre salvaguardada pelo respeito profissional e pela proteção social”;
  • “linha a fundo perdido para apoio às editoras no desenvolvimento de novos projetos”;
  • “aquisição de livros pelas bibliotecas aos livreiros”;
  • e “oferta de cheques-livro às famílias para relançar a atividade”.

O apoio de 400 mil euros que o Ministério da Cultura anunciou responde a uma das oito reivindicações. O subsídio para rendas e as alterações à Lei do Preço Fixo estarão em estudo por parte do Governo. Mas a generalidade das ideias “não tiveram acolhimento”, disse João Alvim à Rádio Observador. “O Governo não se mostrou especialmente recetivo, antes pelo contrário, levantou uma série de questões e problemas”.

Há já “inúmeras empresas editoriais e livreiras à beira do fecho permanente”, de acordo com a APEL, o que arrasta para a crise autores, tradutores, revisores, paginadores, designers, funcionários das empresas e empregados de loja.