A injeção de 850 milhões de euros com destino ao Novo Banco não foi feita à revelia do primeiro-ministro, garantiu esta quarta-feira o ministro das Finanças no Parlamento. Em resposta à pergunta do deputado do PSD, Afonso Oliveira, Mário Centeno foi categórico:
“Não, não foi à revelia. Não há nenhuma decisão que não passe pelo Governo e pelo Conselho de Ministros e não decidimos resoluções desastrosas na praia”.
Na comissão de orçamento e finanças, Centeno explicou que a ficha de apoio ao primeiro-ministro sobre o tema chegou com um par de horas de atraso. Ou seja, não estava na posse de António Costa quando fez a intervenção no debate quinzenal em que afirmou que não haveria mais dinheiro para o Novo Banco sem o resultado da auditoria especial em curso.
O ministro não esclareceu, nem lhe fizeram a pergunta, se tinha comunicado ao primeiro-ministro que a injeção em causa — 850 milhões de empréstimo ao Fundo de Resolução para injetar 1035 milhões de euros no Novo Banco — não poderia ficar condicionada à conclusão e ao resultado da auditoria especial aos créditos que geram as perdas. Teria de ser feita antes, como aliás explicou no Parlamento.
O que explica a nova polémica com a injeção de apoios do Estado no Novo Banco
O ministro das Finanças passou ao ataque remetendo os compromissos financeiros do Estado com o Novo Banco ao processo de intervenção no Banco Espírito Santo que coincidiu com a chamada saída limpa da troika em 2014. E no qual não poupou a intervenção em 2015 do Banco de Portugal numa “capitalização selvagem”.
Numa resposta à reação do líder do PSD à operação, o ministro das Finanças acusou o PSD de ter “palavras sem vergonha e sem memória” e citando Batista Bastos perguntou ao deputado do PSD: “Onde estava a 3 de agosto de 2014”? – data da resolução do Banco Espírito Santo. “Não se façam de virgens esquecidas”.
Palavras fortes depois uma explicação inicial longa sobre o tema do Novo Banco e sobre a inevitabilidade desta operação, face aos compromissos assumidos pelo Estado e que resultam, na leitura de Centeno, da “mais desastrosa resolução bancária”, promovida pelo Governo do PSD/CDS.
Os 850 milhões de euros emprestados ao Fundo de Resolução para meter no Novo Banco “não são um empréstimo que o Estado faça porque gosta”. Numa audição da comissão de Orçamento e Finanças, o ministro das Finanças recordou as condições que conduziram a esta operação e que teve na sua origem, disse Mário Centeno, a resolução bancária mais “desastrosa jamais feita” e uma seleção de ativos “mal feita e incompetente” em 2014 quando foi criado o Novo Banco, um banco que afinal era mau, face ao banco péssimo.
Deputados da direita à esquerda dizem que críticas de Centeno têm com alvo António Costa
Sublinhando várias vezes que este foi um processo auditado e verificado por cinco entidades (auditor do Novo Banco, Banco Central Europeu, Fundo de Resolução, Comissão de Acompanhamento e agente externo de verificação), o ministro das Finanças desta o “lapso freudiano” revelado pelo uso das palavras auditoria e auditorias a propósito deste tema, numa resposta a Mariana Mortágua. “Um S faz uma diferença muito grande”.
O ministro das Finanças confirma que já foi pedida uma extensão da auditoria especial para incluir a gestão dos créditos feita no ano de 2019.
Para Afonso Oliveira, as justificações dadas como Centeno terão como destinatário o primeiro-ministro e não os deputados, já que foi António Costa que fez depender a injeção financeira da conclusão uma auditoria, quando a operação já estava executada. Esta nota foi levada mais longe por Mariana Mortágua que questionou o ministro das Finanças sobre o destinatário das palavras críticas que dirigiu aos que “procuram aparecer 10 segundos” na abertura dos telejornais. “As acusações que faz, são ao primeiro-ministro”, conclui a deputada do Bloco de Esquerda, lembrando o compromisso político assumido por António Costa segundo o qual não haveria mais dinheiro para o Novo Banco sem o resultado desta auditoria especial. Um compromisso que não foi respeitado.
Também Cecília Meireles considerou que a audição parlamentar não será o local mais adequado para enviar “recados” ao primeiro-ministro, mas a deputada do CDS preferiu concentrar a sua intervenção nos apoios prometidos pelo Estado às empresas. André Silva do PAN junta o episódio do Novo Banco à “novela política” sobre quem irá assumir o cargo de governador do Banco de Portugal, fazendo a pergunta direta a Mário Centeno.
No final da audição, Mário Centeno pediu ainda respeito pelo Novo Banco, uma instituição que emprega milhares de pessoas, e lembrou que o parlamento passou centenas de horas a escrutinar a venda do Novo Banco e os apoios públicos.
“Esta assembleia sabe qual é o risco que ali está subjacente e tem obrigação de saber que existem cinco entidades independentes que têm obrigação de controlar, verificar e validar a operação que é difícil e sistémica para a economia portuguesa e é assim que tem de ser tratada”.
“Ainda vamos a tempo” de corrigir prémios aos gestores do Novo Banco
Na sua intervenção inicial, o ministro das Finanças alertou para as consequências de não se efetuar o pagamento da verba prevista e contratualizada. Aconteceria o mesmo que em 2015 quando “uma capitalização desordenada” — promovida pelo Banco de Portugal atingiu obrigações seniores emitidas pelo Novo Banco e que estavam na mão de investidores internacionais.
Uma situação, acrescentou Centeno, que custou 1.500 milhões de euros ao Estado na emissão de dívida pública. O resultado de não fazer o empréstimo, previsto, contratualizado e essencial para o banco cumprir os rácios exigidos pelo supervisor, seria iniciar “uma crise bancária auto-infligida”, para além da crise sanitária, por incumprimento de obrigações financeiras. “Mas há quem teime em não aprender”, terminou dirigindo-se aos deputados.
Mário Centeno foi ainda questionado pelo deputado Fernando Anastásio do PS sobre os prémios de gestão de dois milhões de euros atribuídos no Novo Banco, mas cujo pagamento está suspenso até 2022, devido às restrições impostas no plano de reestruturação.
Para o ministro das Finanças, “ainda vamos a tempo de ser corrigida esta situação” nos novos órgãos sociais do Novo Banco. Mário Centeno espera que haja aqui uma “empatia” sobre o enquadramento da tomada dessa decisão pelo acionista privado, a Lone Star. O Fundo de Resolução é acionista, mas que não interfere na gestão e não tem direito de voto. No entanto, e em concertação com as Finanças, reduziu a injeção pedida de 1037 milhões de euros para não cobrir esta verba, o que penalizou os resultados do Novo Banco em 2019. “É um passo nesse sentido”. Mas o ministro apela ao bom senso nesta matéria.
“Não podemos eliminar mecanismos de controlo” das ajudas
Sobre as ajudas às empresas no quadro das linhas de crédito com garantia pública, Mário Centeno, foi confrontado com o atraso na decisão destes processos e na demora com o que o dinheiro está a chegar às empresas.
“Não podemos imaginar que de repente eliminamos todos os mecanismos de controlo das políticas públicas, se não vamos passar todos os anos a pedir auditorias. Foi porque isso acontecia no passado, é que passamos mais de metade desta audição a falar de auditorias”, destacou numa nova referência ao processo do Novo Banco.
Mas Mário Centeno, reconhece também que não há tantos contratos assinados como se desejava e esperava, mas também é preciso várias partes para assinar um contrato. Mas insiste têm de ser implementados mecanismos de controlo, como o cumprimento das obrigações fiscais e com a banca. E isso tem de ser feito, processo a processo.