27 chefes de Estado e de Governo à mesa (cada um na sua, em videoconferência). 750 mil milhões de euros (o valor da proposta de Fundo de Recuperação da Comissão Europeia) em discussão. Mas pouco mais do que zero possibilidades de que saia alguma decisão definitiva do Conselho Europeu desta sexta-feira. É crucial, porém, que os líderes europeus deem passos concretos no sentido de um plano ambicioso, caso contrário, avisou esta sexta-feira a presidente do Banco Central Europeu, a recente calma nos mercados financeiros pode estar em risco – desde logo porque é uma calma induzida, em parte, pela expectativa de que esse acordo virá.

Na carta-convite dirigida aos chefes de Estado e de Governo dos 27, entre os quais o primeiro-ministro António Costa, o próprio presidente do Conselho Europeu assume que esta primeira cimeira para discutir as propostas apresentadas em 27 de maio passado pelo executivo comunitário visa apenas desbravar caminho com vista a um acordo numa posterior cimeira, já em julho, se possível presencial.

O presidente do Conselho Europeu, que tem procedido a consultas com os 27 nas últimas semanas, também assume na mesma carta que ainda não há consenso em diversas matérias, que chega a enumerar.

Não é expectativa da presidente do Banco Central Europeu (BCE) que seja esta sexta-feira concretizada a expectativa criada por vários líderes, incluindo Angela Merkel e Emmanuel Macron. Mas Christine Lagarde avisa os líderes europeus que não ficar demasiado tranquilos com a relativa calma nos mercados financeiros, porque essa é uma calma baseada precisamente na esperança de que os estados-membros não irão dececionar quem está à espera de um pacote de estímulo económico na União Europeia.

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Os comentários de Lagarde, citados pela agência Bloomberg, terão sido proferidos através de videoconferência, segundo responsáveis que ouviram as palavras da presidente do BCE, dirigidas aos chefes de Estado. A Alemanha e França estão a fazer pressão para que conclua um acordo em julho, um prazo que se não for cumprido poderá levar a uma instabilidade nos mercados financeiros que acabe por prejudicar a recuperação económica.

“Frugais” contra “amigos da coesão”. Começa novo “round”

Antes de irmos aos temas, vamos aos protagonistas das posições contrárias. Tal como sucedeu em fevereiro, numa anterior tentativa de chegar a acordo sobre o orçamento plurianual da União, deverá registar-se um ‘choque’ entre os chamados países ‘frugais’ [Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia] e um conjunto bem mais vasto de Estados-membros intitulados ‘amigos da coesão’.

É neste grupo dos amigos da coesão que Portugal junta forças a França, Itália e Espanha, entre outros. A crise da covid-19, contudo, provocou novas alianças, já que os interesses dos Estados-membros divergem em função dos apoios que lhes podem vir a caber no quadro do Fundo de Recuperação.

Inalterada é a posição dos ‘frugais’, que, além de não quererem aumentar as contribuições para os cofres comunitários, defendem que os apoios de recuperação aos países mais fragilizados sejam na forma de empréstimos e sob condições estritas, e aqui reside o principal obstáculo a ultrapassar nas negociações.

E agora as matérias em cima da mesa. Basicamente, todas as questões-chave do pacote: “o tamanho e duração dos diversos elementos do Plano de Recuperação”, “as melhoras formas de alocar a assistência e a questão dos empréstimos e subvenções”, “questões relacionadas com a condicionalidade e a governação” e, por fim, “a dimensão e o conteúdo do Quadro Financeiro Plurianual [2021-2027], incluindo os recursos próprios e os ‘rebates’”, os descontos de que beneficiam alguns Estados-membros nas suas contribuições para o orçamento comunitário.

Sobre a mesa, os líderes europeus têm as propostas de um Fundo de Recuperação da economia europeia no pós-pandemia, no montante global de 750 mil milhões de euros – 500 mil milhões em subvenções e 250 mil milhões em empréstimos -, e de um Quadro Financeiro Plurianual revisto para 2021-2027, no valor de 1,1 biliões de euros.

Portugal poderá vir a arrecadar um total de 26,3 mil milhões de euros, 15,5 mil milhões dos quais em subvenções e os restantes 10,8 milhões sob a forma de empréstimos (voluntários) em condições muito favoráveis.

Ursula von der Leyen. Europa não pode desperdiçar oportunidade

Ainda assim, no arranque dos trabalhos a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen exortou os líderes europeus a concentrarem-se no essencial nas discussões sobre o plano de recuperação para superar a crise da covid-19, argumentando que a Europa não pode desperdiçar esta oportunidade.

Numa mensagem divulgada no início da cimeira (tecnicamente os chefes de Estado e de Governo da UE vão começar a negociar as propostas do Fundo de Recuperação mas também do orçamento plurianual para 2021-2027), Ursula von der Leyen defende que o seu plano “é ambicioso e equilibrado”.

“Ajuda não só as economias dos países que foram mais atingidos pelo vírus, como também os países cujas economias sofreram um forte impacto indiretamente devido aos confinamentos”, aponta.

Segundo Von der Leyen, “a Europa deve agora investir e reformar para sair da crise”, e o pacote de recuperação que a Comissão propõe – denominado «PróximaGeraçãoUE» – está concebido de modo a que a retoma europeia seja “resiliente, sustentável e digital”.

“Por outras palavras, ajudará a Europa a modernizar-se”, sustenta, defendendo então que “esta é uma oportunidade que a Europa não pode desperdiçar”.

Ursula von der Leyen exorta por isso os chefes de Estado e de Governo dos 27 a “focarem-se no essencial”, pede sentido de união e adverte que “não há tempo a perder”.

David Sassoli. Cidadãos, empresas e economia precisam de respostas já

Também o presidente do Parlamento Europeu disse esta sexta-feira aos líderes dos 27 que “os cidadãos, as empresas e as economias da UE precisam de uma resposta imediata” à crise, que não pode ser menos ambiciosa que aquela proposta pela Comissão.

Na habitual intervenção do presidente da assembleia perante os chefes de Estado e de Governo que antecede o início formal dos trabalhos do Conselho Europeu, David Sassoli sublinhou a urgência numa resposta que esteja à altura das expectativas dos cidadãos.

“O tempo é um luxo que não podemos permitir-nos. Precisamos de agir com urgência e de forma corajosa, uma vez que os cidadãos, as empresas e as economias da UE precisam de uma resposta imediata. Os nossos cidadãos esperam uma ação vigorosa. Agora é o momento de apresentarmos resultados”, sublinhou na sua intervenção na videoconferência, divulgada em Bruxelas.

Sassoli reiterou a opinião já expressa diversas vezes pelo Parlamento Europeu de que a proposta colocada sobre a mesa pela Comissão Europeia, de um Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros, associado a um orçamento plurianual para 2021-2027 na ordem dos 1,1 biliões, é “ambiciosa” mas também o mínimo exigível face ao atual contexto de crise.

“Não aceitaremos qualquer recuo em relação a esta proposta inicial, que devemos tomar como ponto de partida e melhorar, para garantir que as decisões críticas que agora tomamos beneficiem toda a gente. Ninguém deve ser deixado para trás”, afirmou.

Para financiar a resposta à crise, e designadamente para pagar as centenas de milhões de euros que a Comissão se propõe ir angariar aos mercados através da emissão conjunta de dívida, Sassoli lembra a posição do Parlamento Europeu no sentido de a União ter forçosamente de aumentar os recursos próprios do seu orçamento, para não deixar um fardo para as gerações futuras.

“Agora não é o momento de diluir as nossas ambições. Temos de mostrar aos nossos cidadãos o valor da Europa e a nossa capacidade de encontrar soluções que sejam importantes para as suas vidas”, concluiu.