Experimentar o Huawei P40 Pro é como jogar o jogo do “preferias”: preferia ter um telemóvel altamente competente, mas que não lhe permitisse instalar apps como o Netflix e o Gmail; ou preferia ter um telemóvel de media performance (funciona, mas não é a melhor máquina para tudo), no qual podia instalar tudo aquilo a que está habituado sem problemas? Com este Huawei, vemos que a preferência mais segura e prática é a segunda opção.

O Huawei P40 Pro chegou ao mercado português em abril e é, atualmente, o smartphone topo de gama da Huawei. Ou seja, é aquele telemóvel da marca chinesa que consegue mostrar o máximo que a empresa tem para mostrar neste mercado. Além disso, este é o smartphone que mostra os esforços desta tecnológica em tentar ultrapassar o seu maior handicap: tem um sistema operativo Android, da norte-americana Google, incompleto.

A App Gallery é a alternativa da Huawei à Play Store. Contudo, apesar de já ter milhões de aplicações, há apps populares que ainda não tem

Por causa desta lacuna, não há todas as apps a que estamos habituados. A plataforma oficial de aplicações é a AppGallery, da Huawei, e não a Play Store, a loja oficial da Google que está incluída na maioria dos smartphones Android. E nem vale a pena tentar instalar a Play Store neste telemóvel para dar a volta a isto, deixamos já o aviso: não é fácil nem seguro, e quem faz o aviso é a própria Google.

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Esta situação acontece devido a um embargo dos EUA à Huawei por acusações de conluio com o Partido Comunista Chinês. O caso não parece que vá parar tão cedo e, recentemente, a empresa mãe, que incluiu a Huawei, responsável pela venda de componentes para o 5G, e a Huawei Consumer BG, que tem a tutela da venda dos smartphones, continuam a ser acusadas de espionagem, algo que têm negado.

Geopolítica de parte, e no que concerne ao hardware do P40, este não deixa de ser um smartphone topo de gama à altura dos outros de topo — sim, incluindo o Samsung Ultra Pro 20. Tem uma capacidade de bateria, câmara fotográfica e perfomance de topo. Contudo, depois de experimentarmos, percebe-se o quão dependentes estamos do software da Google e das apps que este nos permite instalar com segurança. Com este telemóvel vemos que a diferença não é como usar o iOS, da Apple, em vez do Android. É usar um sistema que é Android misturado com software da Huawei que acaba só por parecer simplesmente incompleto, principalmente no acesso a apps.

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Isto tudo significa que, em vez de testarmos com facilidade os pontos altos de hardware que este smartphone oferece — a câmara e a bateria são mesmo boas, voltamos a salientar –, ficámos focados nas apps que não conseguimos instalar ou utilizar devidamente. Se não fosse esta desvantagem, o P40 Pro quase que poderia justificar o valor base de cerca mil euros, tendo em conta o que a concorrência direta da Apple e da Samsung oferecem.. Porém, no final, é o facto de não se poder instalar apps como o Spotify, o Netflix, o Waze, o Reddit, o Instagram, todas as apps da Google (Gmail, Maps, Chrome, etc.), ou até a app do Observador, que faz este smartphone mostrar como um sistema Android incompleto é limitativo, pelo menos, enquanto não der para instalar as apps que a Apple e a Google conseguem ter.

Quando se pesquisa na AppGallery uma app que não está disponível o sistema convida o utilizador a adicioná-la à lista de desejos para ser avisado se ficar disponível

Configurar o Huawei P40 Pro: calma, isto que estou a fazer é seguro para os meus dados?

Desde o momento em que se liga pela primeira vez o Huawei P40 Pro até começar-se a utilizá-lo é possível ver que este não é um smartphone como os Android a que estamos habituados. Contudo, é parecido. Afinal, a base do sistema continua a ser o Android de acesso livre e o EMUI, o nome do software que a Huawei tem utilizado para fazer as suas alterações ao Android desde antes do embargo.

Na configuração inicial, o sistema propõe que façamos uma conta Huawei, à semelhança do Android que pede que tenhamos uma conta Google. Contudo, mesmo sem criar logo uma é possível copiar os dados de outro smartphone Android, incluído a maioria das apps, para migrarem para o novo smartphone. Mesmo assim, com a utilização quotidiana, acaba por ser necessário fazer uma conta da Huawei (nem que seja para a App Gallery).

[Na fotogaleria mostram processo de configuração do P40, que não conseguiu migrar todas as apps de um telemóvel com Android completo]

7 fotos

Com a app Phone Clone dá para transferir de forma prática os dados entre o telefone antigo e o Huawei P40 Pro. No nosso teste, no final, houve algumas aplicações que não deu mesmo para passar — salientamos a da Uber, a do Netflix e a da Glovo –, por não estarem disponíveis na App Gallery. Contudo, apps como o Waze ou o WhatsApp, que também não estão na loja de aplicações oficial da Huawei, foram migradas e funcionaram no novo smartphone. Agora, se as desinstalarmos, não dá para voltar a instalá-las de forma segura.

É esta palavra “segura” que criou mais problemas enquanto utilizámos o P40 Pro. Uma rápida pesquisa na internet mostra que é possível instalar as apps em falta através de um ficheiro .apk, o nome dado ficheiro base para aplicações móveis nos Android. Isto é já algo possível nos outros smartphones Android, mas não é recomendável. O iOS, por exemplo, cria mais problemas do que o Android para ficheiros não oficiais exatamente para garantir que seja seguro.

Por isto, da mesma maneira que instalar um programa num computador do qual fizemos download de um site que encontrámos no Google é perigoso, também é nos smartphones. As lojas oficiais existem pela mesma razão que a Apple e a Microsoft têm plataformas próprias para download de programas: há sempre a possibilidade de instalarmos alguma coisa insegura. Ou seja, se um ficheiro não está na App Gallery, não há garantias de que a utilização é segura.

As lojas de apps têm a vantagem de, em teoria, terem só apps que não roubam dados a mais nem acedem a outras configurações nos smartphones. É a barreira que permite às pessoas com menos literacia digital tirarem tanto proveito dos smartphones como quem nasceu já com um telemóvel na mão.

Infelizmente, com o P40 Pro, foram demasiadas as vezes em que deparámos com  a possibilidade de instalarmos um ficheiro .apk quando a app não estava disponível na App Gallery. Exemplo disto é o caso da app do Facebook (ver a imagem abaixo). Assumimos: nem fizemos o download de outra forma pelo risco que sabemos que pode representar. Mesmo assim, foi o que o site do Facebook sugeriu quando acedemos à rede social pelo navegador de internet móvel que vem instalado no smartphone.

Através do browser da Huawei é possível aceder ao Facebook e o site pergunta se queremos instalar por aí a app, sem passar pela App Gallery, onde não tem serviços devido ao embargo

É importante referir que a App Gallery não é uma loja que não tem nada. A Huawei tem repetidamente referido que tem cada vez mais apps no serviço, incluindo aplicações oficiais do Governo português, como a Autenticação.gov. Ao Observador, Ana Lorena, responsável de comunicação da Huawei Consumer BG em Portugal, refere que se os utilizadores não conseguirem encontrar as apps que querem, “há alternativas”. Ou seja, a própria Huawei mostra apps semelhantes a serviços que não permite fazer o download no smartphone.

Mesmo assim, em situações em que nem através do browser da Huawei — que continua a ser uma das maneiras de utilizar apps que não não dá para instalar, como a Uber — dá para fazer tudo, o que é que se faz? Não muito. O caso da ausência da app do Netflix é claro nisto: conseguimos até fazer login no browser móvel da Huawei, mas não deu para abrir nenhum episódio porque era preciso instalar a app. Ironicamente, o sistema disse que tínhamos app instalada no Google Play porque tínhamos acedido ao Gmail pelo browser. Agora, neste smartphone não há possibilidade de instalá-la. Efetivamente, vimos alternativas — a app do Outlook dá para instalar, por exemplo. Porém, por alguma razão, o Gmail tem sucesso e é também porque as alternativas não costumam ser tão boas ou práticas.

Um telemóvel à altura dos grandes, mas com um sistema operativo que não consegue ser o que queria

Ao contrário de análises de smartphones que fazemos no Observador — até com gifs — este smartphone não tem classificação. O objetivo deste artigo foi perceber até que ponto um telemóvel com um Android incompleto continua a ser um topo de gama competente. No que toca ao hardware, não há dúvida que e podemos justamente comparar ao melhor que a concorrência tem para oferecer. Já no que toca ao sistema operativo, por mais opções próprias que a Huawei tenha para colmatar não ter apps como o Gmail, as limitações mostram o quão estamos dependentes da Google.

Nos últimos dois meses, referiu a Huawei ao Observador, a empresa tem sido a maior fabricante de telemóveis a nível mundial, tendo ultrapassado a Samsung. Isto de acordo com análises da empresa Counter Point. Mesmo assim, estes números devem-se ao facto de a pandemia ter posto em confinamento a maior parte do mundo ocidental e, na China, a “nova normalidade” já estar a levar os consumidores chineses a comprarem mais smartphones, onde a Huawei é líder, refere a mesma empresa de análise de dados, como noticiou a Forbes.

A Huawei continua a afirmar sem rodeios ou hesitações que, mesmo com os constrangimentos que atravessa, quer tornar-se líder em Portugal. Isto era algo que a Huawei estava a conseguir antes de março de 2019, quando as acusações de países como os EUA de espionagem e conluio com o Partido Comunista Chinês começaram a ter mais consequências.

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Outra empresa de análise de mercado, a IDC, referia em maio ao Observador que a Huawei continuava a ter uma posição forte em Portugalm porque “a maior parte dos retalhista e operadores continuaram a suportar a Huawei, porque a Huawei investe nesses pontos de vendas, algo que a Apple não faz [por exemplo]”. As perspetivas para cativar o consumidor com novos produtos com as limitações que o P40 Pro mostra podem começar a fazer-se notar brevemente. Mesmo com a tecnológica chinesa a afirmar que tem tido “uma tendência de crescimento sustentável” em Portugal, a IDC refere que assim que os modelos de 2019, que têm o Android completo, deixarem de ser competitivos, os consumidores podem começar a querer outros smartphones.