Os líderes dos principais grupos políticos do Parlamento Europeu (PE) qualificaram esta quinta-feira como “histórico” o acordo alcançado pelos 27 sobre o fundo de recuperação, mas criticaram os cortes feitos ao orçamento da União Europeia para os próximos sete anos. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, descreveu os cortes como “uma pílula difícil de engolir”.

O PE reuniu esta quinta-feira em plenário extraordinário em Bruxelas para uma primeira avaliação dos resultados da cimeira europeia que terminou na terça-feira e que aprovou um fundo de recuperação pós-pandemia de 750 mil milhões de euros e um orçamento da UE para 2021-2027 de 1,074 biliões, com cortes em vários dos programas geridos por Bruxelas.

“Não podemos aceitar um Quadro Financeiro Plurianual [o orçamento para sete anos] na sua atual forma. Falta-lhe ambição e não cumpre as nossas prioridades”, disse o líder do maior grupo parlamentar, o do Partido Popular Europeu (PPE, centro-direita), o alemão Manfred Weber. Weber evocou “demasiados cortes” em diferentes políticas europeias, sublinhando que os que incidem na investigação e na inovação colocam a Europa “em desvantagem” e a “perder terreno” face à China na inovação. “Estamos a perder o nosso futuro”, advertiu.

Em resposta à presidente da Comissão Europeia, que no início do debate admitiu que os cortes são “uma pílula difícil de engolir”, Weber disse que não estar “preparado para a engolir”, uma vez que o orçamento aprovado “não responde aos desafios dos próximos anos”. A líder dos Socialistas e Democratas (S&D), a espanhola Iraxte García, saudou o acordo para o fundo de recuperação económica, frisando que a UE “mostra que  aprendeu com os erros da crise de 2008”.

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A dirigente social-democrata frisou contudo que o grupo que dirige “não vai aceitar os cortes impostos aos objetivos estratégicos” da UE, “num momento em que é preciso fortalecê-los”, e reclamou um papel central para o PE, que “negociará em pé de igualdade com o Conselho a aplicação do fundo de recuperação e a aprovação do orçamento plurianual”.

García pediu por outro lado “compromissos vinculativos” em relação aos novos recursos próprios, novas fontes de rendimento para o pagamento da dívida que a Comissão Europeia vai contrair para financiar o fundo de recuperação, “que não asfixiem as finanças públicas” e passem pela “taxação justa das multinacionais”. A vinculação do Estado de Direito ao financiamento europeu também foi abordada no debate, com a líder dos Socialistas e Democratas (S&D) a defender que “nem um euro deve ir para governos que violam os direitos fundamentais” da UE e prometendo “firmeza”do grupo que dirige nesta matéria.

O líder do grupo Renovar a Europa (RE, liberal), o romeno Dacian Ciolos, também celebrou a “solidariedade sem precedentes” na base do acordo sobre o fundo de recuperação, mas frisou que essa marca “histórica” não deve fazer com que o acordo não seja avaliado face “à ambição da Europa”. Ciolos também se referiu à questão do Estado de Direito, para recusar que a UE seja “um multibanco” e pedir “garantias sólidas”, porque a UE “não pode financiar políticos que virem as costas aos valores fundamentais” da União.

Pelo grupo dos Verdes, Philippe Lamberts criticou abertamente a postura dos chamados “países frugais” — Holanda, Áustria, Dinamarca e Suécia — pela imposição de cortes ao orçamento, mas responsabilizou igualmente a Comissão por “ter permitido cortes em iniciativas de futuro”. Lamberts defendeu igualmente a importância de que a UE aumentar os recursos próprios, novas fontes de rendimento para o pagamento da dívida que a Comissão Europeia vai contrair para financiar o fundo de recuperação, pedindo a cobrança de impostos “aos predadores em que se tornaram as multinacionais”, e não apenas sobre os gigantes tecnológicos e a poluição.

O presidente do grupo da Esquerda Unitária, Martin Schwirdean, foi quem se mostrou menos entusiasmado com o acordo dos 27, falando de “deceção” por ver “a UE perder uma oportunidade de ouro”.

No final do debate, falando em nome da Comissão, o comissário responsável pelo Orçamento, Johannes Hahn, assegurou compreender as críticas dos eurodeputados, mas pediu rapidez na negociação. “Tomemos uma decisão o mais rapidamente possível. O tempo é fundamental”, disse.

Ursula Von der Leyen admite que cortes no orçamento são “difíceis de engolir”

A presidente da Comissão Europeia admitiu que o acordo dos 27 sobre o orçamento plurianual tem cortes que são “uma pílula difícil de engolir”. “Comecei por dizer que o acordo do Conselho Europeu trouxe a luz no fundo do túnel. Mas com a luz, vem também sombra e, neste caso, a sombra tem a forma de um orçamento a longo prazo muito magro”, afirmou a chefe do executivo europeu. “Este orçamento é uma pílula difícil de engolir. E eu sei que esta assembleia sente o mesmo”, acrescentou.

Von der Leyen referiu nomeadamente os cortes no financiamento de programas europeus como o Horizonte, de investigação, EUHealth, de saúde, e InvestEU, de investimento, sublinhando que todos eles “mais que compensam o seu custo”. “Mas também aí devemos dar um passo atrás e observar de onde viemos”, acrescentou, sublinhando que ao adicionar o fundo de recuperação pós-pandemia, “um grande sinal de solidariedade”, ao orçamento plurianual (2021-2027), a UE dispõe de “um poder de fogo sem precedente” de 1,8 mil biliões de euros.

“Basta olhar ao redor do mundo para ver quem mais pode dizer o mesmo. Não devemos perder de vista o quadro mais alargado”, disse.

Charles Michel defende acordo como sinal de “confiança, robustez e solidez”

Já o presidente do Conselho Europeu defendeu na mesma sessão que o acordo é um “sinal de confiança, robustez e solidez”. “Este momento, é minha convicção, é central na história europeia. Agimos rapidamente e com urgência. Em menos de dois meses, conseguimos um acordo de mais de 1,8 biliões de euros, e esta resposta é maciça comparada com a dimensão da economia. A resposta da Europa é superior à dos Estados Unidos ou da China”, disse Charles Michel.

Charles Michel frisou que este acordo permitiu aos europeus “renovar por 30 anos os votos de casamento” e “afirmar a unidade europeia”, sendo “pioneiro em muitos sentidos”.

“É a primeira vez na história da Europa que acordamos pedir um empréstimo coletivamente para financiar os gastos. É também a primeira vez que os nossos fundos orçamentais estão ligados à nossa ambição climática e é a primeira vez que o nosso orçamento está diretamente vinculado com o Estado de Direito”, afirmou.

O PE deve aprovar esta quinta-feira uma resolução sobre o acordo dos 27, que constitui um mandato para as negociações com a presidência alemã do Conselho Europeu. Só depois da rentrée política deverá pronunciar-se sobre o orçamento, o chamado Quadro Financeiro Plurianual, que tem de ser aprovado por maioria da assembleia europeia para entrar em vigor.

O PE não tem contudo prerrogativas comparáveis em relação ao fundo de recuperação pós-pandemia.