A pandemia já custou diretamente aos cofres do Estado 3,7 mil milhões de euros, o que representa uma duplicação face à fatura de 1,8 mil milhões de euros que se registava até maio.

Com estes números, publicados na síntese de execução orçamental do primeiro semestre, o défice atinge os 6,8 mil milhões de euros — um agravamento de 6,1 mil milhões face ao mesmo período do ano passado, com a receita a cair 9,5% e a despesa a subir 5,4%.

Mas não é desta que o saldo das contas públicas reflete totalmente o impacto da pandemia, com os reparos do Tribunal de Contas a não terem, para já, seguimento no papel. E ainda há umas sobras da “almofada” de IRS, por via do atraso nos reembolsos.

Receber impostos mais tarde gera buraco superior a 2 mil milhões

O Governo indica que abdicou nestes meses de 2,4 mil milhões de euros em receita para combater a crise. Por um lado, permitiu o adiamento da entrega da declaração de IRC para este mês de julho — a medida com maior impacto, ficando para já o Governo com menos 1,5 mil milhões de euros. Mas permitiu também que fosse adiado o pagamento de vários impostos (IVA, IRS e IRC), representando em conjunto menos 738 milhões de euros. Todos estes efeitos são, no entanto, temporários, com o Estado a esperar receber mais tarde esse dinheiro — ou pelo menos parte.

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No total, a quebra na receita fiscal é de 13,9%, com a Direção Geral de Orçamento a explicar que decorre sobretudo do “decréscimo da receita de IRC e de IVA”, tanto pelo “impacto da Covid-19 na atividade económica” como “das medidas de política fiscal adotadas para mitigar esse impacto”. O imposto sobre as empresas cai, por isso, 69,7% face ao ano passado (menos 1,7 mil milhões de euros) e o principal imposto sobre o consumo — e o que mais conta para os cofres do Estado — tem uma redução de 12,4% (ou 1,1 mil milhões de euros).

Défice até maio multiplica por cinco face ao ano passado — e a pandemia acrescenta mil milhões num só mês

Há ainda quebras acentuadas (embora com menos impacto nas contas) do imposto sobre os veículos (-45,3%), do IABA — imposto sobre as bebidas (-20,4%), do ISP (-11,1%) e do imposto sobre o tabaco (-9,4%). Em conjunto, estes quatro impostos representam menos 503 milhões de euros para o Estado.

Fora das receitas fiscais, há uma diminuição de 720 milhões de euros, “nomeadamente ao nível das taxas, multas e outras penalidades e da venda de bens e serviços correntes”. A DGO destaca ainda “a quebra dos rendimentos de propriedade, relacionada sobretudo com a evolução da receita de dividendos”. As contribuições para a Segurança Social não escapam à tendência, com uma quebra de 2,3%.

IRS ainda é uma “almofada”

O que (ainda) contribui de forma positiva é o IRS, cuja receita aumenta 9,6% face ao primeiro semestre do ano passado. Apesar de a diferença já não ser tão elevada como em maio (em que havia um crescimento de 33% face ao período homólogo), o Estado ainda conta até junho com 422 milhões de euros de “almofada” face a 2019  (depois de ter decidido atrasar o início da campanha de IRS, num contexto de confinamento). Ainda que o ritmo tenha vindo a acelerar nos últimos dois meses, não foi suficiente para evitar uma quebra de 10% no valor dos reembolsos processados até final de junho.

Depois disso, a meio de julho, o secretário dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, diria no Parlamento que já foram pagos 98% dos 2.659 mil reembolsos de IRS apurados. O governante recusou que haja atraso no pagamento dos reembolsos, lembrando que o prazo para a liquidação das declarações termina em 31 de julho.

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Nas contas de maio tinha sido esta “almofada” a amparar o impacto da pandemia, tendo em conta que o Governo por essa altura reembolsava menos 1,3 mil milhões de euros em IRS do que até maio de 2019. A receita fiscal mantinha-se assim em terreno positivo, com um aumento ligeiro de 0,4% — algo que acabou com a execução de junho publicada esta segunda-feira.

Alertas do Tribunal de Contas ainda não são levados em conta

Nas contas até maio, o Governo apontava já para uma penalização de 1,8 mil milhões de euros das contas públicas por via das medidas adotadas para mitigar os efeitos da crise. A quebra na receita atingiu 869 milhões de euros nesses primeiros cinco meses e foi registado um aumento de 952 milhões de euros na despesa, catapultando o défice para os 3,2 mil milhões de euros — cinco vezes mais do que no mesmo período do ano passado.

Só que, após a publicação dessa síntese de execução orçamental, o Tribunal de Contas avisou na semana passada que o Governo não estava ainda a contabilizar todos os efeitos financeiros para o Estado das medidas de combate à crise.

O relatório, conhecido a 23 de julho, e que conta com respostas do Governo ao tribunal, referia que houve “impactos relevantes na receita” até maio, “por efeito da isenção do pagamento de contribuições das empresas no âmbito do lay-off”, que não foram incluídos na conta dos impactos da pandemia, apesar de essa informação “estar disponível nos quadros da Segurança Social”.

Mas não só. O Governo também não contabilizou as transferências que o Estado continuou a fazer para as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), apesar de estas entidades terem suspendido as atividades que justificavam a verba em causa.

O Governo respondeu ao tribunal que concorda ser importante monitorizar as despesas para fazer face à pandemia e o Ministério da Segurança Social garantiu mesmo que está a tomar medidas para reforçar a melhoria da informação a partir de junho, nomeadamente com estimativas para perdas de receita. Só que ainda não há sinais dessas medidas nesta síntese da execução orçamental até junho.

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Despesa com lay-off pouco cresceu em junho

O Estado registou para já gastos diretos de 1,3 mil milhões para combater a crise e a pandemia, com a aquisição de equipamentos na saúde (219 milhões) e outros apoios da Segurança Social (247 milhões), mas sobretudo com as medidas de lay-off, que valeram 629 milhões de euros até junho. No entanto, aquela que é a maior medida do lado da despesa no combate à crise teve um aumento de apenas 176 milhões de euros de maio para junho.

No total, a Segurança Social teve mais 13,1% de gastos (+1,6 mil milhões de euros), com destaque para os 876 milhões que o Governo atribui diretamente às medidas para fazer face à crise. Mas há ainda um aumento expressivo da despesa com as prestações de desemprego, que escalaram 18,7%; com a Prestação Social para a Inclusão (para pessoas com deficiência), que subiu 27,8%; e com o Abono de Família (+12,4%). Os gastos com pensões tiveram um aumento de 3,7%.

Para o aumento da despesa contou ainda um maior gasto no Serviço Nacional de Saúde (+6,7%), “nomeadamente em despesas com pessoal (+5,1%)”, indica o Ministério das Finanças.

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Atualizado às 22:30, após a publicação da síntese de execução orçamental