Dias depois do Governo ter anunciado contrapartidas de quase 560 milhões de euros vindas do leilão de energia solar, que vão permitir baixar os preços da eletricidade no futuro a partir de 2023, o regulador da energia deu nota de que o impacto das renováveis vai ser o contrário, no curto prazo. A fatura que será levada a custo das tarifas a pagar pelos consumidores da eletricidade pode disparar no próximo ano.

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A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) avisa que a descida inesperada e acentuada do preço da eletricidade no mercado grossista fez disparar o sobrecusto com as tarifas garantidas nos contratos da produção em regime especial, onde estão os parques eólicos mais antigos e caros, e nos contratos de aquisição de energia.

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No boletim divulgado na sexta-feira passada e que analisa o impacto da pandemia do Covid no mercado da energia, a ERSE começa por notar que o preço médio registado no Mibel (mercado ibérico de eletricidade) no segundo trimestre do ano, quando se sentiu o maior impacto do confinamento, caiu 33% em relação ao trimestre anterior. Comparando o preço médio verificado entre abril e junho, verifica-se que está mais de 50% abaixo do registado para a totalidade do ano passado.

Preço da eletricidade no mercado grossista cai 33%

Ainda que os preços tenham entretanto recuperado parcialmente a partir de maio, “a evolução registada no preço de mercado implica um agravamento das condições de sobrecusto da produção com tarifa garantida (renováveis e CAE não cessados), que atinge um valor acumulado em junho que excede os 25 euros por MW/H (Megawatt Hora). Essa foi a “diferença entre um preço médio até junho de 2020 de cerca de 29 euros por MW/H e um preço considerado em 2019 nunca inferior a 45 euros por MW/H”.

O impacto que este sobrecusto terá nas tarifas do próximo ano ainda não é conhecido, até porque a baixa dos preços de mercado terá também um efeito positivo nos custos estimados pela ERSE quando elaborou a proposta de tarifas para este ano. Isso mesmo sublinha fonte oficial do regulador ao Observador onde destaca que a diminuição do preço no mercado grossista tem um duplo efeito, positivo na tarifa de energia e de sentido contrário nas tarifas de acesso.

Não se pode de uma forma simples extrapolar o impacte global desses dois efeitos. Por um lado, estes efeitos terão pesos diferentes no preço final para os consumidores consoante o nível de tensão contratados. Por outro lado, os valores que refere dizem respeito a 2020 e terão apenas um impacte indireto nas tarifas para 2021″.

A ERSE acrescenta que as tarifas da eletricidade para 2021 terão ainda “em consideração as previsões para esse ano de um conjunto de fatores, tais como o preço de energia elétrica no mercado grossista que se verificará nesse ano”. E indica que está neste momento a “avaliar o impacto desses diferentes efeitos, no quadro da preparação das tarifas para 2021″, cuja proposta será conhecida a 15 de outubro.

Um dos fatores que contraria esta tendência de alta são os leilões promovidos pelo comercializador do último recurso — serviço que a EDP presta aos consumidores do mercado regulado — e que permitem aproveitar as cotações em baixa no aprovisionamento da energia, reduzindo assim o risco de mercado. No leilão realizado em junho foi comprada eletricidade ao preço de 38,35 euros por megawatt hora.

Mas uma coisa é certa. O peso do sobrecusto com as eólicas e com centrais de remuneração garantida na energia comprada é relevante. De acordo com os informação facultada pela ERSE, a partir de dados de 2019 e do primeiro semestre de 2020, o peso da produção com rentabilidade garantida representa mais de metade, 54%, da energia consumida. Neste modelo encontramos a Produção em Regime Especial, onde estão as eólicas, mas também a cogeração ou a tarifa garantida das produtoras de resíduos, mas também os contratos de aquisição de energia (CAE) com as centrais Turbogás e Pego (este contrato termina no próximo ano).

Nas tarifas de 2020, o sobrecusto gerado pela subsidiação ao regime especial e pelas tarifas garantidas nos contratos de aquisição de de energia foi superior a mil milhões de euros, o que representa um quinto dos custos totais do sistema  — 883 milhões de euros para a PRE e 289 milhões de euros para os CAE. Sendo que a fatura extra com a produção em regime especial, onde estão os parques eólicos subsidiados, cai quase toda sobre a baixa tensão onde estão os consumidores domésticos.

Quadro que mostra repartição dos custos de interesse económico geral por nível de tensão dos consumidores de eletricidade

Para além de fixar as tarifas para os clientes finais que ainda estão no mercado regulado, e que são pouco mais de milhão, a ERSE também define as tarifas de acesso às redes e a tarifa de uso geral do sistema, à qual são imputados os custos de interesse económico geral, — a que alguns chamam também de rendas. É aqui que entram os sobrecustos com a produção renovável e as centrais que ainda têm remuneração garantida. A tarifa de uso geral do sistema é paga por todos os consumidores de eletricidade, incluindo os que estão no mercado liberalizado.

Para os mais de cinco milhões de consumidores que têm contrato com uma elétrica, os efeitos na fatura de descida de preços da compra de energia em mercado não têm sido imediatos. Se por um lado, “na atividade das comercializadores de eletricidade, as quebras registadas nos preços médios reflectem-se positivamente na compra diretamente exposta a mercado diário (spot)”. Por outro lado, assinala a ERSE, “para aqueles que tenham de desfazer previamente adquiridas em mercado a prazo (por força da redução da procura), tal significa uma perda de valor unitário correspondente à diferença entre os preços de compra (a prazo) e de venda (em spot)”.

Aliás, esta diferença já tinha sido destacada num trabalho do Observador, sendo que várias das elétricas remetiam para o arranque do próximo ano o ajustamento dos preços às estas condições de mercado.

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