A 29 de setembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, estará em Portugal para participar no Conselho de Estado, a convite do Presidente da República. Mas teve outro convite e vai também estar ao lado do primeiro-ministro quando este apresentar a primeira versão mais desenvolvida feita pelo Governo do Plano de Recuperação e Resiliência. Esta semana começa com António Costa a chamar os partidos à negociação desta proposta e a querer compromisso largo, mesmo quando vê que a moral à esquerda está mais distante do que noutros tempos, sobretudo no PCP que vai tentar convencer com propostas locais. Afinal as autárquicas estão no caminho.

Von der Leyen vai apresentar o programa europeu e, depois dela, António Costa levantará o véu do que está a desenhar — a partir da “Visão Estratégica” do empresário António Costa Silva — para o pós-Covid. Já se sabe que o programa do António Costa primeiro-ministro terá três grandes blocos onde vão encaixar as medidas: resiliência, transição climática e transição digital. E embora exista uma orientação europeia para que 30% do pacote financeiro que virá para Portugal (12 mil milhões de euros) a título de subvenção seja dedicado a políticas de resposta ao problema do clima, o bloco com a maior fatia financeira atribuída será o da Resiliência.

É aqui que o Governo vai integrar as medidas para as áreas sociais, nomeadamente para o investimento no SNS — e aqui já apontou como principal objetivo a reformulação da rede de cuidados continuados. Mas é também neste bloco que se integram as políticas para a habitação, para as qualificações, para a inovação, a eliminação de custos de contento para as empresas e a aposta nas infraestruturas, florestas e água (que cruzam com a tal aposta ambiental).

Foram estas também as áreas onde surgiram as medidas mais emblemáticas da “visão” preparada pelo empresário Costa Silva a quem Costa encomendou o trabalho. Mas falta saber tudo sobre o que lá está: o que vai o Governo aproveitar e como vai pagar. E este último ponto envolve várias vias, dependendo do projeto em causa, já que cada um dos financiamentos europeus previstos (o React-EU, o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e ainda o PT 2030, o quadro financeiro a dez anos).

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Como cada um tem o seu prazo de execução (por exemplo, o PRR é para aplicar até 2026 e o PT 2030 até 2030), o que o Governo está agora a fazer é encaixar cada um das medidas no programa certo. Além disso é preciso também que seja avaliada a elegibilidade temática de cada uma delas, já que a UE definiu prioridades para a aplicação deste mecanismo criado num Conselho Europeu de várias e difíceis madrugadas. Cada um dos planos de cada estado-membro vai ter de passar por Bruxelas e ser entregue até 14 de outubro. E o calendário já é apertado, porque dois dias antes (a 12 de outubro) o Governo também tem de entregar o Orçamento do Estado para o próximo ano no Parlamento.

Com PCP mais reservado do que nunca, Governo arranca nervoso para negociações

As negociações técnicas já estão a decorrer, mas politicamente ainda há todo o caminho por fazer com António Costa a continuar sem resposta ao desafio que deixou para um acordo mais alargado e escrito que permita uma maior previsibilidade das políticas e estabilidade na execução destes instrumentos financeiros.

Da parte do Governo, há disponibilidade para dar palco ao BE em medidas que procurem travar a precariedade e informalidade no meio laboral. Ou seja, o partido liderado por Catarina Martins terá abertura para negociar mais nestas áreas, com o Governo a esperar em troca um voto no Orçamento. Mas a tentativa vai além disso, com Costa a querer usar os restantes instrumentos para forçar um acordo mais alargado no tempo.

Com o PCP a mesma coisa, embora os comunistas, nesta fase da negociação, estejam bem mais reservados do que estiveram nas negociações dos anos anteriores. Até agora só fizeram perguntas e o mais que o Governo soube sobre o que o os comunistas pretendem neste Orçamento chegou-lhe através da intervenção de Jerónimo de Sousa na Festa do Avante.

E sem certezas sobre a viabilização pelo PCP da proposta que o Governo apresentar, Costa espera, pelo menos, que os comunistas não repitam o que fizeram no Suplementar. Nessa altura voltaram, pela primeira vez, contra um Orçamento de um Governo seu, o que não inviabilizou a proposta, mas feriu (praticamente) de morte a ideia de uma reedição da geringonça.

O Governo prepara-se, assim, para acenar com obras de peso ao PCP, apelando à alta sensibilidade autárquica a um ano de eleições locais. O partido de Jerónimo de Sousa teve o pior resultado eleitoral de sempre nas últimas autárquicas (2017) e nessa altura isso até fez com que António Costa chamasse o líder comunista para uma reunião privada para medir o pulso da então ainda existente geringonça. O PCP tinha ido a votos pela primeira vez depois dessa solução e o resultado estava à vista. A geringonça continuou caminho, mas a sua repetição ficou logo ali em dúvida.

“Só não há acordo com o PCP se o PCP não quiser”. Este é o pensamento que António Costa tem na cabeça nesta fase. Já com o BE, o entendimento no Governo é que ele o acordo depende muito do passo que o PCP estiver disponível para dar. Agarrados à frase comunista no orçamento suplementar, em que apesar do voto contra o partido deixou logo claro que isso não significava que no futuro essa posição não pudesse ser revista noutros orçamentos, o Governo avança com a carga toda, ou seja, mantendo o desafio para um acordo alargado. E com aliciantes preparados focados nos comunistas, como por exemplo, o elétrico rápido para Loures, concelho liderado pelo PCP. Ganharia o PS (com os comunistas a estenderem mão) e o PCP (com um ganho para acenar em campanha).

O desenho está a ser feito em vários tabuleiros, numa espécie de jogo em que o Governo vai tentar distribuir medidas pelos vários planos de financiamento e ao mesmo tempo tentar prender parceiros a planos de médio e longo prazo. O objetivo é tentar provar que este pode ser um caminho com ganhos para os vários parceiros. Sendo certo que o único que vai a votos no Parlamento é mesmo o plano de mais curto prazo, o Orçamento para 2021. Aqui o entendimento é uma exigência para o PS. Conseguir acordo para projetos a médio e longo prazo, pode ser meio caminho andado para este objetivo.

Fechado o calendário do planos, as Presidenciais

Depois de cumprido este calendário, o líder socialista vai virar-se — embora apenas momentaneamente — para a política interna. A 24 de outubro vai reunir a Comissão Nacional do PS para definir a estratégia do partido para as Presidenciais.

É assunto a que António Costa não pretende, segundo apurou o Observador, dar muito tempo. A direção socialista vai colocar a questão a debate interno, mas é praticamente certo que não vai apoiar qualquer candiatura. E isto mesmo que na área socialista já esteja instalada Ana Gomes. A própria sabe disso e disse-o mesmo antes de candidatar-se ao assumir, numa entrevista à RTP, que “António Costa jamais permitiria” que fosse a candidata apoiada pelo PS.

A cúpula socialista está convencida, nesta altura, que Marcelo Rebelo de Sousa acabará por não significar uma pedra no sapato para o Governo num segundo mandato. E isto porque Marcelo tenderá sempre a preferir ficar na história do que a repetir o que já foi feito, na avaliação socialista. E no passado, tanto Jorge Sampaio como Cavaco Silva dissolveram o Parlamento no segundo mandato e apenas Mário Soares não o fez — e em condições bem mais seguras para o Governo, já que entre 1987 e 1995 (quase a totalidade dos dois mandatos de Soares em Belém) o primeiro-ministro Cavaco tinha maioria absoluta no Parlamento. Costa não tem.