Faltavam seis minutos para a uma da manhã (hora local) quando o tweet de Donald Trump foi publicado e a notícia caiu como uma bomba: a um mês das eleições, o candidato e Presidente em funções dos Estados Unidos e a sua mulher, Melania Trump, testaram positivo para o novo coronavírus. Meia hora depois, também a primeira-dama confirmou a informação na sua página oficial do Twitter. Em menos de 24 horas, o Presidente norte-americano foi levado para o hospital.
O casal já se tinha preparado para ficar em isolamento profilático, antes de receber o resultado do teste, depois de Hope Hicks, uma das assessoras mais próximas do Presidente ter apresentado sintomas para a Covid-19 e ter testado positivo para o SARS-CoV-2. Mas mesmo perante os resultados do teste, o médico da Casa Branca, Sean P. Conley, disse que o Presidente estava em condições de trabalhar a partir da residência oficial. Na altura, no entanto, não se sabia que o casal Trump apresentava sintomas para a doença.
Mark Meadows, chefe do gabinete do Presidente, disse, na sexta-feira, que Donald Trump “continua não só de bom humor, como cheio de energia”, apesar de ter cancelado os eventos presenciais do dia. O único compromisso que manteve foi uma chamada telefónica com os governadores dedicada aos idosos mais vulneráveis. No entanto, quem acabou por representar o Presidente, nesse momento, foi Mike Pence — que testou negativo para o vírus —, reportou o jornal The New York Times. Fonte da Casa Branca desvaloriza e diz que não deve haver leituras secundárias nesta alteração dos planos.
Por descuido ou erro na linguagem, Larry Kudlow, conselheiro económico da Casa Branca, disse que Donald Trump estava bem e que tinha uma doença “moderada” — mas isso é diferente dos sintomas ligeiros anunciados por outras fontes —, noticiou a CNN. O conselheiro admitiu, contudo, não terá falado com o Presidente esta sexta-feira. Uma fonte próxima do Presidente disse à CNN que Trump está com febre desde esta manhã e que se sente cansado — o que é um pouco diferente das referências a “energia” e boa disposição. Ao fim do dia soube-se o Presidente foi injetado com um fármaco experimental e que foi levado para o hospital militar Walter Reed onde passará os próximos dias.
Trump será encaminhado para o Centro Médico Walter Reed em breve, por precaução e por recomendação do seu médico e de especialistas. O presidente vai trabalhar a partir dos escritórios presidenciais de Walter Reed nos próximos dias”, disse Kayleigh McEnany, secretária de imprensa do Presidente.
Já neste sábado, os médicos que acompanham o Presidente norte-americano no hospital disseram aos jornalistas que estão “cautelosamente otimistas” com a saúde de Trump. O médico presidencial, Sean Conley, começou por assegurar que “o Presidente está muito bem”, reconhecendo depois que “na quinta-feira teve uma tosse ligeira, alguma congestão nasal e fadiga, que já estão a melhorar”.
“Todas as funções vitais estão normais. Esta manhã, o Presidente não está a precisar de oxigénio nem tem dificuldade em respirar nem em andar. Ele disse-nos ‘sinto que posso sair daqui a andar hoje’, o que foi muito encorajador para nós”, acrescentou o médico. Porém, horas depois vários meios de comunicação social norte-americanos começariam a divulgar informações contrárias, com base em fontes da Casa Branca: Trump precisou de oxigénio depois de ter dificuldades em respirar na sexta-feira.
Quem o viu na angariação de fundos no seu clube de golfe, em Bedminster (Nova Jérsia), na quinta-feira, também achou que o Presidente parecia letárgico, mas que poderia ser cansaço das intensas atividades de campanha, noticiou a CNN. Nessa altura, o Presidente já sabia que Hope Hicks tinha testado positivo, mas mesmo assim esteve no evento sem máscara, assim como a maior parte dos convidados. Trump diz que, nos vários eventos em que participa, as pessoas se querem aproximar dele, como os militares, e não tem como dizer: “Afastem-se! Afastem-se”.
A conferência de imprensa dos médicos de Trump este sábado também levantou dúvidas sobre o momento em que o Presidente norte-americano soube que estava infetado. Sean Conley começou as declarações aos jornalistas afirmando que Trump tinha sido diagnosticado há 72 horas, o que colocaria o momento do diagnóstico na quarta-feira — antes, portanto, da participação de Trump na angariação de fundos.
Donald Trump diz que usa máscara quando sente que é necessário, mas na prática isso acontece em poucas situações. O Presidente chegou mesmo a gozar com o candidato adversário, durante o primeiro debate para as presidenciais norte-americanas, por estar sempre a proteger-se. A verdade é que Joe Biden e a mulher, que não tirou a máscara durante o debate, testaram negativo para o novo coronavírus — e Biden vai continuar em campanha. Ivanka Trump que assistiu ao mesmo debate sem máscara também testou negativo.
Muitos outras pessoas do círculo próximo do Presidente Trump foram testadas e reportaram resultados negativos: Mike Pence, como referido, e a mulher Karen Pence; o secretário de Estado Mike Pompeo; o secretário do Tesouro Steven T. Mnuchin; o secretário da Saúde e Serviços Humanos Alex Azar II; Mark Meadows e Dan Scavino, chefe e vice-chefe do gabinete do Presidente; Rudy Giuliani, advogado de Trump; Kayleigh McEnany, secretária de imprensa do Presidente; e, na família, Ivanka e Barron Trump, filhos do Presidente, e o cunhado Jared Kushner.
Já este sábado, o antigo governador da Nova Jérsia, Chris Christie, anunciou que testou positivo para a Covid-19. Christie foi um dos conselheiros de Trump mais diretamente envolvidos na preparação do debate da última terça-feira, tendo trabalhado com o Presidente durante vários dias antes do debate.
Apesar dos casos negativos, há dentro da Casa Branca um sentimento de pânico entre os assessores à medida que tentam descobrir quem pode estar infetado e um nervosismo generalizado entre os funcionários da residência oficial, noticiou a CNN. A política de testagem dentro da Casa Branca não parece ter protegido o Presidente e a garantia de que todos os presentes no debate de terça-feira tinham testes negativos para o SARS-CoV-2 também não.
Uma informação importante sobre o novo coronavírus e os testes de diagnóstico é que o vírus não é detetável nos primeiros dias após a infeção e que, em média, demora cinco a sete dias para se manifestarem os primeiros sintomas. Não se sabe, por exemplo, se foi Hope Hicks que infetou Donald Trump ou o contrário, ou se haverá outras pessoas envolvidas neste dois contágios.
Máscaras, desinfetantes, gripes e milagres. 15 frases marcantes de Trump sobre a pandemia
Mesmo que Trump cancele todos os eventos presenciais para os próximos dias, o que preocupa são todos os contactos que teve nos dias anteriores. Sabe-se que Mike Lee, senador republicano do Utah, e o padre John Jenkins, presidente da Universidade de Nossa Senhora (Indiana), estiveram na Casa Branca no sábado passado no anúncio da nomeação de Amy Coney Barrett para o Supremo Tribunal, ambos sem usarem máscara. Mike Lee e o padre católico testaram positivo, esta sexta-feira, Amy Coney Barrett, negativo. A presidente do Comité Nacional Republicano, Ronna McDaniel, que esteve com o Presidente na passada sexta-feira, teve um teste positivo esta quarta. O gestor de campanha de Trump também está infetado. Há ainda dois repórteres da Casa Branca infetados. Um deles terá viajado no avião Air Force One para a Pensilvânia esta semana.
“Lamento o meu erro de julgamento por não ter usado máscara”, escreveu o padre Jenkins numa carta endereçada aos alunos da universidade que preside.
Além do debate para as presidenciais, em Cleveland, na terça-feira, Donald Trump tinha estado num comício em Middletown (Pensilvânia), no sábado; numa ação de angariação de fundos em Minneapolis e num comício em Duluth (Minnesota), na quarta; e no evento no clube de golfe já referido. O jornal The New York Times publicou a agenda de eventos públicos (ou com várias pessoas) do Presidente — 15 desde sábado passado.
Donald Trump, que tem desvalorizado a gravidade do vírus e criticado a dureza das medidas, acabou infetado com o novo coronavírus tal como já tinha acontecido com Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, e Jair Bolsonaro, Presidente do Brasil. Desde o anúncio do Presidente norte-americano, chefes de Estado de todo o mundo têm apresentado desejos de melhoras para o casal. Da Casa Branca, no entanto, sai pouca informação: por exemplo, quais são os planos no que diz respeito à campanha para as presidenciais. O que se sabe e o que falta saber sobre Donald e Melania Trump e a Covid-19?
Covid-19: Marcelo Rebelo de Sousa desejou as melhoras a Donald Trump
O que já se sabe
Assessora mais próxima do Presidente foi o primeiro caso conhecido
Hope Hicks, uma das assessoras mais próximas do presidente, é a apontada como a origem da infeção. Mas, na verdade, tudo o que se sabe é que, no círculo próximo de Trump, Hicks foi a primeira a testar positivo para o SARS-CoV-2, na quinta-feira. No mesmo dia à noite, e antes de saber se estava infetado, Donald Trump revelou à Fox News que iria começar a fazer quarentena enquanto esperava o resultado do teste.
Acabei de sair para um teste. O resultado vem mais tarde, acho eu. E a primeira-dama também porque passamos muito tempo com Hope”, explicou Trump.
Pouco depois, no Twitter, o presidente também confirmava essa informação. “Hope Hicks, que tem trabalhado tanto sem sequer fazer uma pequena pausa, acabou de testar positivo à Covid-19. Terrível! A primeira-dama e eu estamos à espera dos resultados dos testes. Enquanto isso, vamos ficar de quarentena”, lia-se.
Hope Hicks, who has been working so hard without even taking a small break, has just tested positive for Covid 19. Terrible! The First Lady and I are waiting for our test results. In the meantime, we will begin our quarantine process!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 2, 2020
Hope Hicks viajou na terça-feira com Donald Trump no avião presidencial, o Air Force One, entre Cleveland e Minnesota, onde o presidente norte-americano esteve num comício. A assessora sentiu-se mal e fez quarentena ainda durante a viagem de regresso a casa, ainda sem saber que estava infetada, segundo o The New York Times.
Resultados dos testes foram conhecidos na noite de quinta-feira
Tonight, @FLOTUS and I tested positive for COVID-19. We will begin our quarantine and recovery process immediately. We will get through this TOGETHER!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 2, 2020
As informações divergentes
Uma doença ligeira e um internamento
Melania Trump foi a primeira a falar sobre o seu estado de saúde e do marido. Num tweet feito cerca de meia-hora depois de Trump, a primeira-dama garantiu que se estavam “a sentir bem”. Horas depois sabia-se que tanto o Presidente como a mulher tinham sintomas da doença: Melania tem uma tosse ligeira e dor de cabeça, mas Trump tem febre e sente-se cansado.
As too many Americans have done this year, @potus & I are quarantining at home after testing positive for COVID-19. We are feeling good & I have postponed all upcoming engagements. Please be sure you are staying safe & we will all get through this together.
— Melania Trump 45 Archived (@FLOTUS45) October 2, 2020
O médico do Presidente, Sean P. Conley, disse na manhã desta sexta-feira em comunicado que “o presidente e a primeira-dama estão bem neste momento”. Ao final do dia, o médico revelava não só os sintomas de Donald Trump como o facto de o Presidente ter usado um fármaco experimental que ainda não recebeu autorização para uso de emergência por parte do regulador norte-americano do medicamento (FDA) — um cocktail de anticorpos monoclonais. O uso pelo Presidente está fora do âmbito de um ensaio clínico, como aconteceria em situações normais com os tratamentos experimentais.
A farmacêutica Regeneron, que produziu o cocktail de anticorpos, divulgou esta semana os primeiros resultados dos ensaios clínicos com este tratamento. Os doentes não-hospitalizados com sintomas de Covid-19 viram a quantidade de vírus (carga viral) ser reduzida mais rapidamente quando foram injetados com os anticorpos. Os ensaios estão ainda numa fase muito preliminar.
Pouco tempo depois, Kayleigh McEnany, secretária de imprensa do Presidente, informou que Trump ia ser transferido para o hospital militar Walter Reed, onde passaria os próximos dias, “por precaução”.
Fadiga crónica, a sequela da Covid-19 que pode afetar até os doentes ligeiros
Com relatos que vão desde sintomas ligeiros, a doença moderada — referida por Larry Kudlow, conselheiro económico da Casa Branca —, do uso de um fármaco experimental à transferência para o hospital, sempre com afirmações sobre o bom humor do Presidente, não é possível perceber qual a gravidade da doença que atingiu Trump.
Vão ficar em isolamento, mas Trump continuará a desempenhar as suas funções a partir do hospital
No comunicado emitido logo após o anúncio, Sean P. Conley adiantava que Donald e Melania Trump “planeiam permanecer em casa, na Casa Branca, durante a convalescença” e revela que o presidente “continuará a desempenhar as suas funções sem interrupções durante a recuperação”. O mesmo tinha sido adiantado por Melania Trump que, no Twitter, disse que ela e o marido iam ficar de quarentena, “tal como muitos americanos já o fizeram este ano”. O médico garantiu ainda que manterá “vigilância atenta” e prometeu manter os americanos “atualizados sobre quaisquer desenvolvimentos futuros”.
A Casa Branca revelou já este sábado que Trump vai continuar no centro médico Walter Reed nos “próximos dias”. A decisão foi tomada “por precaução e por recomendação do seu médico e especialistas médicos”.
Sem dar grandes pormenores, Melania Trump explicou ainda no Twitter que tinha já adiado “todos os próximos eventos”. Até ao momento, sabe-se que o presidente norte-americano cancelou já um encontro com apoiantes em Washington, segundo a ABC News, e uma viagem à Florida que tinha marcados para esta sexta-feira. Em vez dos encontros presenciais, o seu único evento da agenta será uma videochamada sobre “apoio aos idosos vulneráveis face à Covid-19”.
Donald Trump faz parte do grupo de risco? Exame à saúde do presidente dos Estados Unidos
Os relatos sobre o que vai acontecer são, porém, contraditórios: desde cancelar ou adiar todos os eventos; até à possibilidade de aparecer perante o público a certa altura, segundo a secretária de imprensa, Kayleigh McEnany. O que se sabe neste momento é que Trump não compareceu no único evento que ficou marcado — a tal chamada telefónica — e que foi substituído por Mike Pence. Nos próximos dias, pelo menos, estará a trabalhar a partir do centro médico Walter Reed, segundo McEnany.
O que ainda falta saber
Como será a campanha a partir de agora
É certo que pelo menos os eventos marcados para esta sexta-feira foram desmarcados, mas a um mês das eleições presidenciais, o candidato e Presidente em funções tinha uma agenda preenchida. Pelo menos, o debate de Trump e Biden agendado para o próximo dia 15 de outubro em Miami, no estado da Florida, pode ficar em risco.
Haverá transferência de poderes
Donald Trump poderia recorrer à 25.ª Emenda da Constituição dos EUA para transferir temporariamente o poder para o vice-presidente que, neste caso, seria Mike Pence. Mas em todos os momentos se tem afirmado que o Presidente, mesmo em quarentena, continuará a trabalhar e, agora, que Trump irá trabalhar a partir do gabinete presidencial em Walter Reed. “O presidente está no comando”, disse à CNN a porta-voz da Casa Branca, Alyssa Farah.
Última atualização às 10h10 de 3 de outubro, com a informação de que Trump vai ficar no hospital