Nem dois minutos tinham passado e já se formava uma maioria negativa (quando a posição do partido do Governo é contrariada por uma maioria de deputados de outros partidos). Repetiu-se, pelo menos, 13 outras vezes no primeiro dia de votações na especialidade do Orçamento do Estado para 2021. Um dia que ficou também marcado pelo “chumbo” de sete das 12 propostas de alteração do Bloco de Esquerda. Ou dito de outra forma: todas as propostas do Bloco que foram a votos esta sexta-feira foram rejeitadas pelo PS e pelos partidos à sua direita.
Ainda antes de começarem as votações, o PCP deu uma conferência de imprensa em que fez um “ponto de situação”. E o que disse pode ter deixado o Governo um pouco mais nervoso. Vamos por pontos:
Ponto 1: “não estão preenchidos” os critérios do PCP para viabilizar a proposta de Orçamento do Estado para 2021.
Ponto 2: Diz o PCP que isto não é nem ultimato nem um último aviso ao Governo. “É um ponto de situação” para lembrar os critérios definidos pelo PCP, “para que não haja nem ilusões nem deturpações”.
Ponto 3: Mas que não haja dúvidas. Se no final da especialidade houver “um Orçamento do Estado que dê resposta global aos problemas do país, o PCP não terá problemas em viabilizá-lo, se não der resposta, não teremos dificuldade nenhuma em chumbá-lo.
E logo a abrir as votações o PS entrou a perder. Todos os partidos, menos os socialistas, deram luz verde a uma proposta de alteração do PSD para eliminar as cativações na despesa das entidades reguladoras sobre as receitas próprias. Mais tarde, a proposta do PSD para proibir cativações nas despesas médicas para deficientes das Forças Armadas seguiu o mesmo caminho. Todos os partidos aprovaram a medida, à exceção do PS.
Num outro caso, o sentido dos votos foi menos óbvio e obrigou a conferir as contas. As propostas de comunistas e dos deputados sociais-democratas da Madeira para reduzir as taxas aeroportuárias nos aeroportos do Funchal e do Porto Santo foram aprovadas, com os votos contra do PS e Iniciativa Liberal (que se absteve na proposta dos deputados da Madeira) e a abstenção do PAN. Os outros partidos votaram a favor.
Os socialistas voltaram a ficar sozinhos no voto contra à proposta do PSD para tornar gratuita a vacina contra a pneumonia para pessoas com doenças respiratórias crónicas. Para os que têm mais de 65 anos, a proposta prevê uma comparticipação de 69% dos custos. Os social-democratas justificam a proposta com uma recomendação feita pela Direção-Geral da Saúde (DGS) a defender a vacina para grupos de risco em 2015 — quando, aliás, o PSD estava no Governo — e lembram que a doença mata cerca de cinco mil pessoas por ano.
A abstenção do IL numa outra proposta do PSD — para criar um regime especial de contabilização do tempo de serviço para acesso à reforma dos profissionais da pesca — não foi suficiente para travar outra coligação negativa. Assim, para efeito de apuramento do tempo de serviço destes trabalhadores para acesso à reforma, passa a ser considerada a totalidade do período de inscrição destes profissionais como marítimos.
Da mesma forma, o Chega juntou-se ao PS para tentar travar uma proposta do PCP, mas os socialistas não conseguiram evitar nova coligação negativa. Desta vez, a medida em causa refere que o Governo deve executar, em 2021, “o Plano de Remodelação dos Tribunais da Região Autónoma dos Açores, mediante o correspondente cronograma operativo”.
Os deputados aprovaram ainda, com o voto contra do PS, uma proposta que implica a contagem da avaliação obtida pelos ex-militares “nos anos em que desempenharam funções nas forças armadas”, para efeitos de avaliação na carreira.
Já em período de descontos, a última maioria negativa do dia formou-se quando Mariana Mortágua, do Bloco, anunciou que o partido transformava uma abstenção num voto a favor, viabilizando a proposta do PSD que obriga o Governo a dotar o Fundo de Emergência Municipal (FEM) em 5,6 milhões de euros e não em 3 milhões de euros, como prevê na proposta de OE.
Empresas, trabalhadores e Saúde. As propostas na especialidade para o segundo Orçamento da pandemia
Segurança Social sai reforçada e pensões mais baixas ganham 10 euros
O PS viu aprovada a medida que visa recrutar 350 trabalhadores para a Segurança Social, numa altura de grande pressão por causa dos apoios para fazer face à crise, e também, por unanimidade, a proposta que duplica a capacidade de resposta de atendimento da Linha Nacional de Emergência Social (criada em 2001). Através do número 144 todos os cidadãos podem, a qualquer hora, procurar apoio desta linha para situações de violência doméstica, abandono, desalojamento, sem-abrigo e crianças e jovens em perigo.
O Governo fica ainda autorizado a reforçar medidas de emprego e formação profissional e estágios profissionais; e “adotar quando necessário medidas excecionais de proteção durante o período da pandemia”.
Avança também, como já se sabia, depois das negociações com o Governo, a proposta do PCP que garante um aumento extraordinário de 10 euros a todos os pensionistas até 658 euros (1,5 IAS) — mesmo para aqueles que tiveram atualização durante o período da Troika — e que é aplicado já em janeiro (e não apenas em agosto, como consta da proposta de orçamento do Governo).
Outra proposta comunista aprovada permite reforçar as forças de segurança com mais 2.500 novos profissionais em 2021. Só os socialistas se abstiveram.
Sete (das 12) propostas do Bloco de Esquerda já foram rejeitadas
Já se sabia que não havia acordo entre Governo e BE, e as divergências têm sido notórias nas discussões no Parlamento, mas das sete propostas que o Bloco de Esquerda levou a votação na especialidade esta sexta-feira (de um total de 12) nem uma passou na Comissão de Orçamento e Finanças.
O partido queria, desde logo, dar aos hospitais autonomia administrativa e financeira na contração de novos profissionais. Estariam em causa contratos sem termo, em que as entidades do SNS não precisariam de autorização do Governo para proceder às contratações.
As restantes seis propostas estão de uma forma ou de outra ligadas ao mercado laboral, como já sublinhou a coordenadora do partido, Catarina Martins, no Twitter.
As 6 medidas relativas ao trabalho que o Bloco apresentou no #OE21 foram chumbadas agora mesmo. Medidas de impacto orçamental nulo, mas com impacto máximo na resposta à crise. Pode existir uma resposta de esquerda à crise com as regras da direita?
— Catarina Martins (@catarina_mart) November 20, 2020
Nas matérias ligadas ao mercado de trabalho estava em causa:
— retomar o princípio do tratamento mais favorável para os trabalhadores nas convenções coletivas;
— o princípio de que a uma convenção coletiva deve suceder outra, ou seja, os acordos celebrados entre trabalhadores e empresas nunca caducam;
— reduzir a duração do período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração;
— definir que, em caso de despedimento coletivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a vinte dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (voltando às regras pré-Troika);
— garantir que os trabalhadores precários também são protegidos nos casos em que as empresas recebem apoios públicos em 2021;
— definir um regime jurídico laboral aplicável às plataformas digitais, como a Uber ou a Bolt, que ficariam sujeitas a licenciamento prévio, renovável anualmente, e em que só poderiam ter a exercer trabalhadores a título individual, e com contrato de trabalho escrito.
Na manhã desta sexta-feira, na discussão em plenário, o PS chegou a admitir que poderia levar em conta estas matérias laborais, mas não no âmbito do Orçamento do Estado.
Para outras “núpcias”, a partir de segunda-feira, ficam várias propostas que visam criar o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, que pode incluir independentes e sócios-gerentes; e alterar o subsídio de desemprego e outros apoios sociais — procurando melhorar as condições para acesso e majorar o apoio para casos de maior fragilidade. Também a criação de um suplemento por trabalho em condições de risco, penosidade e insalubridade ficou adiada.